Novamente o tema refugiados assombra a chanceler alemã. Ela tenta conter as demandas linha-dura de seus aliados conservadores, sem desagradar a outros parceiros e à UE. Uma disputa que pode fazer implodir seu governo.
Anúncio
A chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, enfrenta uma semana decisiva sobre o destino do seu governo. No momento, luta para conter uma disputa com seu próprio ministro do Interior, o bávaro Horst Seehofer. Em jogo está quem de fato comanda o país e se a coalizão que vem governando a Alemanha desde março vai desmoronar.
A disputa entre Seehofer e Merkel envolve essencialmente como a Alemanha deve lidar com imigrantes ilegais e solicitantes de refúgio que chegarem às suas fronteiras. Desde que assumiu o cargo, Seehofer vem defendendo uma posição mais linha dura sobre o problema, distante da abordagem de Merkel nos últimos anos.
Agora ele também ameaça ordenar que solicitantes de refúgio sejam barrados diretamente nas fronteiras da Alemanha já a partir de 1° de julho. Entre aqueles que podem ser barrados diretamente estão pessoas que já solicitaram proteção em outros países da União Europeia ou que já tiveram pedidos anteriores rejeitados.
Hoje a política prevê que, ao chegar à Alemanha, eles sejam inicialmente acolhidos. Somente após uma análise do caso é que eles podem eventualmente ser enviados de volta para outros países da União Europeia.
O problema para Merkel é que a presença de Seehofer no governo é essencial para a manutenção da atual coalizão que comanda o país. Ele é o chefe da União Social-Cristã (CSU), o braço bávaro da União Democrata-Cristã (CDU) de Merkel. Com 46 cadeiras no Parlamento, a CSU garante que Merkel tenha maioria para governar.
Sem Seehofer e a CSU, Merkel corre o risco de se ver isolada, contando apenas com o apoio da sua sigla e do Partido Social-Democrata (SPD), seu outro parceiro de coalizão. Uma cisão entre as duas siglas irmãs também seria um acontecimento histórico no cenário partidário da Alemanha desde o final dos anos 1940.
Para Merkel, qualquer decisão unilateral sobre fronteiras – como Seehofer defende – pode criar problemas com os vizinhos da Alemanha e minar a política de solidariedade entre os membros da União Europeia.
Merkel, por enquanto, conta com o apoio do seu partido na disputa. Nesta segunda-feira (25/06), a secretária-geral da CDU tentou amenizar a tensão e afirmou que relacionamento entre os democrata-cristãos e a CSU sempre teve "altos e baixos”, mas que sempre foi benéfica para a sigla da chanceler.
Nesta terça-feira, Merkel começa a se reunir com líderes dos partidos da sua coalizão para procurar uma solução para a crise. O vice-líder do SPD, Ralf Stegner, disse no último fim de semana que seu partido considera os planos de Seehofer inaceitáveis e que eventuais mudanças na política do governo são uma violação aos termos-base acordados na formação da coalizão governamental.
Merkel, portanto, está em um dilema: se optar por confrontar abertamente seu ministro do Interior, corre o risco de alienar a CSU; se der carta branca, corre o risco de perder o apoio do SPD e se indispor com outros países europeus, que desejam uma solução conjunta para o problema.
Segundo veículos da imprensa alemã, o SPD já está planejando o que fazer caso a coalizão desmorone. Por enquanto, a CSU e Seehofer não demonstram estarem dispostos a retroceder. O próprio Seehofer está sob pressão de membros do seu partido.
O atual governador da Baviera, Markus Söder, apoia uma posição linha-dura em relação às fronteiras e disse recentemente que uma solução europeia seria muito complicada. Na própria Baviera, a CSU vem sendo pressionada pelo crescimento nas pesquisas do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) entre os conservadores do estado. Hoje a sigla conta com o apoio de 13% dos eleitores locais.
JPS/ots/dpa
_______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram
A história da eleição alemã
Após Segunda Guerra, Alemanha já realizou 18 pleitos para eleger um Parlamento nacional e, subsequentemente, um ou uma chanceler federal. Veja quem ganhou.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
1949: Adenauer vence eleições pós-guerra
A primeira eleição após a Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a mais importante na história da República Federal da Alemanha e, certamente, a mais apertada. Konrad Adenauer, candidato da União Democrata Cristã (CDU), tornou-se o primeiro chanceler federal da então Alemanha Ocidental pela margem de um voto – o seu próprio. Seu governo se mostraria muito estável. E muito popular.
