A encenação nazista e a primeira vítima da Segunda Guerra
Elzbieta Stasik
30 de agosto de 2019
A Segunda Guerra Mundial começou com uma mentira. Franciszek Honiok foi morto numa fictícia agressão polonesa encenada para justificar o ataque à Polônia. Ele caiu no esquecimento e seu assassino ficou impune.
Anúncio
"O 'Führer' precisa de um motivo para a guerra", disse Reinhard Heydrich, chefe do Escritório Central de Segurança do Reich, em agosto de 1939. O plano era simples: os alemães realizariam uma série de incursões fronteiriças e alegariam que foram perpetradas por poloneses.
A mais importante dessas encenações foi um ataque de "insurgentes poloneses" à emissora de rádio alemã de Gleiwitz (hoje a cidade polonesa de Gliwice), na Silésia. "Atenção, aqui é Gleiwitz, a emissora está em mãos polonesas". Os nazistas queriam que essas palavras corressem o mundo. Na verdade, um comando da SS, a tropa de elite nazista, liderado por Alfred Naujocks, estava por trás do suposto ataque.
"A mentira que se construiu ali foi impressionante", diz o historiador Florian Altenhöner, em entrevista à DW. Ele é o autor do livro Der Mann, der den 2. Weltkrieg begann:Alfred Naujocks: Fälscher, Mörder, Terrorist (O homem que iniciou a Segunda Guerra Mundial: Alfred Naujocks: falsificador, assassino, terrorista, em tradução livre). "Devemos nos perguntar por que esse regime não confiou em seu poder, mas quis dar a impressão de agir moralmente, de que a guerra ofensiva alemã precisava ser justificada como uma guerra defensiva. Essa é uma estranha noção de força."
A operação na emissora de rádio fracassou por razões técnicas. A mensagem propagandística dos supostos poloneses só foi captada em uma pequena área ao redor de Gleiwitz. O sinal nem chegou a Berlim. Mas, como planejado, na rádio ficou para trás o cadáver de um dos supostos "invasores poloneses". Os nazistas o chamaram cinicamente de "conserva". O termo desumano servia para designar os corpos que os nazistas colocavam nos locais de operações para dar credibilidade aos ataques supostamente de poloneses.
O morto era Franciszek Honiok, um cidadão alemão, vendedor de máquinas agrícolas, que tinha grande simpatia pela Polônia. É provável que estivesse na mira da Gestapo, a polícia secreta da Alemanha nazista. Ele havia sido detido um dia antes e sua morte serviu como prova da "culpa polonesa" no ataque.
O próprio Naujocks negaria a responsabilidade pela morte de Honiok. "Foi uma tarefa altamente política, realizada de acordo com as instruções", diria à revista Der Spiegel em 1963.
Farsa cumpriria seu objetivo
Poucas horas depois do incidente encenado em Gliwice, houve mais dois falsos ataques: a um alojamento florestal alemão em Pitschen (atual Byczyna) e a uma estação aduaneira em Hochlinden (hoje Stodoły, ambas na Polônia). Também em Hochlinden foram descobertos dois chamados "conservas" – desta vez, prisioneiros do campo de concentração Sachsenhausen.
"A Polônia atirou pela primeira vez hoje à noite em nosso território. Desde as 5h45, há agora disparos de revide!", anunciou Hitler em 1° de setembro de 1939. Ele errou por volta de uma hora, o que era um dado secundário. Os jornais, especialmente o Volkischer Beobachter, órgão oficial do partido nazista, NSDAP, comentaram os "ataques" poloneses com indignação. A montagem da farsa cumprira seu objetivo: a Alemanha supostamente não tinha outra escolha a não ser reagir.
Na carreira de Alfred Naujocks, Gliwice foi apenas uma das muitas "ações" a serviço do regime nazista. O mecânico especializado em ortopedia participou, entre outros, do sequestro de dois oficiais de inteligência britânicos na Holanda, da falsificação de notas bancárias britânicas e de "contraterrorismo" ao movimento de resistência na Dinamarca. Ele foi responsável por pelo menos três mortes, incluindo Honiok. Naujocks foi condenado apenas uma vez – em 1949 na Dinamarca, inicialmente por 15 anos de prisão. Em segunda instância, a pena foi reduzida a cinco anos. Mas já em junho de 1950 ele foi libertado.
Anúncio
"Aventuras" contadas por Naujocks
Naujocks voltou para sua cidade natal, Kiel, depois foi morar em Hamburgo. Ele se casou quatro vezes, levou uma vida razoavelmente de classe média e falava abertamente sobre suas "aventuras". "Naujocks foi um dos poucos criminosos nazistas que contava publicamente sua história", diz o historiador Altenhöner. "Foram publicados artigos sobre ele, histórias em capítulos, em revistas de variedades. Mas isso também tem a ver com o fato de que essas ações das quais ele falava poderiam ser contadas sob o pretexto de serem aventuras, histórias de espionagem. A indignação pública teria sido diferente se ele tivesse falado em assassinatos."
Em 1961, o diretor alemão Gerhard Klein fez o filme Der Fall Gleiwitz (O caso Gleiwitz), baseado principalmente nas declarações de Naujocks no tribunal de Nurembergue. O filme foi mostrado apenas em cineclubes alemães. Em uma escola de comércio em Hamburgo, fora programado até mesmo um evento "com participação especial de Naujocks".
As autoridades de ensino da cidade impediram o evento no último minuto. No entanto, o Ministério Público tomou conhecimento de Naujocks e abriu uma investigação preliminar contra ele. Já era a quinta tentativa na Alemanha de responsabilizá-lo judicialmente. Foi em vão, já que em 1966 Naujocks morreu de insuficiência cardíaca.
O processo foi assumido pelo Ministério Público em Düsseldorf, onde viveu o ex-motorista de Naujocks. Embora tenha sido arquivado por falta de provas, o processo pelo menos permitiu que pudesse ser determinada a identidade de Franciszek Honiok, assassinado em Gliwice. Depois de três décadas, a vítima, chamada de "conserva" pelos nazistas, receberia um nome.
Por ocasião do 80º aniversário da "provocação de Gleiwitz", neste 31 de agosto de 2019, a família Honiok foi convidada a Gliwice pela primeira vez, para lembrar Franciszek, a primeira vítima da Segunda Guerra Mundial.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.