"A ditadura de Maduro tem que ser cercada diplomaticamente"
Ofelia Harms Arruti rc/as
21 de janeiro de 2019
Em entrevista à DW, presidente da Colômbia afirma que governo venezuelano vive seus últimos dias e "já não tem nenhum respaldo". Quanto ao cenário nacional, ele diz que o ELN não tem interesse em acordo de paz.
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O presidente da Colômbia, Iván Duque, afirmou em entrevista à DW em Bogotá que a crise na Venezuela deve ser resolvida por meio de pressão diplomática e considerou que o governo de Nicolás Maduro já vive seus últimos dias.
"A ditadura tem que ser cercada diplomaticamente. A ditadura já está vendo seu estertores, já está vendo seu fim porque há uma reação uníssona, importante, do Grupo de Lima", afirmou.
Na entrevista, gravada um dia antes do atentado à Escola de Cadetes da Polícia Nacional na Colômbia, o presidente colombiano declara que o Exército de Libertação Nacional (ELN) – grupo guerrilheiro que assumiu nesta segunda-feira a autoria do ataque – não tem real interesse em chegar a um acordo de paz.
"O ELN insiste em falar de paz, mas continua cometendo atos criminosos", destacou Duque. "Durante 17 meses de negociação, foram mais de 400 atos de terrorismo e mais de 115 pessoas assassinadas. Isso mostra que não há vontade de alcançar a paz."
"Se querem falar de paz, têm que começar pela libertação de todos os sequestrados e têm que pôr fim a todos os atos criminosos porque não vamos aceitar a violência como mecanismo de pressão ao Estado."
DW: Que posição o senhor tem hoje sobre o processo de paz? Durante a campanha, o senhor anunciou que haveria grandes mudanças nesse processo e, como presidente, adotou um tom mais moderado?
Iván Duque: Primeiro: adotamos a mesma linha na campanha e no governo. Temos que construir uma paz com legalidade. E isso implica que estamos apoiando as pessoas que estão genuinamente fazendo um processo de reincorporação para passar da ilegalidade para uma vida de convivência social, em conformidade com a lei. Porém, é claro que seremos drásticos e implacáveis com aqueles que quiserem seguir com atividades criminosas.
A reforma que senhor pleiteia não torpedeia as últimas esperanças de que se possa retomar uma negociação com o ELN?
Ao contrário, temos que aprender as lições do passado. O ELN insiste em falar de paz, mas continua cometendo atos criminosos. Nos meus primeiros 30 dias de governo, fiz uma análise do processo de negociação entre o ELN e o governo de meu antecessor. Durante 17 meses de negociação, foram mais de 400 atos de terrorismo e mais de 115 pessoas assassinadas. Isso mostra que não há vontade de alcançar a paz. O que eu disse ao ELN é: se querem falar de paz, têm que começar pela libertação de todos os sequestrados e têm que pôr fim a todos os atos criminosos, porque não vamos aceitar a violência como mecanismo de pressão sobre o Estado.
Calcula-se que cerca de 1.800 dissidentes e também líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), como Iván Márquez, se distanciaram do processo de paz por considerar que o Estado não cumpre as promessas que fez. Existe um perigo real de que a guerrilha volte a se armar?
Primeiro, o que Iván Márquez disse é uma falácia. Ele não pode se apoiar, para continuar com a violência, no argumento de que o governo não cumpre promessas. Ele é que não as cumpre, que não se apresentou para a Justiça Especial para a Paz, que não assumiu seu cargo no Congresso com medo de ser implicado pelo senhor Marlon Marín [sobrinho de Márquez] em atividades de narcotráfico.
Sobre a Venezuela. O seu governo e os outros governos do Grupo de Lima elevaram as pressões diplomáticas sobre o regime de Nicolás Maduro, mas isso não o impediu de tomar posse. O que mais pensam em fazer?
A ditadura tem que ser cercada diplomaticamente. A ditadura já está vendo seu estertores, já está vendo seu fim porque há uma reação uníssona, importante, do Grupo de Lima, que não apenas reconhece a Assembleia Nacional como único órgão democrático legitimo como também está dizendo à ditadura que vai pedir – e vamos pedir – que se acelerem as investigações no Tribunal Penal Internacional, que se imponham sanções não ao povo venezuelano, mas ao contorno da ditadura, ao ditador e seus sequazes.
E, adicionalmente, há um pronunciamento categórico por parte da OEA [Organização dos Estados Americanos]. Creio que essa reação da América Latina não se via há muito anos e só mostra que queremos continuar fortalecendo a democracia. Espero que a ditadura entenda que já não tem nenhum respaldo, que seu respaldo será cada vez menor e que Venezuela merece recuperar a democracia.
O Grupo de Lima exortou a Assembleia Nacional a assumir o Poder Executivo. O presidente da Assembleia, Juan Guaidó, se declarou presidente. O senhor o reconhece como presidente legítimo da Venezuela?