Foto: picture-alliance/dpa
1953: Konrad Adenauer é reeleito
Se a primeira eleição da antiga Alemanha Ocidental foi dramática, a segunda foi arrebatadora. Sob a liderança de Konrad Adenauer, a CDU levou 45,2% dos votos contra 28,8% do Partido Social-Democrata (SPD). Graças à coalizão com três outros partidos, Adenauer desfrutou uma maioria de dois terços no Parlamento.
Foto: picture-alliance/akg-images
1957: Adenauer ganha segunda reeleição
Na terceira eleição da Alemanha Ocidental pós-guerra, a CDU de Adenauer aliou-se ao partido conservador da Baviera, a União Social Cristã (CSU), para formar a CDU/CSU, aliança que muitas vezes é denominada de "União". Juntas, as duas legendas levaram mais de 50% dos votos. Adenauer tinha 81 anos quando iniciou seu terceiro mandato como chanceler federal.
Foto: AP
1961: Última vitória eleitoral de Adenauer
Aos 85 anos, Konrad Adenauer venceu sua última eleição, mas seu mandato não foi feliz. Seus críticos o acusaram de não responder adequadamente à construção do Muro de Berlim. Em 1963, ele renunciou a favor do seu vice e ministro da Economia, o político conservador Ludwig Erhard. Em 1961, o Parlamento alemão era composto somente por três bancadas: CDU/CSU, SPD e Partido Liberal Democrático (FDP).
Foto: picture alliance/Konrad Giehr
1965: Milagre econômico leva Erhard à vitória
Ludwig Erhard (dir.) conseguiu estender a série de vitórias eleitorais dos conservadores, embora isso viesse a acabar em breve. O ex-ministro da Economia ganhou pontos pela prosperidade da Alemanha Ocidental, mas não teve sucesso em política externa e renunciou no meio de seu mandato. Seu substituto, Kurt Georg Kiesinger, foi o único chanceler federal a nunca ter vencido eleição para o cargo.
Os anos 1960 foram um período em que as pessoas na Alemanha Ocidental, como em outras partes do mundo, passaram a questionar tradições e, no último ano da década, o prefeito da antiga Berlim Ocidental, Willy Brandt, se tornou o primeiro chanceler federal social-democrata. Na realidade, o SPD recebera menos votos que a União CDU/CSU, mas uma coalizão com os liberais do FDP lhe garantiu o poder.
Foto: picture-alliance/Wilhelm Bertram
1972: Brandt vence, mas não por muito tempo
As eleições alemãs seguintes foram adiantadas um ano depois que Brandt foi afastado através de uma moção de confiança. Essa medida foi negativa para os conservadores. Pela primeira vez no pós-guerra, o SPD obteve mais votos que CDU/CSU nas eleições gerais. Mas um companheiro próximo de Brandt revelou-se espião da Alemanha Oriental, e Willy Brandt renunciou a favor de Helmut Schmidt.
Foto: picture-alliance/dpa
1976: Helmut Schmidt solidifica o poder
Helmut Schmidt, sucessor de Brandt, conseguiu manter-se à frente da Chancelaria Federal em 1976, apesar de o SPD ter obtido 6 pontos percentuais a menos que a União CDU/CSU. Graças ao parceiro de coalizão, o Partido Liberal Democrático (FDP), a balança pendeu a favor do SPD. Essa foi a primeira eleição na Alemanha Ocidental em que jovens de 18 anos puderam votar. Antes, a idade mínima era 21.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Fischer
1980: Schmidt é reeleito, mas parceiro se vai
A reeleição de Schmidt foi relativamente fácil, em parte porque, pela primeira vez, o candidato dos conservadores vinha da União Social Cristã (CSU). Schmidt, no entanto, não conseguiu apoio popular para o seu governo. Em 1982, o parceiro de coalizão FDP deixou o governo, aliando-se à União CDU/CSU para substituir Helmut Schmidt por um chanceler federal conservador.
Foto: dpa
1983: Helmut Kohl dá início a longo reinado
Para ganhar legitimidade, o chanceler federal Helmut Kohl, da CDU, adiantou as eleições gerais para 1983. A jogada valeu a pena, pois os conservadores venceram os social-democratas por 48,8% contra 38,2% dos votos. Muitos esquerdistas consideravam Kohl uma figura grosseira demais para ficar muito tempo no poder. Mas estavam errados. Nesse pleito, os verdes entraram pela primeira vez no Parlamento.
