Novo acordo entre mineradoras Samarco, Vale, BHP e órgãos públicos inclui também os atingidos. Dois anos e meio depois da maior tragédia ambiental do país, famílias ainda esperam ajuda emergencial.
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No estado de Espírito Santo, as famílias atingidas pelo maior desastre ambiental do Brasil, provocado em 2015 pelo rompimento da barragem de rejeitos das mineradoras Samarco, Vale e BHP, ainda vivem em situação de emergência.
"A concessão de auxílio financeiro ainda tem sido uma demanda muito forte das comunidades. Temos muitas notícias de pessoas em situação de vulnerabilidade que aguardam há mais de dois anos para receber”, afirma Rafael Portella, defensor público do estado.
São comunidades que tinham no rio Doce ou na região da costa litorânea a principal fonte de sustento, área que ficou inviabilizada depois da invasão dos rejeitos de mineração após o colapso da barragem Fundão, em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015.
A onda de resíduos percorreu mais de 600 quilômetros pelo Doce até chegar ao Atlântico, na costa do Espírito Santo. No caminho, matou 19 pessoas, destruiu povoados, memórias, vegetação e comprometeu a fonte de água e renda de comunidades.
Segundo a Defensoria Pública do estado, uma das principais tarefas tem sido tornar "visíveis" os atingidos espalhados pelo território. "Foi preciso um ano para que as empresas reconhecessem todo o litoral do estado como área impactada", critica Portella. "Isso mostrou como o sistema era ineficiente, moroso, extremamente burocratizado. E sem qualquer participação social."
Visibilidade e voz aos atingidos
Por conta dessas dificuldades, um acordo para mudar a forma de conduzir o processo de reconhecimento e reparo aos atingidos do maior desastre ambiental do país, foi assinado por 14 órgãos públicos e deve começar a sair do papel nos próximos seis meses.
Adiado cinco vezes pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP, o chamado de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) inclui nas mesas de negociação uma voz até então pouco presente: a dos impactados pelo desastre.
"Para que haja uma reparação integral, é preciso ouvir os atingidos, para que se entendam os danos, que são muito dispares - vão do turismo ao pescador", comenta a promotora Andressa de Oliveira Lanchotti, do Ministério Público de Minas Gerais.
Lanchotti considera o TAC satisfatório, mas acredita que implementá-lo será desafiador. O acordo criou mecanismos que incentivam a participação social, como comissões locais de atingidos, fórum de observadores e participação de impactados até no conselho da Fundação Renova.
Cronologia: o maior desastre ambiental do Brasil
O rompimento de uma barragem da Samarco provocou o maior desastre ambiental da história brasileira, gerando uma tsunami de 50 milhões de metros cúbicos de lama que deixou ao menos 13 mortos e centenas de desabrigados.
Foto: DW/N. Pontes
Rompimento da barragem
O rompimento de barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em 5 de novembro, causou uma enxurrada de lama que inundou a região do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana/MG, a cerca de 120 quilômetros de Belo Horizonte. A empresa é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Biliton.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Um distrito soterrado
Após o rompimento da barragem, os rejeitos destruíram casas e arrastaram veículos em Bento Rodrigues, onde residiam cerca de 600 pessoas. O volume, de cerca de 50 milhões de metros cúbicos de lama e resíduos provenientes da extração de minério, poderia encher cerca de 20 mil piscinas olímpicas.
Foto: Xinhua
Mortos, desaparecidos e animais resgatados
Bombeiros da região ainda trabalham para achar desaparecidos. Até o início de dezembro eram 11 mortos confirmados, sendo que há dois outros corpos não identificados e oito pessoas desaparecidas. Segundo a Samarco, 1.265 pessoas foram hospedadas em hotéis, 51 famílias foram alocadas em casas e mais de 600 animais, entre cachorros, gatos, porcos, vacas e cavalos, foram resgatados nas áreas próximas.
Foto: PA / ZUMA Press
A resposta da Samarco
Logo após o desastre, a empresa anunciou ter colocado em ação, juntamente com órgãos competentes, ações previstas em seu plano de emergência para priorizar o atendimento e a integridade das pessoas que estavam próximas às barragens, além de ações para conter danos ambientais. Representantes da Vale e da BHP Biliton prometeram criar um fundo de assistência para as comunidades e meio ambiente.
Foto: Reuters/R. Moraes
A multa do Ibama
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmou em 12 de novembro que vai aplicar multas de 100 milhões de reais à mineradora. São duas multas: uma de 50 milhões de reais pelo lançamento de rejeitos em rios próximos em decorrência do rompimento da barragem e outra, no mesmo valor, em razão dos prejuízos causados à biodiversidade.