O que estamos esperando, todos os países do Grupo de Lima, é que esse ato [a possível investidura de Guaidó como presidente] possa ter um revestimento de formalidade, e a reação deve ser de todos, em uníssono. O interessante que está ocorrendo hoje, esse cerco à ditadura, essa defesa da Assembleia Nacional, essa defesa das vozes de cidadãos que são quase heróis permanentes, como Juan Guaidó, é que possam se transformar nessa alternativa para a transição à democracia. [...] A Venezuela merece hoje mais do que nunca ter essa voz tranquila para que a ditadura chegue ao fim e que as forças militares não reprimam a expressão popular".
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Cronologia do conflito e do processo de paz na Colômbia
Acordo com as Farc foi alcançado após décadas de luta armada e tensões sociais na Colômbia. País trabalha agora na implementação do pacto e na reintegração de ex-guerrilheiro à sociedade.
Foto: Imago/Agencia EFE
Longo caminho da violência à paz
As décadas de violentas tensões sociais, que chegam ao fim com o novo acordo de paz na Colômbia, têm origem na luta no campo, que opôs trabalhadores rurais e proprietários de terras desde os anos 1920. As hostilidades se intensificaram a partir da década de 1960.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
1940-1950: A Violência
Enfrentamentos sangrentos entre liberais e conservadores provocam milhares de mortes. O assassinato do liberal Jorge Elíecer Gaitán (foto), em 1948, gera protestos que ficaram conhecidos como "El Bogotazo", dando início ao período denominado "La Violencia". Membros do Partido Comunista são perseguidos, o Exército ocupa povoados e reprime os "lavradores comunistas".
Foto: Public Domain
1964: Farc e ELN
São fundadas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), contra a concentração de terras, e o Exército de Libertação Nacional (ELN), fruto da radicalização do movimento estudantil e apoiado por adeptos da Teologia da Libertação, que prega a opção pelos pobres. O padre Camilo Torres (foto), guerrilheiro, é morto em combate. O governo colombiano recebe ajuda dos Estados Unidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo
1970-1980: M-19 e negociações fracassadas
Surgem outros movimentos clandestinos como o M-19, que protagonizou a trágica ocupação do Palácio da Justiça em 1985 (foto), com mais de 350 reféns. A retomada do prédio pelas Forças Armadas deixa 98 mortos e 11 desaparecidos. O governo abre negociação pela primeira vez com as Farc e o ELN, mas o entendimento fracassa devido ao assassinato do ministro da Justiça.
Foto: Getty Images/AFP
Meados dos anos 80: Paramilitares
Surgem numerosos grupos paramilitares de ultradireita, a serviço de grandes proprietários de terras, contra os ataques rebeldes. Ao longo do tempo, vários desses grupos se envolvem com cartéis de droga. Quatro candidatos presidenciais e numerosos políticos de esquerda são assassinados por paramilitares entre 1986 e 1990.
Foto: Carlos Villalon/Liaison/Getty Images
1989: Desmobilização do M-19
O movimento M-19 entrega as armas em outubro de 1989, optando por disputar o poder como um partido político. Seu líder, Carlos Pizarro, candidata-se a presidente. Em 1990, ele é morto durante a campanha eleitoral.
Foto: picture alliance/Demotix/K. Hoffmann
1996: Esquadrões da morte
Grupos paramilitares se reúnem no movimento Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e formam "esquadrões da morte" com até 30 mil membros.
Foto: AP
1998-99: Presidente Pastrana tenta negociar
Eleito em 1998, o presidente Andrés Pastrana inicia negociação com as Farc. Conversa também com o ELN (foto) e a AUC. Um vasto território até então controlado pelas Farc, no sul do país, comemora o recuo do grupo. Um massacre interrompe as conversas com a AUC.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Ingrid Betancourt e Álvaro Uribe
Depois que as Farc sequestram um avião, o governo interrompe o diálogo. Em 23 de fevereiro é sequestrada a candidata à presidência Ingrid Betancourt (foto). Álvaro Uribe ganha as eleições em maio, intensifica o combate militar e repudia qualquer entendimento. Ele é reeleito em 2007 e Betancourt, libertada em 2008.
Foto: AFP/Getty Images
2003-06: Recuo dos paramilitares e anistia
Após longas negociações, aproximadamente 32 mil paramilitares da AUC se rendem (foto). Até 2014, cerca de 4.200 deles são julgados por violações dos direitos humanos. Muitos retomam as armas. Em junho de 2005 é aprovada a Lei de Justiça e Paz, uma ampla anistia para membros dos esquadrões da morte.
