Na política brasileira, eles ainda estão sub-representados. Mas agora podem ser decisivos para a escolha do mais alto cargo do Estado. E podem tornar o Brasil ainda mais conservador.
Anúncio
O outrora "país mais católico do mundo" sempre teve presidentes católicos – com exceção do evangélico Ernesto Geisel. A eleição do dia 7 de outubro terá dois candidatos à Presidência com perfil evangélico: Marina Silva e Jair Bolsonaro. A primeira é evangélica convertida do catolicismo, e o segundo, católico, se deixou batizar em 2016 por um pastor evangélico no rio Jordão.
As igrejas evangélicas estão há décadas ganhando cada vez mais fiéis. No censo de 2010, 42 milhões de brasileiros (22%) se declararam "evangélicos", enquanto 123 milhões eram católicos (64%). Atualmente, a parcela de evangélicos é de cerca de 30%, segundo estimativas de especialistas.
Mas politicamente eles ainda estão sub-representados. Atualmente, dos 513 deputados da Câmara dos Deputados, apenas cerca de 90 pertencem à Frente Parlamentar Evangélica, fundada em 2003. No Senado, cinco dos 81 senadores são evangélicos, sendo que dois estão licenciados.
Nas próximas eleições, é esperado que a bancada evangélica cresça pelo menos 10% devido ao desempenho de Bolsonaro, na opinião do cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ): "A novidade é que os evangélicos começam a ser competitivos em eleições para o Poder Executivo".
Uma prova disso é a eleição em 2016, do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella para prefeito do Rio de Janeiro. Para isso, ele contou com o poder da Igreja Universal, fundada por seu tio Edir Macedo, junto com o império de TV Rede Record. Pastores teriam pedido votos para Crivella, segundo reportagens da mídia. Não se sabe com quanto dinheiro a Igreja Universal contribuiu para a dispendiosa campanha eleitoral.
Nem todos os candidatos evangélicos têm o apoio de Igrejas tão grandes, influentes e poderosas financeiramente. Mas eles ganham eleitores da nova classe média baixa, onde a Igreja Católica vem perdendo influência desde os anos 70.
"A população de baixa renda e de classe média baixa brasileira se afastou da chamada teologia da libertação, defendida pela Igreja Católica progressista, e aderiu ao que ficou conhecido como 'teologia da prosperidade', propagada pelas igrejas evangélicas neopentecostais", ressalta Ismael.
Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, a ascensão dos evangélicos é resultado do êxodo rural na segunda metade do século 20. A devota população rural encontrou nas cidades grandes uma sociedade católica secularizada e liberal e foi buscar refúgio nas Igrejas Pentecostais – moralmente mais severas, conservadoras e puristas –, com suas promessas de prosperidade.
"Para uma população massacrada por condições de vida extremamente difíceis, escandalizada pela perda dos valores tradicionais, solitária nas grandes cidades, essa mensagem era muito atraente", afirma Ribeiro Neto.
Ela conseguiu ascender economicamente nas últimas décadas para uma nova classe média – e vota tendencialmente na direita conservadora. A pesquisa Ibope de 18 de setembro, por exemplo, aponta que os eleitores evangélicos votam menos na esquerda (6%) do que os católicos (21%). "O discurso católico tem mirado mais a questão social, dos direitos dos mais pobres", sublinha o sociólogo. "Enquanto o discurso evangélico – particularmente entre os neopentecostais – está mais centrado na questão dos valores morais."
Diferentemente das classes mais pobres, que tendem a votar na esquerda, que são mais dependentes da ajuda estatal, a população da ascendente classe baixa média não depende mais de ajudas diretas do Estado.
"Já os neopentecostais são hegemônicos nessas novas classes médias, e se preocupam muito com os valores morais, o combate à insegurança urbana e o fim do Estado assistencialista – que não atende mais às suas necessidades", comenta o especialista.
A grande maioria dos políticos evangélicos também é contra uma agenda a favor das minorias, segundo Ismael. "A bancada evangélica tem se colocado contra uma agenda de esquerda, que quer mudanças na questão dos direitos das minorias, na possibilidade de novos formatos de famílias, nas discussões sobre gênero e no sistema educacional. É cedo para dizer que ela terá êxito em impedir tais avanços. Mas tem força para provocar muitos embates e negociações."
Será que o próximo presidente será evangélico? Jair Bolsonaro lidera as pesquisas de intenção de voto (27%, segundo a CNI/Ibope de quarta-feira), enquanto Marina Silva perde força (6%). Ela não restringe seu discurso a temas evangélicos, mas abraça tanto a política social quanto o ambientalismo, segundo Ismael.
"O candidato Jair Bolsonaro tem um discurso que reproduz os valores da pregação evangélica, se colocando contra a agenda da esquerda na área de costumes. Dai vem sua expressiva votação entre os evangélicos", analisa.
Enquanto Marina Silva, declaradamente evangélica, possui um perfil com características mais católicas, o católico Bolsonaro discursa como um evangélico, na avaliação de Ribeiro Neto.
"Curiosamente, Marina é a candidata católica por excelência, vivendo essa cisão entre as questões sociais – onde tem um perfil de esquerda – e as morais – onde se aproxima da direita", afirma.
Já Bolsonaro, de acordo com o especialista, é totalmente identificado com as aspirações da nova classe média. "Tanto para um evangélico quanto para um católico ultraconservador, Bolsonaro representa a alternativa populista de um líder capaz de usar a força para resolver os problemas que não estão sendo resolvidos pelo diálogo democrático", frisa o sociólogo.
----------------
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp
Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.