A quem pertencem os tesouros dos naufrágios no fundo do mar? A questão é controversa, como mostra a disputa em torno do mais valioso naufrágio até hoje descoberto: o galeão espanhol San José
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O fundo do mar esconde inúmeros tesouros engolidos pelas águas. Durante séculos, cargas de navios que tiveram a infelicidade de naufragar ficaram inacessíveis. Arquivos de navegação e lendas atiçaram fantasias sobre essa riqueza submersa.
À medida que a tecnologia gradualmente vem possibilitando esses achados, surgiu o dilema de seu destino: quem pode reivindicá-los? Eles pertencem ao descobridor? Ao estado em cujas águas costeiras o naufrágio se encontra? Ao país da bandeira do navio? Ou às pessoas de quem a carga preciosa que ele contém foi saqueada?
Esse é o dilema do galeão espanhol San José, considerado o maior tesouro naufragado do mundo – afundou em águas colombianas há mais de 300 anos, contém ouro saqueado de povos indígenas e foi localizado por empresas de caça ao tesouro. Uma delas, a Sea Search Armada, processou o Estado colombiano perante a Corte Permanente de Arbitragem, argumentando que foi ele quem deu a posição e as coordenadas do galeão, em 1982.
"Política, caçadores de tesouros e poderosos"
Naquele ano, a Colômbia concedeu à Sea Search Armada os direitos sobre seu conteúdo, pelos quais a empresa agora reivindica 10 bilhões de dólares, o equivalente à metade do tesouro do San José. A empresa argumenta que nunca conseguiu prosseguir com a extração do tesouro por obstáculos impostos por governos colombianos posteriores.
Em 2015, o governo de Juan Manuel Santos anunciou a localização dos destroços graças a uma empresa contratada. "A questão sempre se moveu entre a política, os caçadores de tesouros e os interesses de pessoas poderosas dentro e fora do país", disse à DW Juan Guillermo Martín, arqueólogo colombiano e professor da Universidad del Norte.
Gustavo Petro instou seu governo a recuperar o tesouro de San José antes do fim de seu mandato em 2026, uma urgência que alarmou a comunidade científica. "No primeiro momento, Petro deu a ordem à Marinha Nacional para remover o conteúdo do galeão San José, ignorando as implicações técnicas de tal extração a uma profundidade de 600 metros. E ignorando um aspecto muito mais importante, que é o aspecto legal", enfatiza Juan Guillermo Martín, que considera ruim a gestão que o atual governo colombiano faz do San José, depois de investir cerca de 4 milhões de dólares.
De acordo com o especialista colombiano, o que foi feito até agora pode ser resumido a uma classificação, por meio de vídeo, de pouco mais de mil artefatos. Ele critica que o vídeo mostra pessoas inexperientes avaliando "o que acontece com eles [artefatos] ao ar livre". Além disso, agora foi dito que o navio não afundou por causa de uma explosão, mas por causa de um reparo mal feito.
Implicações legais
"A diplomacia cultural necessária para lidar com um contexto arqueológico como esse deveria ter sido feita antes de qualquer outra coisa, acima de tudo garantindo a segurança jurídica do galeão San José e de seu conteúdo", diz Martín.
A extração de qualquer objeto do naufrágio teria implicações legais importantes. Não só o processo da Sea Search Armada está em andamento, mas também o dos povos indígenas, como os Qhara Qhara, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que reivindicam o conteúdo do naufrágio para si, argumentando que ele foi saqueado pela colônia. Por outro lado, há a Espanha, proprietária de um navio de Estado, protegida pelo princípio da imunidade soberana, e que também se encontra em um contexto funerário, já que quase 600 tripulantes e passageiros morreram no acidente naval.
"Antes de realizar qualquer atividade, a primeira coisa que precisa ser resolvida é a questão jurídica, pois há insegurança jurídica em várias frentes. Desde a Rede Universitária de Patrimônio Cultural Submerso, temos insistido que é necessário um projeto que envolva todas as partes e que sejam assinados acordos legais", afirma Martín.