Foto: picture-alliance/dpa
2007-08: "Falsos positivos"
Políticos de direita, acusados de vínculo com os paramilitares, são detidos em 2007 pela primeira vez. Aliados de Uribe também são atingidos. Em setembro de 2008 é revelado o escândalo batizado de "falsos positivos": entre 2004 e 2008, mais de 3 mil pessoas foram mortas pelo Exército para adulterar a estatística de guerrilheiros eliminados. Centenas de militares foram julgados até agora.
Foto: Jesús Abad Colorado
2012: Iniciados diálogos de paz com Farc
Ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos é eleito presidente da Colômbia em junho de 2010. Dois anos depois, entra em vigor a Lei de Vítimas e Restituição de Terras, para compensar os deslocados pelos combates. Em novembro têm início oficialmente os diálogos de paz entre governo (foto) e as Farc.
Foto: Reuters
2014-15: Santos reeleito e prazo para a paz
Santos se reelege em 2014. O governo colombiano anuncia conversações con o ELN. Enquanto isso, entendimentos com as Farc são interrompidos e reabertos devido a ações militares de ambos os lados. Em 23 de setembro de 2015, em Havana, Santos e Rodrigo Londoño Echeverri (Timochenko), líder das Farc, concordam com a meta de assinar um termo de paz em até seis meses.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ernesto
2016: Diálogos de paz com ELN
Em 30 de março, Frank Pearl, representante do governo da Colômbia, e Antonio García, chefe da delegação do ELN (foto), anunciam em Caracas o início de um processo formal de diálogos de paz. Em relação às Farc, desacordos levam ao adiamento da assinatura do acordo de paz definitivo, cujo prazo expira em 23 de março.
Foto: Reuters/M. Bello
Junho de 2016 - Dia da paz
Acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc foi finalmente concluído. A decisão foi recebida com entusiasmo tanto pela população do país, como pela comunidade internacional. O cessar fogo definitivo foi assinado em Cuba em 23 de junho com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e outros presidentes e observadores.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/A. Ernesto
Agosto de 2016 - Acordo histórico
Em 24 de agosto, governo e Farc selaram o acordo final que encerra as negociações de paz realizadas em Havana nos últimos quatro anos. Ele foi assinado pelos chefes das equipes de negociação de ambas as partes, Humberto de la Calle, pelo governo, e Luciano Marín, conhecido como "Ivan Márquez", representando a guerrilha, assim como pelos embaixadores de Cuba e Noruega, fiadores no processo.
Foto: Reuters/E. de la Osa
Setembro de 2016 – Assinatura
Três dias após os líderes das Farc ratificarem por unanimidade o acordo de paz, o documento foi assinado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pelo número um do grupo armado Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko, em Cartagena, em 26 de setembro. Numa cerimônia que lembrou as vítimas da guerra, o líder guerrilheiro pediu perdão pelo sofrimento causado durante o conflito.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
Outubro de 2016 – Não
Em 2 de outubro, os colombianos foram às urnas decidir sobre o futuro do acordo de paz. Em resultado surpreendente, 50,22% dos eleitores rejeitaram o documento. Apenas 37% dos colombianos participaram do plebiscito, ou seja, cerca de 13 milhões dos 34 milhões de eleitores.
Foto: picture alliance/AP Photo/A. Cubillos
Outubro de 2016 - Nobel da Paz para Santos
Apenas cinco dias depois do referendo sobre o acordo as Farc, os apoiadores do processo de paz foram reconhecidos internacionalmente. O presidente colombiano Juan Manuel Santos foi homenageado com o Prêmio Nobel da Paz. A cerimônia de premiação foi realizada em dezembro de 2016 em Oslo.
Foto: Getty Images/AFP/T. Schwarz
Novembro de 2016 - Ratificação no Parlamento
Após uma série de alterações no texto original do acordo de paz, o Parlamento colombiano ratificou o pacto em 30 de novembro de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/G. Legaria
Junho de 2017 - Desarmamento
A entrega das armas pelos guerrilheiros das Farc ocorreu em três fases sob a supervisão da ONU. Em 27 de junho de 2017, Santos declarou: "Hoje é, para mim e para todos os colombianos, um dia especial, um dia em que trocamos as armas por palavras."
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pineros
Agosto de 2017 - As novas Farc
As Farc desarmadas selaram num congresso em 27 de agosto de 2017 o abandono da luta armada e sua reformulação como partido político. O ex-líder guerrilheiro Rodrigo Londoño (foto) foi eleito presidente do partido. Sua saúde fragilizada, no entanto, impediu que ele se candidatasse às eleições presidenciais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Vergara
Março de 2018 - Farc nas eleições
Pela primeira vez desde o fim da luta armada, representantes das Farc participam de eleições legislativas em 11 de março de 2018. Apesar de o partido das Farc só ter recebido 50 mil votos, ele obteve cinco assentos em cada uma das duas casas legislativas, como determinou o acordo de paz. O partido conservador do antigo presidente Álvaro Uribe foi o grande vencedor do pleito.