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A difícil reconciliação do Japão com o passado

Hans Spross (fca)14 de agosto de 2015

Setenta anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, país ainda convive com posições divergentes sobre o papel que desempenhou no conflito. E, ao contrário da Alemanha, tem dificuldades em aceitar sua culpa.

Capitulação japonesa é assinada no navio americana USS Missouri, em 2 de setembro de 1945Foto: picture-alliance/dpa/United States Library Of Congres

Em março de 2015, durante uma visita ao Japão, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, lembrou que a Alemanha reconheceu sua culpa pela Segunda Guerra Mundial e se mostrou disposta a estender a mão para a França. "O processo de retrabalhar o passado é pré-requisito para alcançar a reconciliação", afirmou Merkel, pedindo indiretamente ao Japão para que seja mais ativo e autocrítico no seu processo de reinterpretação do seu próprio papel na guerra.

A resposta veio dentro da tradicional cordialidade japonesa, mas mesmo assim foi clara. O ministro do Exterior, Fumio Kishida, disse que é inapropriado comparar Japão e Alemanha na maneira como lidam com o seu passado na Guerra. Há diferenças em relação ao que aconteceu com os dois países. Além disso, acrescentou, Japão e Alemanha são cercados por vizinhos diferentes.

Será que o Japão, ao contrário da Alemanha, não aprendeu nada com a derrota e o sofrimento sem sentido de milhões de pessoas? Diante do nacionalismo e do revisionismo histórico que voltaram a florescer nos últimos anos no país, essa é uma hipótese a ser considerada.

Essa impressão é reforçada pelas ações e declarações do primeiro-ministro Shinzo Abe. Cada vez mais, ele se distancia dos pedidos de desculpas apresentados por seus antecessores, que reconheceram a responsabilidade do Japão por seus ataques com milhões de vítimas e pelo destino das mulheres obrigadas a se prostituir.

E, como alguns de seus antecessores, Abe também visitou o controverso Santuário Yasukuni, um monumento em memória aos japoneses mortos no conflito – incluindo alguns condenados por crimes de guerra.

Contudo, o pronunciado nacionalismo do primeiro-ministro e de alguns de seus assessores e adeptos não é uma representação fiel da complexa relação dos japoneses com o passado de guerra. Dela faz parte, como destacam analistas, a distância entre a "política de memória" do governo e o discurso social.

"No Japão, o processo de recordar esse passado de guerra é muito disputado, com vários interesses e intenções", explica o historiador Sebastian Conrad, da Universidade Livre de Berlim. Ao contrário da Alemanha, onde não há grandes diferenças entre o discurso do governo, do parlamento, de historiadores e da maioria da população, o tema é altamente explosivo no país asiático.

General Douglas MacArthur e imperador Hirohito em foto tirada em outubro de 1945, logo após a rendição japonesaFoto: AFP/AFP/Getty Images

Dois lados

Os governos do Japão no pós-Guerra têm defendido a posição de que o país assumiu as responsabilidades por crimes de guerra e espoliações, seja por meio de indenizações bilaterais, seja por meio de auxílios econômicos aos atingidos.

É verdade que houve várias iniciativas para promover o entendimento entre as nações – na publicação de livros escolares em parceria com a Coreia do Sul, por exemplo. "No entanto, iniciativas com essa não partiram dos políticos", afirma Gesine Foljanty-Jost, especialista em Japão da Universidade de Halle-Wittenberg, na Alemanha.

O especialista em assuntos asiáticos Ian Buruma acrescenta que no Japão também há iniciativas como programas de intercâmbio e projetos de cooperação com cidades de países vizinhos, mesmo que em menor escala se comparados a projetos similares na Europa. "Ambos os lados precisam colaborar para que essas ações tenham sucesso. Chineses e coreanos têm de ser receptivos, mas nem sempre é assim", afirma.

Além disso, Buruma diz que não é fácil ter um diálogo aberto com a China, onde a formação de opinião, tanto sobre temas históricos quanto políticos, é rigidamente controlada. "Talvez o Japão devesse se esforçar mais para a reconciliação, mas não há como fazer isso sozinho."