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"Patrimônio coletivo"
Os debates atuais sobre patrimônio submerso vão além da propriedade exclusiva. A Convenção da Unesco de 2001 tomou uma posição sobre a questão, argumentando que os destroços pertencem ao país cuja bandeira o navio está hasteando. Graças ao princípio da imunidade soberana, a Espanha obteve uma importante vitória legal na batalha pela propriedade de um tesouro de 500 milhões de dólares resgatado das águas do Atlântico pela empresa Odyssey na fragata "Nuestra Señora de las Mercedes".
"O princípio de propriedade da Convenção da Unesco é muito parecido com o direito romano: isso é meu", disse Carlos Ausejo, especialista em patrimônio marítimo e subaquático, à DW do Peru. "Do meu ponto de vista, o Estado espanhol no século 17 inclui muitos países das Américas hoje. Consequentemente, esse patrimônio também é nosso, porque fazíamos parte de um Estado espanhol", sustenta Ausejo.
As moedas feitas com ouro de uma região boliviana podem ter sido cunhadas em vários lugares diferentes do vice-reinado. "É um patrimônio compartilhado, e a Unesco também diz isso", diz Ausejo. "Há uma produção, uma construção humana desses materiais. E aí estou indo contra os Qhara Quhara, que dizem que o ouro é deles."
Para Ausejo, a perspectiva que deveria prevalecer é de que o valor dos tesouros submersos não é econômico, mas cultural. "Aceito que o navio seja espanhol, mas o conteúdo é uma mistura do patrimônio de todos aqueles que estiveram envolvidos de uma forma ou de outra na construção desses objetos, e não apenas as moedas. Todo o conhecimento que podemos aprender sobre como os navios eram construídos, como era a vida no navio. Esse patrimônio é coletivo."
O mês de dezembro em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Anas Alkharboutli/dpa/picture alliance
Queda de avião em Gramado mata empresário e 9 familiares
Um avião de pequeno porte caiu no município de Gramado, no Rio Grande do Sul. A aeronave atingiu uma loja de móveis, uma pousada e residências perto do centro da cidade. Os dez ocupantes da aeronave morreram. Todos eram da mesma família. Outras 17 pessoas que estavam no solo foram encaminhadas a um hospital, duas delas em estado grave. (22/12)
Foto: Defesa Civil do Rio Grande do Sul/Divulgação
Magdeburg tem dia de homenagens e protestos após ataque
Centenas de pessoas homenagearam as vítimas de um atentado que deixou 5 mortos e 200 feridos em Magdeburg. O suspeito do crime é um médico saudita de 50 anos, que se dizia ex-muçulmano, alegava ser perseguido por radicais religiosos e simpatizava com a ultradireitista AfD. Em resposta, manifestantes ocuparam as ruas da cidade com slogans anti-imigração. (21/12)
Foto: Michael Probst/AP/picture alliance
Motorista invade mercado de Natal na Alemanha e atropela dezenas
Um motorista avançou em alta velocidade contra um mercado de Natal na cidade alemã de Magdeburgo, no estado da Saxônia-Anhalt, leste da Alemanha, atropelando dezenas de pessoas e deixando mortos e feridos. O suspeito, um médico psiquiatra saudita de 50 anos, foi preso. Aparentemente, ele tinha perfil crítico ao islã. (20/12)
Foto: Heiko Rebsch/dpa/picture alliance
Ex-marido de Gisèle Pelicot é condenado a 20 anos de prisão
Dominique Pelicot, que passou uma década dopando sua então esposa, Gisèle, e convidando outros homens a estuprá-la, foi condenado a 20 anos pela Justiça francesa. Ele foi considerado culpado por estupro com agravantes e por gravar e distribuir imagens dos atos. Gisèle tornou-se um ícone feminista global ao decidir tornar público o julgamento e assistir às sessões com o rosto descoberto. (19/12)
Foto: Laurent Coust/ABACA/picture alliance
Macron e Zelenski discutem envio de tropas europeias à Ucrânia
