1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

A escolha de Temer e o poder político do STF

24 de janeiro de 2017

Presidente se livrou do peso de indicar ministro que seria relator da Lava Jato, mas ativismo político do Supremo Tribunal Federal volta a gerar questionamentos sobre critérios para formação da corte.

Brasilien Oberstes Bundesgericht - STF
Julgamento no Supremo Tribunal Federal, corte composta por 11 ministros, todos indicados pelo presidente da RepúblicaFoto: Nelson Jr./SCO/STF

O presidente Michel Temer (PMDB) conseguiu se livrar do peso político da indicação de um nome para o Supremo Tribunal Federal (STF) ao decidir esperar que a própria corte escolha qual dos atuais ministros vai relatar as ações da Operação Lava Jato e analisar as delações premiadas de 77 executivos da Odebrecht. Temer tirou a polêmica do colo do Executivo e do Legislativo, já que ambos os poderes vivem sob tensão com os desdobramentos da operação que investiga esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro e pagamento de propinas do setor privado, em especial empreiteiras, a agentes públicos e políticos.

Porém, a indicação de um nome para o Supremo pelas mãos do presidente da República desperta inquietação nas últimas décadas, em especial pelo ativismo político que a corte tem assumido. É democrático que uma escolha tão importante para a votação de temas que afetam interesses diretos da sociedade, como aborto, descriminalização das drogas, união de casais do mesmo sexo, recaia nas mãos apenas do presidente da República?

O Supremo tem 11 ministros. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seus dois mandatos, indicou oito deles. Dilma Rousseff, que também conseguiu a reeleição, mas sofreu o impeachment em agosto de 2016, indicou cinco membros. Teori Zavascki, que morreu na semana passada em acidente aéreo, foi indicado por Dilma. Na composição atual, somente três ministros não foram indicados por mandatários do PT: Celso de Mello, o decano, foi escolha de José Sarney (PMDB); Marco Aurélio teve o crivo de Fernando Collor de Mello; e Gilmar Mendes foi indicação de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

"A questão não é a indicação. É a indicação, a performance do ministro e a saída. Não dá para analisar a indicação sem analisar as condições pelas quais ele se mantém lá e sem determinar as condições de saída", pontua Joaquim Falcão, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e um dos maiores estudiosos do Supremo no Brasil.

Falcão frisa que o Congresso também tem responsabilidade pela escolha, já que cabe ao Senado sabatinar o indicado pelo presidente, podendo aprovar ou rejeitar o nome. Questionado se as sabatinas não são apenas protocolares, já que apenas no governo do marechal Floriano Peixoto (1891-1894) as indicações para o STF foram rejeitadas, Falcão discorda.

"A sabatina, nas últimas vezes, de uns cinco anos para cá, tem sido extremamente problematizada. Pode não ter dado um resultado, como nos Estados Unidos, em que o presidente teve que retirar um candidato, como o caso Robert Bork, que é o exemplo clássico [nomeado por Ronald Reagan, ele foi reprovado pelo Senado]. Mas a sabatina é cada vez mais mobilizatória.”

Sabatinas

De fato, o Senado tem dado grande importância às sabatinas. A do ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, durou mais de sete horas. Os parlamentares queriam saber detalhes sobre as visões mais progressistas de Barroso e arrancar dele a visão sobre o julgamento do mensalão, o esquema de corrupção que afetou o governo Lula. Ouviram do ministro, por exemplo, que cabe aos juízes assegurar os direitos de minorias e que "as pessoas têm o direito de colocar o seu afeto onde mora o seu desejo", deixando claro sua aprovação à união civil homossexual.

Barroso falou por 7 horas no SenadoFoto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

"O Senado faz perguntas cada vez mais incisivas. Pode não ter repercussão institucional, ainda, mas tem tido repercussão política e de opinião pública. E isso faz com que o presidente tenha que ser mais cauteloso com as indicações, porque sabe que o crivo do Senado, com a opinião pública, está crescendo. Isso é bom. A questão é como neste momento você aperfeiçoa isso", opina Falcão.

A Câmara discute novas regras para a indicação de ministros do Supremo desde 2001. Há uma comissão especial que analisa todas as emendas constitucionais da Casa sobre o assunto. O relatório já foi aprovado na comissão em 2015, mas nunca chegou ao plenário. Pelo texto aprovado, os ministros do Supremo devem ter mandatos de 12 anos (hoje é vitalício). Os indicados devem ter entre 45 e 65 anos (hoje a indicação pode ser entre os que têm 35 e 65 anos). O presidente da República pode escolher quatro dos membros, cabendo ao Congresso a responsabilidade de indicação de quatro outros e ao próprio STF a escolha dos outros três nomes.

O Senado também aprovou, em fevereiro do ano passado, na Comissão de Constituição e Justiça, uma nova regra. O presidente segue com a possibilidade de indicação dos ministros, mas tem de escolher um nome em lista tríplice enviada ao Executivo pelos tribunais e magistrados.

Corporativismo

A magistratura reivindica que possa participar do processo de escolha de ministros da corte. Para Falcão, esse é mais um exemplo indevido do corporativismo do Judiciário. "Isso são ambições corporativas, e que não oxigenam o Supremo. O Supremo não é representante de juízes. O Supremo é representante da sociedade. A representação dele não é eleitoral, mas deve estar em sintonia com o sentimento de justiça da sociedade. Temos visto que o Judiciário é incapaz de lidar com essas ambições corporativas no controle de seus próprios salários", afirma o especialista.

Exemplos como o da Argentina, em que o currículo do indicado fica sob o escrutínio da opinião pública por um mês, e dos Estados Unidos, em que o Senado de fato se empenha em investigar casos de impedimento do futuro ministro para julgamentos da corte, são formas de aperfeiçoar as regras atuais, diz Falcão. Outra questão crucial, enfatiza, é determinar mandatos aos ministros, o que despolitiza as indicações.

Fim do mandato vitalício

O atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que é cotado para a vaga de ministro do STF, já escreveu sobre o tema em 2001: "Para garantia da atualização do pluralismo e da representatividade, em regra, deverá haver uma renovação regular dos membros do Tribunal ou Corte, que devem ter mandatos certos e não muito longos, de maneira que nem a designação da maioria coincida com o início do mandato do chefe de governo nem que se perpetuem no cargo."

"A indicação não assegura a permanência da despolitização. Prefiro o conceito do Teori, que disse que tomava decisões de consequências políticas, mas não era político. E eu prefiro proibir que um ministro do Supremo não possa vir a ser político no futuro", diz Falcão. Muitos no Supremo, segundo o professor, usam a corte como trampolim.

O nome do ex-ministro Joaquim Barbosa é sempre cotado para disputar a presidência da República. Recentemente, a atual presidente do Supremo, Cármen Lúcia, começou a ser vista por alguns segmentos como outra possibilidade de candidatura futura.

Pular a seção Mais sobre este assunto