A difícil luta contra a mutilação genital feminina
6 de fevereiro de 2020Para Lisa Camara, que há pouco tempo se tornou mãe na Gâmbia, é uma decisão que vai contra a prática de gerações em sua comunidade. Coordenadora nacional da ONG Free Hands for Girls (mãos livres para meninas), ela sofreu mutilação genital quando tinha apenas cinco anos de idade, e hoje está determinada a impedir que meninas nascidas agora passem pelo que ela passou. "Eu sei que a minha filha nunca será cortada."
A mutilação genital feminina, ou MGF, é como é chamado qualquer tipo de remoção deliberada de partes da genitália feminina por razões não médicas. Ela afeta três quartos das mulheres na Gâmbia, e em alguns países a prática é quase generalizada. Em todo o mundo, pelo menos 200 milhões de meninas e mulheres já foram mutiladas.
Para muitas, a prática é um rito de passagem que garante a aceitação na sociedade. Mas também pode causar dor, infecções e problemas de saúde que podem continuar ao longo da vida de uma mulher. Aquelas que foram mutiladas têm um risco maior de infertilidade e têm o dobro da probabilidade de morrer durante o parto. A mutilação em si também pode ser fatal.
A ONU quer acabar com a MGF até 2030. Mas os esforços para dar fim à prática terão de ser incrementados para que a meta seja alcançada. "Espero poder proteger mais meninas", diz Camara. "Através de meu trabalho de campo e pelo fato de eu vir de uma comunidade que adota a prática, sei que as probabilidades de isso acontecer, de se acabar com a MGF até 2030, são muito, muito pequenas."
Embora a grande maioria das meninas e mulheres submetidas à MGF seja da África Subsaariana, a prática também é comum em outros locais, incluindo no Egito, Iêmen, Iraque, Indonésia e partes do sul da Ásia. As meninas de algumas comunidades estrangeiras que vivem na Europa e na América do Norte também correm o risco de serem mutiladas.
A MGF está normalmente ligada a crenças tradicionais, culturais e religiosas. Algumas comunidades consideram a prática como uma forma de proteger a virgindade das meninas, freando sua sexualidade ou mesmo protegendo-as de estupro.
"Na Gâmbia, é considerada uma obrigação religiosa islâmica, mesmo que não seja", explica Camara. Não há nenhum verso no Alcorão que apoie a prática. "Em um país que é mais de 90% muçulmano, vai ser muito difícil para as pessoas abandonarem suas obrigações."
"Meninas pedem às mães para cortá-las"
Mariam Dahir, médica e ativista anti-MGF em Somalilândia, afirma que as comunidades na região consideram o corte genital como necessário à aceitação social. "A menina não pode ser casada; ela não pode ser mulher, a menos que tenha passado por essa prática."
Essa pressão social ajuda a explicar por que tantas pessoas acreditam que a prática deve continuar. Tanto na Somália como na Gâmbia, quase dois terços das mulheres apoiam alguma forma de circuncisão, de acordo com a ONU. "Já vi muitas vezes que jovens pedem às mães para cortá-las, porque elas realmente querem se parecer com suas amigas", diz Dahir.
Comunidades diferentes praticam diferentes tipos de MGF. Algumas removem parcial ou totalmente o clitóris externo, enquanto outras também cortam partes dos lábios. As bordas da vulva também podem ser costuradas, deixando apenas uma pequena abertura para urina e o sangue da menstruação. Isso também é conhecido como infibulação. Outros procedimentos prejudiciais descritos pelo termo MGF podem incluir arranhões, piercings ou alongamentos.
Na Somália, a taxa de MGF permanece constante, em torno de 98%. Mas Dahir explica que as atitudes mudaram. No passado, a maioria das comunidades somalis praticava a infibulação. Agora, isso é muito menos comum, e os dois primeiros tipos, que incluem cortar, mas não costurar a vulva, são mais difundidos.
"De alguma forma, as mensagens e a conscientização estão chegando, mas ainda assim eles querem cortar, ainda querem tocar na garota", lamenta Dahir. "Exatamente assim é uma comunidade patriarcal – eles não querem que a garota viva da maneira que ela é."
Dahir, que fazia parte de uma equipe que cooperou na redação de um projeto de lei para proibir a MGF e que será submetido em breve aos legisladores de Somalilândia, diz que a educação é a melhor maneira de combater a mutilação genital feminina.
O Estado autodeclarado é visto internacionalmente como uma região autônoma da Somália, um dos seis países africanos onde a MGF é praticada e ainda é efetivamente legal. Mas proibir a MGF não vai, por si só, impedir que as meninas sejam mutiladas.
"Quando a Gâmbia introduziu uma lei que proíbe a MGF em 2015, permitiu que os ativistas entrassem nas comunidades e conversassem sobre isso, mas não interrompeu a prática", relata Camara. Até o momento, não houve ações judiciais. "A lei levou o corte feminino à clandestinidade. Agora, bebês estão sendo operados quando têm apenas meses de idade."
"Mudança em curso"
Mais de 24 milhões de pessoas em quase 9 mil comunidades se comprometeram a abandonar a MGF, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que diz que as meninas hoje têm 33% a menos de chance de serem mutiladas do que há 30 anos.
"A mudança está acontecendo, mas não está acontecendo rápido o suficiente", diz Ebony Ridell Bamber, chefe de advocacia e política do Orchid Project, uma ONG britânica que trabalha para acabar com a MGF. "Nós realmente precisamos acelerar o progresso e ampliar o trabalho para acabar com essa prática."
Um detalhe que dificulta o combate à MGF é a mudança em alguns países para a medicalização da prática. No Egito, Sudão e Indonésia, a maioria das meninas submetidas à mutilação genital é operada por um profissional de saúde.
"Em alguns países, após o parto, a MGF pode ser realizada como parte do pacote de nascimento", frisa Ridell Bamber. "Isso realmente contribui ainda mais para legitimar e consolidar a prática."
Dahir também vê um passo em direção à medicalização em Somalilândia. "Em nossa última pesquisa, descobrimos que 20% dos que realizam a prática são profissionais de saúde. A tendência agora está mudando do operador tradicional para parteiras e médicos." Dahir trabalha com estudantes de saúde para aumentar a conscientização. "Eles devem saber que a MGF é uma violação dos direitos humanos, e isso deve ser incluído no código de conduta", ressalta.
Tanto Camara como Dahir duvidam que o objetivo de acabar com a MGF até 2030 possa ser alcançado em seus países. Mas ambas são estimuladas pelas mudanças de atitude que têm visto. "Nos próximos dez anos, mais ou menos, quando minha geração e até pessoas mais jovens se casarem, esse será o momento em que você obterá os números reais e saberá o quão eficazes os países têm sido na prática", sublinha Camara.
Ela está particularmente orgulhosa de ter conseguido proteger sua filha e sua sobrinha da mutilação genital, embora sua avó ainda apoie a prática. "Eu não posso mudar o que fizeram em mim. Tudo o que posso fazer é proteger outras pessoas e garantir que elas desfrutem o que eu não desfrutei."
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