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A guerra de decisões sobre a prisão de Lula

9 de julho de 2018

Em vai e vem de despachos, desembargador e juízes da Lava Jato travam ao longo do domingo queda de braço em torno da situação do ex-presidente. Episódio expôs divisões do Judiciário.

Brasilien Ex-Präsident Luiz Inacio Lula Da Silva
Apesar de ordem de desembargador de plantão, Lula permaneceu preso.Foto: Getty Images/AFP/M. Schincariol

Preso há três meses na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha acumulando uma série de derrotas na Justiça. Após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter negado, no fim de junho, mais um pedido de habeas corpus, a expectativa é que o futuro do petista só volte a ser analisado a partir de agosto, quando os ministros do tribunal voltarem do recesso do Judiciário. 

No entanto, a situação jurídica do ex-presidente virou palco de uma batalha entre juízes da primeira e da segunda instâncias neste domingo (08/07), que expôs divisões no Judiciário. O conflito colocou em lados opostos um desembargador de plantão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e crítico da Lava Jato e outros magistrados da mesma corte, além do juiz Sérgio Moro.

No início da tarde, o desembargador Rogério Favreto, que foi filiado ao PT por 19 anos, surpreendeu o mundo político e jurídico ao aceitar monocraticamente um pedido de liminar apresentado por um grupo de deputados petistas que pedira a soltura do ex-presidente. Segundo a primeira decisão de Favreto, Lula deveria ser solto ainda neste domingo.

Foi o início de uma queda de braço entre o desembargador e outros juízes, como Moro. A questão parecia ter chegado ao fim cerca de duas horas depois, quando a liminar foi suspensa por ordem do relator do processo de Lula no TRF-4, o desembargador João Pedro Gebran Neto. Pelo entendimento de Gebran Neto, Favreto não tinha competência para tomar uma decisão solitária sobre o caso. 

No entanto, mesmo assim, Favreto continuou a reiterar sua decisão original, ignorando o despacho de Gebran Neto. Pouco depois das 16h, ele determinou que a PF soltasse Lula em até uma hora.

Isso colocou a PF diante de duas decisões conflitantes, tomadas por dois desembargadores da mesma hierarquia. Os agentes preferiram aguardar.

No final, o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, após ser acionado pelo Ministério Público Federal, acabou decidindo pouco antes das 20h que a palavra final sobre o caso não cabia ao desembargador de plantão, mas ao relator do caso. Com isso, Lula permaneceu preso. 

A primeira decisão

Os deputados que impetraram o habeas corpus – Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira – parecem ter calculado estrategicamente a data da apresentação do pedido. Favreto era o único desembargador de plantão no TRF-4 durante o fim de semana. Além disso, Moro, responsável pela condução da Lava Jato em Curitiba, onde o petista permanece preso, estava de férias. O pedido foi apresentado 30 minutos após o início do plantão do desembargador.   

Na justificativa da decisão, Favreto apontou que Lula deveria ser solto para garantir a isonomia das eleições e que o petista não poderia ser impedido de fazer campanha, já que ainda não teve os direitos políticos suspensos. Argumentou ainda que a prisão fere a liberdade de expressão do petista.

O desembargador considerou também como "fato novo" para embasar a soltura do ex-presidente a condição de pré-candidato à Presidência do petista, apesar de Lula ter anunciado sua intenção de concorrer já no ano passado e que tal fato não havia sido aceito pela 8ª turma do TRF-4, pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Junto com a decisão, ele emitiu um alvará de soltura. Os deputados autores do pedido já estavam em frente à sede da Polícia Federal em Curitiba para pressionar pela saída do ex-presidente quando o alvará foi divulgado pela imprensa. 

A guerra de despachos

Foi nesse momento que Moro, apesar de estar de férias, se manifestou para tentar derrubar a decisão. Em despacho, ele declarou que Favreto era "incompetente" para tomar qualquer decisão monocrática sobre o caso.

Moro, que trabalha em sintonia com a Polícia Federal desde o início da Lava Jato, pediu que os agentes não soltassem Lula até que o relator do processo de Lula no TRF-4, Gebran Neto, se manifestasse sobre a concessão da liminar. Segundo Moro, seu despacho direcionado à PF seguiu orientação do presidente do TRF-4, Thompson Flores, o que evidenciou uma articulação de vários magistrados contra o desembargador de plantão para manter Lula preso.

