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A espera por reparação quatro anos após tragédia de Mariana

5 de novembro de 2019

De mais de 100 mil atingidos por rompimento de barragem, menos de 10% foram indenizados. Enquanto moradores manifestam problemas de saúde e aguardam reassentamento, Samarco recebe luz verde para voltar a operar.

Indígenas na terra indígena Caieras Velha 2
"Tiraram nossa liberdade", comenta o cacique Carai Iperu (dir.) sobre o receio de pescar no rio Piraquê-AçuFoto: DW/N. Pontes

A resposta para as feridas na pele só chegaram para Eliane Balke, pescadora de São Mateus, Espírito Santo, quase quatro anos depois dos primeiros sintomas. Um exame apontou a presença elevada de arsênio em seu organismo  –substância que, além de feridas, pode provocar danos a órgãos vitais, câncer e pode matar.

Balke, filha e neta de pescadores, está entre as 5 mil famílias somente do município de São Mateus atingidas pelos rejeitos que vazaram da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015. O rompimento da estrutura da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, destruiu povoados e contaminou o rio Doce, em Minas Gerais, até chegar ao mar, no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram na tragédia.

Balke fez parte do grupo de 300 voluntários que participaram de um estudo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP). Exames detectaram arsênio em 298 deles, 79 apresentaram taxas elevadas de níquel, e 14, de manganês, segundo documento entregue aos participantes pelos pesquisadores. As análises foram conduzidas pelos professores Ana Paulelli e Fernando Barbosa.

A provável fonte de contaminação está na lama, que comprometeu o manguezal de onde Balke tirava 25 dúzias de caranguejo por dia, além de mariscos e peixes.

"Continuei pescando até o fim de 2016, um ano depois de os rejeitos terem chegado aqui", conta Balke. "Para nós, das comunidades tradicionais, os impactos estão na água, na saúde, no trabalho, na mudança do modo de vida e no meio ambiente."

A 170 quilômetros dali, na Terra Indígena Caieiras Velha 2, em Aracruz (ES), as reclamações são parecidas. "Os peixes foram embora, e temos medo de comer quando conseguimos pescar", disse à DW Brasil o cacique Carai Iperu. "Tiraram nossa liberdade", comenta sobre o receio de pescar no rio Piraquê-Açu.

Iperu afirma que a Fundação Renova – constituída em março de 2016 e responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão – tentou omitir resultados de coletas de peixes feitas na área.

"Uma empresa veio aqui, fez a pesquisa, nós acompanhamos tudo. Tentaram esconder da gente. Mas os pesquisadores falaram que tinha muito chumbo e mercúrio no robalo e na tainha", diz o cacique.

Contaminação e estudo vazado

Questionada sobre a denúncia feita pelo cacique, a Fundação Renova respondeu que a pesca na área costeira da foz do rio Doce, até 20 metros de profundidade, está proibida entre Barra do Riacho (Aracruz) e Degredo/Ipiranguinha (Linhares). Porém, a Terra Indígena Caieiras Velha 2 não está dentro dessa zona e, portanto, a pesca está liberada na área.

O defensor público Rafael Portella acompanha o cenário no Espírito Santo desde a tragédia de Mariana. "Não se pode falar que o resultado seja positivo quatro anos depois", avalia. "Temos mais de 100 mil pessoas cadastradas na bacia do rio Doce como atingidas aguardando um resultado. Menos de 10% foram indenizadas, e uma fatia menor de pessoas está recebendo auxílio financeiro."

Imagem mostra área atingida pelo desastre em Mariana, em novembro de 2015Foto: PA / G. Basso

A lista de problemas de saúde dos atingidos cresce. "São numerosos casos de transtornos mentais, problemas dermatológicos, alegações de aumento da incidência de câncer, doenças transmitidas por mosquitos, problemas de estômago", relata Portella. "As mulheres são mais atingidas em vários aspectos."

Segundo a Agência Pública, um estudo de avaliação de risco à saúde humana encomendado pela Fundação Renova identificou concentrações de cádmio, níquel, zinco e cobre acima dos limites de segurança na poeira coletada em casas impactadas em Mariana e Barra Longa, Minas Gerais.

À DW Brasil, a Renova confirmou que contratou a análise, mas não reconheceu as conclusões do estudo. "É necessário discutir, junto ao Poder Público, os resultados encontrados e o aprofundamento dos mesmos para definição de eventuais ações nas áreas de saúde e do meio ambiente", informou por meio de nota.

"A situação está pior"

Passados quatro anos, a situação não está melhor do que à época da tragédia, avalia André Sperling, promotor do Ministério Público Estadual de Minas Gerais. "Só anda piorando", diz.

Como um dos exemplos dessa piora ele aponta a falta de contratação de assessorias técnicas para apoiar os atingidos. Um acordo entre autoridades e a Fundação Renova previa que quem foi impactado pelo desastre tem direito a uma espécie de consultoria independente para avaliar os danos e, portanto, ajudar a calcular a indenização a ser paga pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.

"A gente não vê uma perspectiva, porque as empresas insistem em negar os direitos. Elas dizem que as assessorias técnicas só atrapalham", afirma Sperling. Dos 21 territórios atingidos, apenas três contam com as assessorias técnicas até agora.

A Samarco, por outro lado, recebeu luz verde para voltar a funcionar. Com dez votos a favor e um contrário, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) concedeu, no fim de outubro, uma licença que permite que a mineradora volte a operar em Mariana no fim de 2020.

"É um absurdo conceder a licença a uma empresa que não cumpriu seus compromissos diante do desastre", opina Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O resultado da votação, segundo a pesquisadora, demonstra que "as instituições brasileiras se encontram vulneráveis às pressões e interesses das empresas mineradoras".

Luzia Queiróz, que teve a casa destruída pela lama em Paracatu, distrito de Mariana, não se conforma. "Até agora, a gente não tem nada", diz sobre a reconstrução do vilarejo destruído. Por enquanto, "só há movimentação de terra", afirma sobre o início das obras.

"Nas reuniões, a gente ouvia da Renova que dinheiro não era o problema, então, por que a demora? A empresa volta a funcionar, e a gente tem que esperar?", questiona Queiróz. 

O moradores do antigo Bento Rodrigues, distrito mais atingido em Mariana, devem se mudar para o reassentamento em julho de 2020. Já o novo Paracatu deve ficar pronto somente em julho de 2021.

Queiróz protesta: "Se a lama da Samarco destruiu tudo num único dia, 5 de novembro de 2015, todos os moradores atingidos têm que voltar para a casa nova também no mesmo dia", argumenta.

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