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A "democracia big brother" de Tony Blair

Nick Amies (av)8 de setembro de 2006

O 11 de setembro transformou o Reino Unido numa dupla vítima: de atentados terroristas e de sua própria legislação antiterror.

Boa parte dos ingleses admite trocar liberdade por segurançaFoto: AP

Logo após os atentados nos Estados Unidos, em 2 de outubro de 2001, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, anunciou numa convenção do Partido Trabalhista. "Neste país e por todo o mundo as leis serão modificadas, não para negar liberdades fundamentais, mas sim para evitar o abuso delas, protegendo a grande liberdade de todos: a liberdade diante do terror."

Blair acenou com uma nova legislação de deportação e asilo. "Este país tem orgulho de sua tradição de oferecer asilo àqueles que fogem da tirania, porém temos o dever de defender este sistema de abuso." Na época, o premiê anunciou a intenção de reformular radicalmente todo o sistema legal.

Ombro a ombro com os EUA

Tony Blair (esq.) e George W. BushFoto: AP

Em decorrência dos atentados, Blair jurou, em nome do seu povo, lutar "ombro a ombro" com os Estados Unidos, na recém-declarada "guerra contra o terror". E, enquanto enviava tropas ao Afeganistão para combater a Al Qaeda e os talibãs, iniciava-se para ele uma outra batalha na frente nacional: a luta pela segurança da Inglaterra, a fim de acalmar a nação atemorizada.

Já em 2001, tanto nos EUA quanto no Reino Unido, elaboraram-se a toque de caixa leis com o fim de melhorar as condições de segurança. Washington aprovou o draconiano Patriot Act (Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorist Act). A contraparte londrina chamou-se Anti-terrorism, Crime and Security Act (ATCSA).

O Patriot Act britânico

O ATCSA permitia ao ministro do Interior David Blunkett classificar determinadas pessoas como presumíveis terroristas internacionais, assim como prender e deportar estrangeiros suspeitos. O temor difundido entre a população reforçava o governo inglês.

Outro fato contribuiu para que as medidas permanecessem relativamente incontroversas, sendo aceitas como necessárias: desde 1950 a Convenção Européia dos Direitos Humanos fizera uma exceção, concedendo os mencionados poderes à legislação britânica de imigração.

Com a implementação do ATCSA, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial o governo britânico estava autorizado a deter suspeitos sem queixa-crime nem o direito de se pronunciar sobre as acusações. Londres argumentava que tanto a segurança nacional quanto o trabalho dos serviços secretos estariam ameaçados, caso os indícios fossem divulgados num processo judicial.

Madri

O atentado terrorista de 11 de março de 2004, em Madri, resultou em 192 mortos e 2050 feridos, sendo o pior já ocorrido no continente. Os que se opunham à guerra no Iraque o interpretaram como mais um sinal de que a participação naquele conflito era um erro.

Na ilha britânica cresceu o medo de uma represália no próprio solo. Afinal, assim como a Espanha, o Reino Unido havia se colocado ao lado dos EUA, no Iraque e no combate ao terrorismo.

O clamor por medidas concretas tornou-se mais alto. Reagindo ao recurso dos Law Lords, com base na Convenção Européia dos Direitos Humanos, contra as prisões de nove suspeitos, Blair lançou a Lei de Prevenção ao Terror. Fundamentada no ATCSA, ela concedia poderes ainda maiores ao novo ministro do Interior, Charles Clarke.

Lei de Prevenção

Este podia agora decretar "medidas de controle" contra suspeitos de terrorismo, as quais incluíam prisão domiciliar e restrição do acesso a telefones celulares e à internet. Visitas tinham que ser anunciadas, a fim de permitir a vigilância por parte do serviço secreto.

A Lei de Prevenção provocou protestos veementes da oposição, o projeto foi alterado numerosas vezes, e finalmente acrescentou-se uma cláusula prevendo sua verificação no prazo de um ano. Contudo, em fevereiro de 2006 o ministro do Interior considerou o reexame desnecessário, adiando-o por mais um ano.

Blair defendeu a nova lei, argumentando ser prioridade máxima do governo defender o país contra o terrorismo. Tudo mais, inclusive a defesa dos direitos fundamentais, seria secundário.

O medo se concretiza

Ônibus explodido na Eversholt Street, Londres, nos atentados de 7 de julho de 2005Foto: AP

Apesar das condições de segurança mais rigorosas, em 7 de julho de 2005 Londres foi palco de atos terroristas. Em conseqüência de quatro atentados suicidas, 52 pessoas morreram e mais de 700 ficaram feridas. Com isso a ameaça tornava-se concreta também para o Reino Unido.

O país vivia agora a arrasadora prova de que não era imune ao terror. Mais uma vez foi aprovado o endurecimento da legislação correspondente, e em conseqüência criou-se em 2006 o ultracontrovertido Terrorism Act.

A nova lei define novos crimes puníveis, como anuência e enaltecimento do terrorismo. A emenda mais polêmica foi a ampliação do período durante o qual suspeitos podem ficar detidos sem processo. Tony Blair pretendia elevá-la de 14 para 90 dias, mas pela primeira vez teve que engolir uma derrota na Câmara Baixa, e o período de prisão ficou limitado a 28 dias.

Troca justa?

Brasileiro Jean Charles de Menezes, vítima do excesso de zelo da polícia londrinaFoto: AP

As autoridades britânicas antiterror alegam haver impedido cerca de uma dúzia de atentados, desde o 11 de setembro, quatro dos quais apenas no ano passado.

O governo ostenta haver tornado o país mais seguro, através na nova legislação e da ampliação de poderes. Organizações de direitos humanos e ativistas civis questionam, por outro lado, se o cerceamento dos direitos fundamentais não seria um preço alto demais.

Enquanto isso, uma pesquisa de opinião mostrou que 73% dos britânicos estariam prontos a sacrificar seus direitos civis, em troca de uma maior proteção contra atentados terroristas.
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