1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

A Europa realmente precisa do gasoduto russo Nord Stream 2?

Andreas Becker
9 de setembro de 2020

Após o envenenamento do opositor russo Alexey Navalny, a Europa enfrenta a difícil escolha de suspender ou manter o projeto submarino de fornecimento de gás russo. Mas o que significaria o cancelamento do Nord Stream 2?

O navio Audacia instala a tubulação submarina do gasoduto Nord Stream 2 no Mar Báltico, próximo da ilha alemã de Rügen
Instalação da tubulação submarina do gasoduto russo Nord Stream 2 no Mar Báltico, próximo da ilha alemã de RügenFoto: picture alliance/dpa/B. Wüsteneck

Apesar de a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, ter alegado por muito tempo o contrário, o gasoduto submarino Nord Stream 2 – que visa duplicar o envio direto de gás da Rússia para a Alemanha – nunca foi um projeto puramente econômico.

Evidentemente, os aspectos comerciais do projeto são constantemente citados: com a importação do gás russo, a Alemanha busca compensar o declínio da produção na Noruega, Holanda e em outros países europeus e também apoiar a transição energética do país do carvão e da energia nuclear para energias renováveis.

Mas o principal objetivo da Rússia sempre foi o acesso direto ao enorme mercado alemão de gás, sem a necessidade de uma dispendiosa passagem pela Ucrânia e Polônia.

Há mais de nove anos, o gás russo flui por meio do gasoduto subaquático Nord Stream 1, no Mar Báltico. O contestado gasoduto Nord Stream 2 está quase finalizado – sua construção foi suspensa a cerca de 100 quilômetros da costa alemã. Depois de concluído, os dois projetos somados dobrarão as exportações de gás da Rússia por meio dos gasodutos no Mar Báltico para cerca de 110 bilhões de metros cúbicos por ano.

No entanto, o professor de Economia da Energia da Universidade Duisburg-Essen, Christoph Weber, afirmou acreditar que o gás adicional não é realmente necessário. "O Nord Stream 2 não é essencial para a segurança do abastecimento na Alemanha e na Europa", disse Weber. "Há acesso ao gás natural de diferentes fontes, seja da Noruega, dos EUA ou do norte da África." 

"Desnecessário, prejudicial e ineficiente"

O diretor do Instituto de Economia da Energia (EWI) da Universidade de Colônia, Marc Oliver Bettzüge, também disse não enxergar nenhuma lacuna no fornecimento caso o gasoduto Nord Stream 2 não for concluído. Ao mesmo tempo, ele reconheceu que os preços do gás na Europa cairiam "visivelmente, embora não dramaticamente" com a conclusão do polêmico gasoduto.

Em entrevista ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine, o diretor do EWI da Universidade de Colônia disse que os preços podem cair "em cerca de 5%" e citou as conclusões de um estudo realizado por especialistas do próprio EWI e divulgado em abril.

Já o parecer do instituto de pesquisa econômica mais renomado da Alemanha, o Deutsches Institut für Wirtschaftsforschung (DIW) foi mais ríspido. A especialista em energia da DIW, Claudia Kemfert, disse em entrevista à DW que o Nord Stream 2 é "desnecessário em termos energéticos, prejudicial ao meio ambiente e economicamente ineficiente".

Até mesmo analistas russos de energia duvidam que o projeto submarino algum dia forneça lucro à Gazprom, a gigante russa do setor energético apoiada pelo Kremlin, segundo Kemfert.

Ao contrário do Nord Stream1, no qual as principais empresas de energia europeias – como a alemã E.on e a francesa Engie – fazem parte do consórcio que opera o gasoduto, o Nord Stream 2 é totalmente controlado pela Gazprom.

O contribuinte pagará a conta?

Mas isso não significa que encerrar o projeto Nord Stream 2 prejudicaria apenas a Gazprom. Cinco fornecedores europeus de energia arcam cada um com 10% dos custos totais de cerca de 10 bilhões de euros: Uniper (anteriormente um departamento da E.on) e Wintershall DEA (ambas na Alemanha), a Royal Dutch Shell (Holanda e Reino Unido), OMV (Áustria) e a Engie (França).

"A questão que surge então para as empresas é se elas receberão de volta os valores que já investiram", disse Weber. "Provavelmente eles tentariam buscar indenizações daqueles que forem politicamente responsáveis [pelo fim do gasoduto]". Invariavelmente, uma conta que seria quitada com dinheiro do contribuinte.

Aliado ao rombo financeiro há a questão política em trono de uma provável reação de Moscou. "A Rússia sublinhará que sempre foi um fornecedor confiável", disse o economista. "E isso vai colocar em questão a confiabilidade da Alemanha."

Então há o risco de a Rússia usar seus outros suprimentos energéticos como barganha para colocar pressão numa negociação futura? Timm Kehler, membro do conselho do grupo industrial Zukunft Gas, afirmou acreditar que é possível.

Em entrevista ao diário alemão empresarial Handelsblatt, Kehler apontou para o grande volume de gás natural fornecido pela Rússia, que representa cerca de 40% do consumo total da Europa. "Quantidades desta ordem não podem ser repostas rapidamente", disse. O gás russo é extremamente importante para a Alemanha, pois representa quase metade do consumo total de gás no país.

O ex-chanceler federal alemão Gerhard Schröder chefia o conselho administrativo do Nord Stream 2 e é amigo de PutinFoto: A. Druzhinin/TASS/dpa/picture-alliance

Uma questão de valores

O especialista em energia Weber afirmou que o impasse só pode ser resolvido no campo da política, com os mandatários tendo que decidir de que lado querem estar e com quem querem formar uma aliança.

"É tarefa da política tomar decisões nesta situação complicada. Quais alianças são importantes? Como cientista, é somente possível lançar luz sobre um aspecto", disse Weber à DW. E situações como esta, Weber gostaria de ver estruturações claras e uniformes para a precificação do CO2. Somente assim, segundo ele, os aspectos ambientais receberiam maior consideração no cálculo da lucratividade de tais projetos. "Isso faria ambos os lados pensar duas vezes sobre quanto sentido um projeto realmente faz."

Do ponto de vista pessoal, Weber disse entender a crescente demanda pública pelo encerramento do projeto Nord Stream 2, porque ele acredita que a Alemanha e a Europa, como comunidades "baseadas em valores comuns", precisam defender tais valores. "Em casos extremos, escolhas difíceis devem ser feitas", disse o especialista.

No entanto, o argumento de que os valores europeus deveriam ser levados mais em conta tradicionalmente recebe pouca ressonância na política. Foi assim, por exemplo, no caso do jornalista saudita Kamal Kashoggi, assassinado no consulado da Arábia Saudita em Istambul, em 2018.

Apesar das evidências de que o governo de Riad esteve envolvido no assassinato, a Alemanha interrompeu suas exportações de armas para a Arábia Saudita apenas por um breve período, e nunca sequer foi cogitado parar de comprar petróleo saudita como forma de punição.

Pular a seção Mais sobre este assunto
Pular a seção Manchete

Manchete

Pular a seção Outros temas em destaque