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A era Merkel está chegando ao fim

Christoph Hasselbach | Michaela Küfner | Maximiliane Koschyk | Kay-Alexander Scholz
2 de janeiro de 2020

A chanceler que atravessou sucessivas crises, sem que o país perdesse a estabilidade, vive seu ocaso. Contrariando várias previsões, ela continua no poder, como bastião em meio à desconfiança nas democracias ocidentais.

Angela Merkel | Geste
Foto: picture-alliance/dpa/J. Woitas

Uma renúncia prematura de Merkel já foi muitas vezes prevista, especialmente quando a coalizão com os social-democratas cambaleava. Mas, após mais de 14 anos, Angela Merkel ainda é chanceler. E ela quer continuar até o final do mandato. Para isso, tem apoio: apesar de todas as críticas a seu governo, uma grande maioria quer que Merkel permaneça no poder até 2021.

"Vocês me conhecem" é uma das frases que Merkel usou para se promover na campanha eleitoral de 2013. Significa: podem confiar em mim. A frase também mostra a força da própria Merkel no centro do debate político – e até que medida, nas eleições passadas, as campanhas foram feitas à medida da sua pessoa.

Mudanças drásticas

A Alemanha e o mundo há muito deixaram de ser o que eram em 2005, quando Merkel se tornou chanceler pela primeira vez. Na Alemanha, a política há décadas não era tão polarizada: em todos os estados, a populista de direita AfD está presente nos legislativos locais – no Leste, muitas vezes como a segunda força política; no Parlamento alemão, é a maior bancada de oposição. Os grandes partidos alemães, como a CDU de Merkel e o SPD, perderam enorme apoio.

A situação também se tornou muito mais frágil a nível internacional. "Os dias em que podíamos confiar completamente nos outros são coisa do passado", disse Merkel em 2017, quando o novo presidente dos EUA, Donald Trump, questionou o sentido da Otan. Um ano antes, uma estreita maioria dos britânicos tinha votado a favor da retirada do Reino Unido da UE.

Para Ralph Bollmann, biógrafo de Merkel,  a chanceler enxerga "uma crise muito grave nas democracias ocidentais". Segundo ele, o objetivo de Merkel nos últimos meses no cargo é "não deixar a Alemanha e, na medida do possível, a Europa e o mundo em caos".

Merkel nunca foi uma grande visionária. A diferença dela para o presidente francês, Emmanuel Macron, por exemplo, é marcante. Depois de uma série de propostas de reformas da UE, que meio que acabaram parando em Merkel, ele recentemente gerou debate com o seu comentário sobre uma "morte cerebral" da Otan.

A portas fechadas, muitos no próprio partido de Merkel desejam que ela se deixe contagiar pelo menos um pouco pelo desejo de liderança de Macron e, em vez de simplesmente "trabalhar" durante crises, estabeleça mais sua marca – mais alemã, no caso.

Entre o ódio e a esperança

Angela Merkel conseguiu mudar algumas coisas, começando com o fato de ela ter feito carreira num partido outrora patriarcal. Ela ainda rejeita o termo "feminista" para si mesma até hoje. "Não quero me adornar com falsos louros", explicou ela em uma entrevista ao semanário Zeit. No Parlamento alemão, a proporção de mulheres nos 14 anos de seu governo até caiu significativamente, de 42% para 31%.

Quando Angela Merkel diz frases como "As cotas eram importantes, mas o objetivo deve ser a paridade!", ela esconde o fato de ter bloqueado as reivindicações do seu próprio partido por uma cota femininas no Parlamento.

Merkel em diferentes momentos: 14 anos no poderFoto: picture-alliance/AP Photo/M. Schreiber

Por outro lado, ela promoveu outras mulheres na CDU: a sua sucessora designada, Annegret Kramp-Karrenbauer, a atual Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a ministra da Agricultura, Julia Klöckner, são exemplos.

