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A fábula do bem integrado

6 de agosto de 2018

Debate sobre integração é tema recorrente na Alemanha. Mas o que seria o integrado ideal? História de um senhor turco que não se encaixa em moldes desejados por alguns, mas fez de Berlim seu lar, pode ajudar a entender.

Deutschland Berliner Mauer
Foto: Getty Images/AFP/J. MacDougall

Desde que mudei para a Alemanha, o debate sobre integração de imigrantes e seus descendentes está presente na esfera pública. Às vezes mais, às vezes menos, mas sempre rendendo manchetes em jornais, debates na televisão e discursos políticos. Recentemente, o tema foi inflamado com a saída de Mesut Özil da seleção alemã.

Nascida e criada num país de imigrantes, achava esse debate, em muitos casos, vazio, pobre e incoerente, ainda mais numa cidade cosmopolita como Berlim.

O que se espera de uma boa integração? Que os indivíduos esqueçam sua língua materna, principalmente, no seu âmbito familiar? Deixem de lado a cultura e costumes que trazem da sua terra natal? Que ponha fim às diversidades que poderiam enriquecer convivências? Que ela seja uma via de mão única, na qual somente um lado tem que ceder e aceitar as imposições do outro? Que todos se tornem os alemães estereotipados de clichês propagados no boca a boca, em preconceitos e em impressões rasas e sem reflexão sobre uma sociedade?

Para mim, nenhuma destas opções faz muito sentido, e o melhor exemplo de um imigrante bem integrado é meu vizinho: um senhor turco com seus 70 e poucos anos, que veio para Alemanha para trabalhar lá pela década de 1970. No entanto, meu vizinho e sua família não se encaixam perfeitamente nos moldes de integração desejados por alguns.

Em Berlim, ele e a esposa tiveram duas filhas, hoje casadas e que já lhes deram netos. Suas filhas foram para escola, cresceram na cidade, mas o turco continua sendo até hoje a língua oficial de sua residência. A televisão a cabo para ver programas da Turquia também é fundamental. Uma das filhas resolveu tentar a vida na Turquia, a outra escolheu a Alemanha como lar.

A jornalista Clarissa Neher vive em Berlim desde 2008Foto: DW/G. Fischer

Todos os anos, ele e a esposa costumavam passar o verão na Turquia. "Vamos visitar nossa pátria", dizia num alemão carregado de sotaque. Essa pátria distante, porém, parece ser definida assim por remeter a lembranças da infância e juventude, por ser o local onde ainda restam alguns familiares. Apesar desta nostalgia, essa pátria não é mais onde ele deseja viver.

Nos últimos anos, ele acaba ficando por aqui, a viagem de carro é muito longa e cansativa, sua saúde não aguenta mais. Com a esposa longe, na pátria, a lanchonete da esquina se torna seu ponto de encontro com amigos – outros senhores de sua faixa etária.

Aposentado, quando não está na lanchonete meu vizinho passa os dias sentando em frente ao prédio, fumando o cigarro que lhe dá alegria. Conhece praticamente todos os moradores da rua e sabe tudo que acontece. É a melhor fonte de informação sobre acontecimentos locais.

"Vi a ambulância e polícia ontem na rua. Sabe o que aconteceu?", perguntei certa vez. "O idoso do prédio ali do lado passou mal. Ele mora sozinho desde que a esposa faleceu, mas já está bem", respondeu meu vizinho.

Ele também acompanha tudo que está acontecendo na cidade e na Alemanha. Está sempre por dentro dos assuntos do momento. "Cuidado quando andar no metrô, você viu o caso da menina que foi empurrada? Segure sempre no corrimão para descer as escadas", me disse.

Um dia estava indo para o trabalho num dos plantões noturnos. Ele me perguntou aonde eu ia naquele horário, respondi trabalhar. "Como você vai voltar para casa?", questionou. "Ora, de bicicleta, como sempre", retruquei. "Se cuide. A cidade anda muito perigosa. Antigamente aqui não era assim não. Era uma paz, mas agora tem muito estrangeiro morando aqui", disse naturalmente. Como se nós dois não fôssemos estrangeiros e repetindo os discursos construídos de medo que ganharam força com a crise dos refugiados.

Nesse dia, refletindo sobre a conversa, o conceito que tinha sobre uma "suposta integração bem-sucedida" só se fortaleceu: integração é fazer parte e se sentir parte de uma comunidade sem discursos nacionalistas, tradições inventadas e clichês preconceituosos. É aceitar, respeitar e conviver com as diferenças do próximo, além de estar aberto à troca de culturas que só enriquece uma sociedade.

Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às segundas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.

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