Foto: imago/Sven Simon
1987: Kohl se reelege em onda conservadora
Os anos 1980 foram conservadores, com Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha. E o político da CDU aproveitou a onda para se reeleger. Para Kohl, foi uma alegria ter aparecido junto a Reagan em seu famoso discurso "Sr. Gorbachev, derrube este muro". Mas poucos imaginavam que ele iria cair em breve e que aquelas seriam as últimas eleições da Alemanha Ocidental.
Foto: AP
1990: Kohl vence sob signo da Reunificação
Kohl (dir.) brindou a reunificação da Alemanha com o primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière, em 3 de outubro de 1990, e dois meses depois, eleitores de todo o país foram convocados a votar em outra eleição antecipada. O clima era de euforia, e não havia quem vencesse o "chanceler da Reunificação". Kohl foi eleito para um terceiro período legislativo.
Foto: picture-alliance/dpa
1994: Triunfo final para Kohl
Em 1994, cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, os primeiros problemas sociais causados pela Reunificação se tornaram visíveis. Mesmo assim, a reeleição de Kohl foi relativamente confortável. Isso se deveu em parte a um fraco adversário social-democrata, que ficou conhecido, entre outros, por tropeçar na diferença entre líquido e bruto na TV alemã.
Foto: imago/teutopress
1998: Schröder inicia experiência de coalizão
Em 1998, os eleitores estavam cansados de Kohl, e o social-democrata Gerhard Schröder (esq.) soube se aproveitar disso. O SPD venceu a União CDU/CSU por 40,9% contra 35,1% dos votos e formou uma coalizão com o Partido Verde, liderado por Joschka Fischer (c.). Esta foi a primeira eleição em que o PDS (hoje A Esquerda), sucessor do antigo partido socialista alemão-oriental, entrou para o Parlamento.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Schröder vence reeleição após 11/9
Na eleição de 2002, SPD e a União CDU/CSU tiraram a mesma porcentagem de votos: 38,5%. Schröder conseguiu se reeleger por seu parceiro de coalizão, os Verdes, ser mais forte que o FDP. Uma das tarefas mais árduas de Schröder foi lidar com George W. Bush. Depois do 11 de setembro, o chanceler federal proclamou "solidariedade ilimitada" com os EUA, mas a Alemanha não apoiou a Guerra do Iraque.
Foto: Getty Images
2005: Início da era Merkel
Em 2005, Angela Merkel tornou-se a primeira mulher a governar a Alemanha, após Schröder, que em meio a críticas por seus programas de austeridade econômica, antecipou mais uma eleição. A política da antiga Alemanha Oriental ganhou por pouco. A vantagem dos conservadores sobre o SPD foi inferior a 1% e, em seu primeiro mandato, Merkel passou a chefiar uma "grande coalizão" com o principal rival.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
2009: Merkel realiza "coalizão dos sonhos"
O resultado do segundo pleito parlamentar de Merkel foi muito mais claro que o primeiro. Enquanto o apoio ao SPD despencava, os liberais do FDP, liderados por Guido Westerwelle, ganhavam votos. Como resultado, os conservadores foram capazes de formar uma coalizão com seus parceiros prediletos. Para a centrista Merkel, essa coalizão parecia ter saído de um sonho.
Foto: Getty Images/A. Rentz
2013: Merkel comemora terceiro mandato
Em 2013, Merkel estava consolidada como a política mais popular da Alemanha, e os conservadores terminaram à frente do SPD nas eleições. Mas como os liberais não conseguiram alcançar o limite de 5% dos votos para entrar no Parlamento, a chanceler federal reeleita teve que formar outra grande coalizão. Isso não impediu "Angie", como é conhecida carinhosamente hoje em dia, de saborear uma cerveja.
Foto: Reuters
2017: Ascensão dos populistas de direita
CDU/CSU e SPD foram os partidos mais votados, mas tiveram seu pior resultado desde o pós-guerra. Enquanto os liberais voltaram a ser representados no Bundestag, a grande vitória foi da legenda populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – pela primeira vez desde a 2ª Guerra, um partido nacionalista está representado no Parlamento alemão.