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A guerra de interpretações em torno do áudio de Temer

23 de maio de 2017

Peritos apontam manipulação na gravação feita pelo empresário da JBS e delator Joesley Batista, mas declarações posteriores do presidente confirmam trechos comprometedores. PF ainda analisa diálogo.

Michel Temer
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa

Assim que a Justiça retirou o sigilo do áudio envolvendo um diálogo entre o empresário Joesley Batista, da JBS, e o presidente Michel Temer, a imprensa brasileira foi tomada por uma guerra de interpretações envolvendo uma suposta manipulação do áudio. Apesar das dúvidas, a existência do diálogo em si não está sendo contestada. O próprio Temer também confirmou alguns dos trechos mais comprometedores em declarações posteriores.   

As primeiras questões sobre eventuais edições no registro da conversa entre Temer e Joesley foram levantadas nos dias seguintes à divulgação do áudio. Na última sexta-feira (19/05), reportagem da Folha de S.Paulo, citando como fonte um perito contratado pelo próprio jornal, apontou que a gravação continha pelo menos 53 edições. Foi o início de uma série de versões. 

Leia mais: Até onde Temer pode se segurar?

No mesmo dia, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, que citou outro perito, apontou que gravação continha pelo menos 14 "fragmentações", ou pequenos cortes de edição. No sábado, o presidente Michel Temer citou o parecer encomendado pela Folha de S.Paulo para reforçar a sua versão de que estava sendo vítima de uma conspiração.

No próprio sábado, a rádio CBN, ligada às organizações Globo, entrou no tema. No início da gravação, registrada na noite de 7 de março, é possível ouvir que Joesley estava dentro de um automóvel que tinha o rádio sintonizada na CBN. Naquele momento, ele se dirigia ao Palácio do Jaburu. 

Após o diálogo com Temer, é possível ouvir a rádio sintonizada mais uma vez, sugerindo que Joesley havia voltado ao automóvel. Segundo a CBN, o tempo decorrido entre os dois extremos da gravação  – 38 minutos  – coincidia com a transmissão do programa que estava sendo veiculado na rádio aquele dia. "A gente percebe que não teve edição", disse um locutor da rádio. 

Áudio da conversa entre Temer e Joesley Batista

02:26

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No dia seguinte, foi a vez de diversos braços das organizações Globo contestarem a reportagem da Folha. Num episódio raro de ataque a uma reportagem de outro veículo, uma matéria do jornal O Globo pôs em dúvida as credenciais do perito contratado pela Folha, sugerindo que ele não passava de um amador. O texto disse que foram usados programas gratuitos de computador na perícia, e que o perito frequentava programas sensacionalistas na TV, nos quais comentava sobre a presença de fantasmas em fotografias. 

O jornal também entrevistou o perito, que pareceu recuar das suas conclusões anteriores. As conclusões da reportagem também foram publicadas pelo portal G1 e veiculadas no programa Fantástico. A Folha voltou a falar com seu perito, que desta vez disse que suas declarações foram distorcidas pelo O Globo

Também na segunda-feira, foi a vez de o site da revista Veja publicar que a gravação original tinha 50 minutos, e não 38, apontando que 12 minutos estavam faltando. A coluna Radar da revista apontou que os minutos desaparecidos incluíam Temer e Joesley conversando "sobre mulheres". 

Na tarde do mesmo dia, foi a vez de um perito contratado pela defesa de Temer apresentar suas conclusões. Ricardo Molina – conhecido desde os anos 1990 por sua atuação nos casos PC Farias e do massacre de Eldorado do Carajás  –convocou uma coletiva de imprensa e disse que a gravação tinha "excesso de vícios". Tal como o perito da Folha, ele também afirmou que o registro da conversa passou por edições. 

Ainda na tarde de segunda-feira, a CBN recuou de sua declaração anterior de que a gravação não parecia ter sofrido edição. Desta vez, a rádio informou que uma comparação mais minuciosa entre a programação e a gravação de Joesley apontou que faltam 6 minutos e 21 segundos no registro de Joesley. 

Suborno de juízes

Apesar das dúvidas sobre modificações na gravação, há uma certeza: o diálogo continua a abalar o governo. O próprio Temer confirmou alguns dos trechos comprometedores, como o fato de ter ouvido Joesley afirmar que havia subornado dois juízes e um procurador da República.

O presidente, ao que tudo indica, não fez nada quando seu visitante lhe relatou um crime. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Temer se fez de desentendido afirmando que Joesley era "um falastrão, uma pessoa que se jacta de eventuais influências". 

Os países mais corruptos do mundo

01:39

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No áudio, quando Joesley falou sobre os subornos, Temer respondeu: "Ótimo, ótimo". Posteriormente, quando questionado por jornalistas se isso não seria prevaricação, disse: "Eu ouço muita gente, e muita gente me diz as maiores bobagens que eu não levo em conta." 

No seu pronunciamento do último sábado, o presidente também admitiu que ouviu Joesley afirmar que vinha mantendo uma "boa relação" como o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está preso. Temer também confirmou ter dito "mantenha isso, viu?". O trecho foi interpretado como anuência do presidente ao pagamento de uma mesada para comprar o silêncio de Cunha. O presidente nega essa versão. 

Temer também apontou que considerava o deputado paranaense Rodrigo Rocha Loures (PMDB) – filmado carregando uma mala de dinheiro após o encontro entre Joesley e o presidente – um intermediário para tratar com o empresário da JBS.

Datas não batem

O presidente também cometeu um erro ao afirmar que havia recebido Joesley para conversar sobre a Operação Carne Fraca, a ação da Polícia Federal que mirou dezenas de frigoríficos em 17 de março deste ano. As datas simplesmente não batem, já que a operação foi desencadeada dez dias depois do encontro. 

Por enquanto, as dúvidas sobre o áudio não têm beneficiado Temer. O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, por exemplo, disse que a entidade se mantém firme no seu pedido de impeachment de Temer, afirmando que a questão não é a edição do áudio.

"Muito está se discutindo sobre alguma edição do áudio, mas a peça que a OAB irá apresentar tem como base também as declarações do presidente sobre a reunião. Ele em nenhum momento nega os fatos [relativos à conversa sobre compra de autoridades]", disse Lamachia em coletiva na segunda-feira. 

A gravação está sendo analisada pela Polícia Federal (PF), que deve elaborar sua própria perícia para identificar a existência de qualquer manipulação. A PF disse ao STF nesta terça-feira que a perícia pode demorar até 30 dias. 

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