Foto: Reuters/R. Moraes
Doações de todo o Brasil
Após o rompimento da barragem, doações vindas de todo o Brasil começaram a chegar à região de Mariana. Dois centros receberam itens como roupas, alimentos e água potável, que foram distribuídos em hotéis para os desabrigados e levados às comunidades atingidas. Voluntários de todas as partes do país vêm ajudando a separar as doações.
Foto: DW/N. Pontes
Lama no Rio Doce
Dois dias depois do rompimento da barragem, o "tsunami" de lama começou a chegar ao Rio Doce, na região leste de Minas Gerais. De acordo com a polícia militar ambiental, o rio chegou a subir pelo menos um metro e meio. A água do Rio Doce tem, em certos pontos, a presença de chumbo, arsênico e níquel. O impacto ambiental é imensurável.
Foto: Fred Loureiro/Secom-ES
Outras barragens em risco
A mineradora reconheceu em 17 de novembro o risco de rompimento de outras duas barragens, as de Santarém e Germano, localizadas nas proximidades da que se rompeu em 5 de novembro. A empresa ressaltou a realização de obras emergenciais para reforçar as duas barragens. Os trabalhos, informou, durariam cerca de 45 dias em Germano e 90 dias em Santarém.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Dilma sobrevoa áreas afetadas
Uma semana após a tragédia, Dilma Rousseff sobrevoou as regiões afetadas em MG e ES. Na cidade capixaba de Colatina, Dilma disse que a mineradora terá que arcar com todas as consequências do desastre ambiental: "Esse é um dos desastres mais graves que o país sofreu, principalmente quando se considera a questão do impacto sobre o meio ambiente, a sociedade, a economia local."
O tsunami de rejeitos da Samarco percorreu 650 quilômetros até a foz do Rio Doce, no distrito de Regência, em Linhares/ES. Para tentar salvar a vegetação, a mineradora instalou boias de contenção nas margens do rio. Para evitar a morte de tartarugas, o Projeto Tamar removeu vários ninhos na praia de Comboios.
Foto: Reuters/R.Moraes
Críticas da ONU
A ONU afirmou que as "medidas do governo, Vale e BHP Biliton foram claramente insuficientes". Para a organização, houve demora para as informações sobre riscos tóxicos da catástrofe viessem à tona. "A escala do dano ambiental é o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de resíduos de lama tóxica contaminando o solo, rios e o sistema de água em uma área de mais de 850 km", disse.
Foto: Reuters/R. Moraes
Brasil pede R$ 20 bi à Samarco
Em 27 de novebro, o governo federal anunciou uma ação civil pública contra a Samarco e suas controladoras. Foi pedido que a Justiça determine a criação de um fundo de R$ 20 bilhões para reparar os danos causados após o rompimento de barragem. O dinheiro, não gerido pelo governo, seria para conter e minimizar os danos, além de revitalizar a bacia do Rio Doce e indenizar as vítimas.
Foto: Reuters/R. Moraes
BHP ajudará na recuperação
A mineradora BHP Biliton reafirmou em 30 de novembro que fará o que puder para ajudar a reconstruir as comunidades afetadas e recuperar o meio ambiente na área atingida pelo rompimento da barragem em Mariana.
Foto: DW/N. Pontes
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O órgão, fundado em 2016 com dinheiro das mineradoras para cuidar de todo o processo de reparação das vítimas e restauração ambiental, deu boas-vindas à inclusão dos atingidos. "Vai dar mais celeridade para as decisões, mais qualidade no processo decisório e trazer legitimidade para as coisas que a gente faz", respondeu à DW Brasil Roberto Waack, diretor-presidente da Renova.
O custo desconhecido
O objetivo da nova versão do acordo é restituir a vida das pessoas e o meio ambiente ao estado anterior ao desastre. O custo dessa reparação de danos, no entanto, ainda é desconhecido. "De maneira global, ainda não foi feito o cálculo. O custo da indenização integral vai começar agora a ser mensurado e valorado. Tanto do ponto de vista ambiental quanto do ponto de vista socioeconômico", afirma a promotora Lanchotti.
No Espírito Santo, o cadastramento dos impactados junto à Fundação Renova teve muitos problemas devido ao "reconhecimento tardio" das vítimas, diz Portella. Para o defensor público, as empresas subestimaram o custo que teriam pelo prejuízo causado no estado. "No município de São Mateus, havia em janeiro de 2017 apenas treze cadastros de impactados. Em janeiro de 2018, eram 2 mil", cita como exemplo.