Favreto, no entanto, voltou a reiterar sua ordem de soltura à PF em Curitiba. "O cumprimento do alvará de soltura não requer maiores dificuldades e deve ser efetivado por qualquer agente federal que estiver na atividade plantonista, não havendo necessidade de presença de delegado local", disse em despacho.

A intervenção de Moro provocou críticas de apoiadores de Lula, que acusaram o juiz de promover desobediência a uma ordem de desembargador de instância superior e de tomar decisões quando deveria estar de férias.  

A intervenção de Moro surtiu efeito sobre a PF, que não soltou o petista mesmo após a primeira decisão de Favreto. Um dos deputados que pediu o habeas corpus acusou a PF de não cumprir uma ordem judicial. 

Pouco depois, o relator do caso, Gebran Neto, finalmente se manifestou. Ele suspendeu a liminar de Favreto e determinou que o pedido de habeas corpus fosse encaminhado para seu gabinete. Ele apontou que Favreto foi induzido a erro pelos impetrantes.

Gebran Neto entendeu ainda que o Favreto havia extrapolado seu poder e que um eventual pedido de HC não deveria ter sido aceito e analisado por um juiz de plantão, mas pela própria 8ª turma ou por um tribunal superior.   

Parecia ter acabado o suspense sobre se Lula seria solto ou não. No entanto, Favreto decidiu ignorar Gebran e determinou pela terceira vez que o ex-presidente deveria ser solto – desta vez em uma hora. Ele também contestou a afirmação de que era incompetente para analisar o habeas corpus. Em entrevista à Rádio Guaíba, ele disse que o relator só teria competência para julgar a sua decisão após o fim do plantão, na segunda-feira.

A última decisão sobre o caso do petista foi tomada pelo presidente do TRF-4, Thompson Flores, que apoiou o desembargador Gebran Neto. Ele apontou ainda que a pré-candidatura de Lula não era um "fato novo" e que, portanto, deveria ser mantida a decisão da 8ª turma que determinara a prisão do petista, em abril. 

Efeitos

Ao longo do dia, o caso expôs a biografia do desembargador Favreto. Além de ter sido filiado ao PT, o magistrado trabalhou diretamente para o governo Lula (2003-2010) como assessor jurídico da Casa Civil e como chefe da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

Ele chegou ao TRF-4 em 2011, por indicação da ex-presidente Dilma Rousseff a partir de uma lista tríplice, assumindo uma das vagas do Quinto Constitucional, que prevê a nomeação de advogados para algumas vagas de determinados tribunais.

O episódio deste domingo também criou um fato político novo a três meses das eleições. Petistas já vêm citando a intervenção de Moro para reforçar o discurso de que o ex-presidente é vítima de uma perseguição por parte do Judiciário. Apoiadores de Lula foram até a sede da PF para protestar pela soltura do petista. Um advogado chegou a apresentar ao TRF-4 um pedido de prisão contra o juiz Moro.

Já adversários do presidente apontaram que o caso evidenciou um aparelhamento de tribunais por petistas durante os anos em que o partido esteve no poder e uma movimentação de setores do Judiciário para soltar o ex-presidente. Outros, mais à direita, utilizaram táticas radicais para criticar a decisão de Favreto. Apoiadores do pré-candidato Jair Bolsonaro divulgaram o número de celular do desembargador nas redes sociais. O general da reserva e pré-candidato ao governo do Distrito Federal Paulo Chagas chegou a publicar em sua conta no Twitter um pedido para que seus seguidores fossem intimidar Favreto na sede do TRF-4, em Porto Alegre.

Politicamente, o vai e vem que no final acabou não mudando a situação de Lula foi comparado por comentaristas da imprensa brasileira com a anulação da votação do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em maio de 2017. Decidida de maneira solitária pelo então presidente da Câmara, Waldir Maranhão (à época filiado ao PP, hoje no PSDB), ela permaneceu de pé por menos de 24 horas. No final, Maranhão recuou e revogou a anulação.

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