Presidentes da Franca, Emmanuel Macron, e da Ucrânia, Volodimir Zelenski, voltaram a discutir possibilidade de a Europa enviar tropas para a Ucrânia no intuito de ajudar a alcançar uma paz estável. "Garantias confiáveis são essenciais para que a paz possa realmente ser alcançada”, disse Zelenski, que também se reuniu com chefe da Otan, Mark Rutte, em Bruxelas. (18/12)
Foto: Nicolas Tucat, Pool Photo via AP/picture alliance
General russo morre em explosão em Moscou
O general Igor Kirillov, chefe da defesa radiológica, química e biológica da Rússia, foi morto num ataque a bomba em Moscou. A bomba foi acionada quando Kirillov, de 54 anos, estava saindo de uma casa com seu assessor, que também foi morto no atentado. Investigadores citados pelo jornal Kommersant apontaram os serviços secretos ucranianos como os possíveis autores do ataque. (17/12)
Foto: ASSOCIATED PRESS/picture alliance
Olaf Scholz perde moção de confiança
O chanceler alemão Olaf Scholz perde voto de confiança no Bundestag (parlamento alemão) depois de não conseguir obter a maioria no Legislativo após o colapso de seu governo de coalizão. O resultado abre caminho para a dissolução da atual legislatura e a convocação de eleições federais antecipadas, que devem ocorrer em 23 de fevereiro, marcand o fim da era Scholz. (16/12)
Foto: Lisi Niesner/REUTERS
Escolas reabrem na Síria após queda do regime de Assad
Dezenas de crianças e adolescentes voltaram às escolas em Damasco neste domingo, uma semana após a queda do ditador Bashar al-Assad. A rotina também está lentamente voltando ao normal em universidades e nos centros comerciais, depois de um período de comemorações e incertezas sobre o futuro da Síria. (15/12)
Foto: Ammar Awad/REUTERS
PF prende general Braga Netto no inquérito do golpe
Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes mandou prender preventinamente o ex-ministro da Defesa de Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, acusado de tentar obstruir as investigações. Ele é tomado pela Polícia Federal como um dos coordenadores do plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aplicar um golpe de Estado. (14/12)
Foto: SERGIO LIMA/AFP
Multidão toma as ruas de Damasco para celebrar queda de Assad
Milhares de pessoas se reuniram em cidades sírias para celebrar o fim do regime de Bashar al-Assad após as primeiras orações de sexta-feira desde que os rebeldes assumiram o poder. Em Damasco, uma multidão se reuniu na praça Umayyad, no centro da capital. O local é simbólico por ter também recebido os protestos massivos de 2011, que deram início à guerra civil no país. (13/12)
Foto: Ghaith Alsayed/AP/dpa/picture alliance
Trump é a Pessoa do Ano de 2024 da revista "Time"
Publicação cita "volta por cima de proporções históricas" ao justificar escolha e diz que republicano é beneficiário e agente da perda de confiança nos valores liberais. (12/12)
Foto: Heather Khalifa/AP Photo/picture alliance
Assembleia Geral da ONU pede cessar-fogo imediato, incondicional e permanente em Gaza
Por 158 votos favoráveis, órgão que reúne 193 países pediu o fim do conflito entre Israel e o Hamas no território palestino e a libertação imediata de todos os reféns sequestrados por islamistas. Mas diferentemente das votações no Conselho de Segurança, decisão não é juridicamente vinculativa. Conflito em Gaza já dura 14 meses, sem fim à vista. (11/12)
Foto: Mohammed M Skaik/Avalon/picture alliance
Rebeldes sírios anunciam novo governo de transição
Mohammad al-Bashir, que liderava o governo no reduto rebelde de Idlib, vai assumir gestão interina do país até 1º de março, mudando a liderança do país após 24 anos de regime de Bashar al-Assad. Novo primeiro-ministro é ligado ao grupo radical islâmico HTS. (10/12)
Foto: Omar Haj Kadour/AFP/Getty Images
STF obriga PM de São Paulo a manter uso de câmeras corporais