Dualismo

Em 1949, quando a Lei Fundamental (Constituição alemã) foi adotada, Theodor Heuss, membro do Partido Liberal Democrático (FDP) e futuro presidente da Alemanha, afirmou que, em 8 de maio de 1945, o país havia sido libertado e destruído ao mesmo tempo pelos Aliados. A declaração mostra que a visão dual sobre a derrota militar na Segunda Guerra já existia na Alemanha muito antes do famoso discurso de outro presidente, Richard von Weizsäcker, que em 1985 se referiu à data como "dia da libertação".

Proferido em 1985, o discurso de Weizsäcker teve repercussão no JapãoFoto: picture-alliance/dpa

Segundo Conrad, a fala de Weizsäcker também teve grande repercussão no Japão, onde foi traduzida e publicada e acabou tendo uma ampla circulação. "O discurso foi citado várias vezes, especialmente por intelectuais e ativistas de direitos civis, na tentativa de motivar o governo japonês a adotar gestos públicos de maior impacto", diz o historiador.

Ainda assim, Buruma observa que era difícil esperar do Japão uma visão dual, de derrota e libertação, semelhante à que houve na Alemanha. "Não existiu um Hitler japonês nem um partido nazista no Japão. O Império Japonês lutou – conforme sua autopercepção – na Ásia contra grandes potências ocidentais."

Influência americana

Para os Estados Unidos, o Japão se redimiu do passado de guerra com a condenação, no Julgamento de Tóquio, dos principais líderes políticos e militares que participaram do conflito mundial. Assim como no caso da Alemanha após os julgamentos de Nurembergue, os americanos estavam interessados sobretudo em ter parceiros confiáveis na Guerra Fria contra a China e a União Soviética.

Contudo, observa Conrad, nesse ponto existe uma importante diferença entre Japão e Alemanha, que explica, em parte, a maneira diferente de lidar com o passado de guerra. "Apesar de o Japão também ter sido integrado no sistema de aliança ocidental, quase toda a política japonesa do pós-Guerra se orientou pela política dos Estados Unidos, o que fez com que o Japão se desmembrasse do contexto regional." A Alemanha, por sua vez, esteve desde o início envolvida no "projeto europeu", tendo a amizade com a França como motor.

Críticas vindas da China, da Coreia do Sul e de Taiwan só começaram a ser percebidas no Japão depois do fim da Guerra Fria. "A sensação de responsabilidade ou de ser alvo das críticas de outros países asiáticos simplesmente não existia por lá", diz Conrad.

Abe evitou pedido de desculpas e disse que gerações futuras não devem carregar o peso de algo que não fizeramFoto: Reuters/Toru Hanai

Mudança de atitude

Como resultado, o governo japonês começou a demonstrar que estava disposto a alguma forma de autocrítica ou de pedido público de desculpas na segunda metade da década de 1990. Especialmente em 1995, nos 50 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, e em 1998, na questão da prostituição forçada, houve gesto públicos de desculpas por parte de primeiros-ministros japoneses, mesmo que esses não tivessem o mesmo conteúdo simbólico que a queda de joelhos de Willy Brandt em Varsóvia e tampouco a mesma espontaneidade e, portanto, o mesmo efeito.

Mas o historiador afirma que, desde então, o Japão tem passado por mudanças. Segundo Conrad, grupos nacionalistas presentes no parlamento – e, nos últimos anos, também no governo – estão novamente se apoderando da interpretação do passado de guerra do país. Também no aguardado discurso de Abe em alusão ao 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, a influência dessas correntes nacionalistas é visível. O primeiro-ministro não se referiu, por exemplo, aos países "atacados pelo Japão", mas aos países "que lutaram contra o Japão".

Abe reconheceu os pedidos de desculpa feitos por seus antecessores, mas não acrescentou um pedido dele próprio. E foi além: disse que as gerações futuras não devem ser sobrecarregadas com contínuos apelos para se desculparem. O debate sobre o passado de guerra do Japão ainda está longe de acabar.

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