Segundo as regras do novo acordo, os 42 programas sociais e ambientais sob responsabilidade da Renova poderão ser reajustados. "Isso significa que as diretrizes de como a Fundação tem que trabalhar serão alinhadas com a realidade de campo", afirma Waack, citando a dificuldade encontrada até então para atender às necessidades dos atingidos e seguir normas internas.
O custo ambiental
Os cerca de 32 milhões de metros cúbicos de rejeitos que foram liberados após o rompimento da barragem continuam no meio ambiente. Cerca de 25% do total que ficaram dentro da propriedade da Samarco estão estabilizados, afirma Waack.
Outros 25%, contidos no reservatório da usina de Candonga, por enquanto ficarão lá. Por falta de solução de engenharia para retirada dos resíduos, a usina deve voltar a funcionar apenas no final do ano que vem. O volume que foi para o fundo do rio Gualaxo, afluente do Doce, também permanece por lá até que uma alternativa seja encontrada.
A reabilitação ambiental é acompanhada de perto pelo Ibama, que assinou o TAC. Ana Alice Biedzicki de Marques, diretora de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, vê melhoras no último ano, embora ressalte que a recomposição florestal seja muito difícil e lenta. "O que a natureza leva milhões de anos para fazer, nós estamos tentando correr o mais rápido possível pra recuperar", comenta.
Marques vê com preocupação a entrada de novos atores no processo de decisão. "Temos que cuidar para que não ocorram retrocessos", justifica, argumentado que novas visões podem querer mudar o que tem sido feito até agora.
Para uma das diretoras do Ibama, a recuperação ambiental da bacia do rio Doce como um todo ficou um pouco esquecida. "E esse é um processo importante para todos. Afinal, os atingidos querem ver o peixe voltar para o rio, querem aproveitar as áreas ribeirinhas. A recuperação é um processo integrado, não se pode fragmentar a pessoa do meio ambiente", defende.
O drama dos animais em Mariana
Voluntários se revezam em galpão para cuidar de animais feridos na avalanche de lama provocada pelo rompimento da barragem de Fundão. Pelo menos 650 bichos já passaram pelo local.
Foto: DW/R. Malkes
Bebê
Voluntária recorre à seringa para alimentar filhotes recolhidos nos arredores do distrito de Bento Rodrigues, devastado pela lama. Em meio a tanto desalento, há um único lugar, bem próximo ao epicentro da tragédia de Mariana, onde todos os dias há motivos para comemoração.
Foto: DW/R. Malkes
Cadela e filhotinhos
Filhotes chegaram ao abrigo de animais montado às margens da rodovia MG-129 cobertos de lama. Mãe mãe estava ferida e faminta. Batizado de Centro de Recolhimento de Animais, pelo menos 650 bichinhos passaram por ali.
Foto: DW/R. Malkes
Bezerrinho
O bezerrinho nasceu no galpão improvisado. A mãe foi resgatada isolada e faminta próximo ao distrito de Paracatu de Baixo. "Muitos chegaram doentes e com fome, mas receberam toda a assistência que precisam", conta veterinária.
Foto: DW/R. Malkes
Tratamento especial
Uma voluntária troca os curativos do pequeno paciente, ainda debilitado por um bicheiro atrás da orelha. Mais de 800 animais já passaram pelo galpão.
Foto: DW/R. Malkes
Carente
Nem todos os animais foram identificados. Após a recuperação, aqueles que não tiverem seus donos encontrados podem ser oferecidos à adoção.
Foto: DW/R. Malkes
Cavalo
Equipes de resgate ainda circulam pelas áreas atingidas pela tragédia. Muitos animais estão retornando e acabam atolados no mar de lama.
Foto: DW/R. Malkes
Sofrimento
Cães estão entre os que mais sofrem, segundo veterinários. Após os ferimentos e a fome passados após acidente, muitos estão carentes no canil à espera da recuperação completa.
Foto: DW/R. Malkes
Quarentena
Alguns pacientes começam a sofrer de estresse devido ao tempo passado no canil. Voluntários tentam distribuir carinho e levar para passeios.
Foto: DW/R. Malkes
Buscam continuam
O bombeiro Carlos Eduardo encontra duas galinhas solitárias ciscando no meio dos rejeitos de minério de ferro em Bento Rodrigues. Todos os dias, animais perdidos são encontrados, mesmo mais de um mês após a tragédia.
Foto: DW/R. Malkes
Reencontro
Juarez Mariano de Souza e o filho vão visitar o cachorrinho da família, Lui, identificado no abrigo. Ele ainda não pode ser levado, pois a família Souza continua à espera de uma nova casa.