"Vocês me conhecem" também sugere constância. Na verdade, Merkel decide de forma flexível, sobretudo "pragmática, a partir da constelação política", como diz o seu biógrafo. Como física, ela acreditava na energia nuclear - e após o grave acidente em Fukushima, no Japão, decidiu abandonar as centrais atômicas. Ela permitiu uma abertura do casamento para casais homossexuais. E, sob o seu governo, o serviço militar obrigatório foi suspenso.

Mas nada foi e continua a ser tão controverso como a decisão de Merkel, em 2015, de abrir as fronteiras da Alemanha para centenas de milhares de refugiados. Os populistas de direita tentaram capitalizar a todo custo a crise migratória. Quando houve atos de violência por parte de refugiados, por exemplo, a AfD disse que eram "mortos de Merkel". Para alguns, ela se tornou uma figura odiada, para outros, ela era a salvadora do mundo ocidental. A revista Time a nomeou a Pessoa do Ano de 2015, enquanto manifestantes de extrema direita em seu próprio país pediam sua renúncia.

Desconfiança com sistema político 

Apesar de toda a polarização, Merkel ainda é um dos políticos mais populares da Alemanha, muitas vezes solitária no topo. Kramp-Karrenbauer, sua potencial sucessora, pelo contrário, está muito atrás nas sondagens. Mas Merkel conhece bem as controvérsias da sua política. Antes das recentes eleições para o Bundestag, ela deixou claro que havia ponderado bastante se realmente deveria se se candidatar a chanceler. Merkel, hoje, está se tornando figura rara nas campanhas eleitorais e se envolve cada vez menos na política do dia a dia. Hoje, ela atende, sobretudo, a compromissos no exterior.

Protesto de movimento de extrema direita pede a saída de MerkelFoto: picture-alliance/AP Photo/J. Meyer

O eurodeputado verde Jürgen Trittin acredita que Merkel tem um foco cada vez mais europeu: "Ela está concentrando tudo na presidência alemã do Conselho da UE" no segundo semestre de 2020, afirma.

Especialistas em política externa das suas próprias fileiras, como Roderich Kiesewetter, criticam o que seria a falta de uma linha clara: "Ela não tem uma estratégia que mostre de forma transparente os interesses, os pontos fortes, mas também os pontos fracos da Alemanha”, afirma. "E a Alemanha deve mostrar”, diz Kiesewetter, "como estabilizar os seus próprios parceiros no Sul, na Ucrânia, mas também no Oriente Médio".

No entanto, números de uma pesquisa deste ano do instituto Allensbach mostram que a confiança na política também está diminuindo em casa. Apenas 57% dos entrevistados ainda consideram a estabilidade como um dos pontos fortes da Alemanha, em comparação com 81% em 2015. E o sistema político existente é visto como uma força da República Federal em apenas 51% - em comparação com 62% de quatro anos atrás.

Qual vai ser o legado de Merkel? Bollmann acredita que a chanceler gostaria de se ver "como a mulher que conduziu a Alemanha através de muitas crises - crise financeira, crise do euro, crise da Ucrânia, crise dos refugiados - relativamente segura e tem preservado a estabilidade do sistema até certo ponto, além de tornar o país e o partido mais liberais, mais abertos, mas ao preço de ter agora um partido populista de direita no Bundestag, que encarna a oposição a esta mudança de valores.

Angela Merkel não tem muito tempo mais, e com a sua lenta retirada da política, ela está deixando claro que não quer mudar muita coisa, pelo menos não muito em termos de política interna. Em vez disso, está cada vez mais deixando o campo para Kramp-Karrenbauer.

Se Kramp-Karrenbauer será realmente sua sucessora parece mais questionável do que nunca, até mesmo alas da CDU estão se voltando abertamente contra ela. Mas quem quer que um dia siga os passos de Merkel até o gabinete de chanceler, seguirá grandes passos.

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