1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

A estranha discrição saudita na crise Irã-EUA

Kersten Knipp | Emad Hassan md
10 de janeiro de 2020

Riad observa com preocupação o conflito entre Teerã e Washington, temendo as consequências de um acirramento na tensão. Entretanto, o regime iraniano também não tem interesse em envolver a Arábia Saudita.

Líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, acena sobre um palco, frente a plateia de homens com o punho levantado
Líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei: "Os americanos levaram um tapa na cara"Foto: Reuters/Official Khamenei website

As consequências do ataque ao general iraniano Qassim Soleimani no Oriente Médio são de difícil previsão. Depois dos ataques a duas bases militares internacionais nas quais também se encontram soldados dos Estados Unidos, a liderança política do Irã se expressou com ambiguidade.

"Os americanos levaram um tapa na cara", disse o líder supremo iraniano Ali Khamenei, em discurso televisionado. Já o "assunto vingança" pela morte de Soleimani é "outra questão": "Ações militares desse tipo não bastam."

Por sua vez, o ministro do Exterior do Irã, Mohammed Javad Zarif, disse que o uso de mísseis foi uma "medida de autodefesa" proporcional, ressaltando que o Irã não procura uma "escalada ou guerra", mas que "se defenderá de qualquer agressão".

Segundo a mídia estatal iraniana, as Guardas Revolucionárias descreveram os ataques como retribuição pelo assassinato de Soleimani. Também ameaçaram atacar Israel e "governos aliados" de Washington.

Essa ameaça também é direcionada implicitamente aos aliados dos americanos na Península Arábica, particularmente às principais potências locais Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU).

O governo da Arábia Saudita está ciente da situação delicada. Washington não contatou Riad antes do ataque a Soleimani, afirmou uma importante autoridade saudita, segundo relatos da mídia. Ao mesmo tempo, o ministro do Exterior saudita, príncipe Faisal bin Farhan al-Saud, pediu calma após o aumento de tensão "extremamente perigoso" entre o Irã e os EUA. "Esperamos que todas as partes tomem todas as medidas necessárias para evitar novas escaladas e provocações", apelou.

Até mesmo o rei Salman bin Abdulaziz se manifestou, pedindo políticas urgentes que possam ajudar a "aliviar as tensões", relatou a agência de imprensa saudita SPA. Uma delegação liderada pelo vice-secretário de Defesa da Arábia Saudita chegou a Washington na segunda-feira para discutir medidas visando atenuar a escalada.

Cortejo fúnebre de Soleimani em Kerman, sua cidade natalFoto: Getty Images/AFP/A. Kenare

"É notável como o governo saudita tem se mostrado agora tão cauteloso e moderado", constata Stephan Roll, especialista para Oriente Médio e África do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) de Berlim. "Nos últimos meses, escutavam-se tons completamente outros de Riad, convocando ao confronto e descrevendo o Irã como um inimigo."

"Esse tom mudou nas últimas semanas e meses", diz Roll. No segundo semestre de 2019, a Arábia Saudita foi alvo de diversos supostos ataques iranianos. Um dos mais conhecidos ocorreu contra instalações de refinamento da estatal Saudi Aramco em setembro. Os Estados Unidos culparam o Irã pela agressão, mas Teerã rechaçou a acusação. Um navio-tanque saudita foi atingido por dois mísseis em outubro. O Ministério do Petróleo iraniano tornou público o incidente, mas não fez comentários sobre os possíveis responsáveis pelo ataque.

"Tenho a impressão de que a estratégia saudita mudou fundamentalmente após o bombardeio das instalações da Saudi Aramco", diz Roll. "Os sauditas agora perceberam claramente quão vulneráveis são e quanto têm a perder neste conflito – especialmente em termos econômicos."

Também para evitar uma escalada, a Arábia Saudita e o Irã também planejavam manter conversações mediadas pelo Iraque, há algumas semanas. O primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdul-Mahdi, disse que queria se encontrar com Soleimani exatamente no dia em que este foi morto. O general teria chegado a Bagdá com uma mensagem iraniana em resposta à Arábia Saudita. "Foram abertos canais que não existiam antes", afirma Roll. "E eles queriam continuar nessa direção."

Ataque às instalações da Saudi Aramco: Teerã negou autoriaFoto: picture-alliance/abaca/SalamPix

Hussein Ibesh, cientista político do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, em Washington, concorda. Ele observa que, embora Riad não lamente o assassinato de Soleimani, os sauditas não estão nada contentes com a atual crise. "Eles sabem que serão apanhados no fogo cruzado, em caso de guerra. É por isso que estão fazendo o possível para atenuar a crise."

Até agora, o Irã não se voltou explicitamente contra a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. No entanto, os houthis iemenitas, que combatem há cinco anos uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, exigiram uma resposta ao assassinato de Soleimani.

"Essa agressão contra o Eixo da Resistência [aliança forjada pelo Irã, que inclui grupos no Iêmen, Iraque, Síria e Líbano] não pode ficar sem resposta", disse Muhammad al-Bukheiti, membro do escritório político do movimento Ansar Allah, fundado pelos houthis.

Para Roll, é concebível os houthis estarem particularmente motivados a atacar a Arábia Saudita, "mas um ataque implica que o Irã posicione essas milícias contra os Estados do Golfo". Mas ele acha pouco provável que o governo de Teerã tenha interesse nisso, estando mais concentrado em demonstrar ao próprio povo a sua capacidade de ação. E "é questionável que população vá aceitar como medida retaliativa um ataque a um alvo na Arábia Saudita, ao invés de ataques a instalações americanas".

______________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube 
App | Instagram | Newsletter

Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.
Pular a seção Mais sobre este assunto