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determinou a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares do estado de São Paulo. A determinação é uma derrota para o governador Tarcísio de Freitas, que desde a campanha eleitoral se posicionou contra o uso dos equipamentos e vinha tentando propor modelos alternativos. (09/12)
Foto: FotoRua/NurPhoto/IMAGO
Rebeldes derrubam regime na Síria, e Assad foge para a Rússia
Após uma ofensiva que durou menos de duas semanas, insurgentes sírios liderados pelo grupo islamista Organização para a Libertação do Levante (HTS) chegaram à capital da Síria, Damasco, e a declararam "livre" do regime do presidente Bashar al-Assad. Citando fontes do Kremlin, veículos russos afirmam que o ditador e sua família estão asilados em Moscou. (08/12)
Foto: Louai Beshara/AFP
Restaurada, Catedral de Notre-Dame é reaberta cinco anos após incêndio devastador
Bancada por doações, reconstrução de monumento arquitetônico parisiense custou cerca de 700 milhões de euros e demandou o trabalho de cerca de 2 mil especialistas. Construída entre os séculos 12 e 14, catedral quase foi destruída em incêndio de causas desconhecidas. Solenidade foi prestigiada por chefes de governo e de Estado do mundo inteiro. (07/12)
Foto: Stevens Tomas/ABACA/IMAGO
Mercosul e União Europeia anunciam acordo de livre comércio
Após 25 anos de negociações, blocos concluíram texto final do acordo que prevê a redução ou eliminação de tarifas e barreiras comerciais, facilitando a exportação de produtos de ambos os lados. A líder da UE, Ursula von der Leyen (centro), disse que o pacto é uma "vitória para Europa". Ratificação deve, porém, esbarrar em resistência de países como a França. (06/12)
Foto: EITAN ABRAMOVICH/AFP/Getty Images
Após tomar Aleppo, Rebeldes avançam pela Síria e anunciam conquista de Hama
Islamistas apoiados pela Turquia fizeram seu mais rápido avanço em 13 anos de guerra civil no país. A captura de Hama vem após o enfraquecimento do Hezbollah, tradicional aliado do ditador sírio Bashar al-Assad, ao lado de Rússia e Irã. (05/12)
Governo da França é derrubado após moção de censura
Deputados de esquerda e da ultradireita se uniram para derrubar o governo do premiê francês, Michel Barnier, que assumiu o cargo há menos de 100 dias. Barnier enfrentava duas moções de censura, após usar um controverso mecanismo para forçar a aprovação do Orçamento. A primeira moção acabou sendo aprovada com 331 votos, selando o fim do governo do aliado do presidente Emmanuel Macron. (04/12)
Foto: Sarah Meyssonnier/REUTERS
Presidente sul-coreano impõe e depois desiste de lei marcial
O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, surpreendeu o país e o mundo ao decretar lei marcial em pronunciamento transmitido pela TV. Ele justificou a militarização do país como forma de conter uma "ameaça comunista". Horas depois, após protestos e uma votação unânime do Parlamento para derrubar medida, ele recuou e suspendeu lei. (03/12)
Foto: JUNG YEON-JE/AFP/Getty Images
Trabalhadores da Volkswagen entram em greve em toda a Alemanha
Milhares de trabalhadores da Volkswagen na Alemanha entraram em greve, depois que a empresa anunciou planos de fechar três fábricas e cortar aposentadorias. "Se necessário, esta será a disputa salarial mais dura que a Volkswagen já viu", disse Thorsten Gröger, que está liderando as negociações sindicais com a gigante automobilística alemã. (02/12)
Foto: Jens Schlueter/AFP via Getty Images
Regime sírio perde controle de Aleppo
O regime do ditador sírio Bashar al-Assad perdeu completamente o controle de Aleppo, a segunda cidade do país, informou uma ONG. Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), o grupo Hayat Tahrir al Sham, antigo ramo sírio da rede terrorista Al Qaeda, e outras facções rebeldes aliadas "controlam a cidade de Aleppo, com exceção dos bairros controlados pelas forças curdas". (01/12)