A guerra psicológica das imagens
14 de maio de 2004"O que vimos é aterrorizante", comentou o senador americano Bill Frist, após ver as novas fotografias sobre abusos e torturas cometidos por soldados norte-americanos em prisioneiros no Iraque. Ao que tudo indica, algumas dessas mil fotografias não divulgadas mostram maus-tratos ainda maiores do que as divulgadas pela mídia.
Não menos impressionante é o vídeo da macabra decapitação do especialista americano em antenas, Nick Berg, de 26 anos. A gravação desse ato de barbárie marca o auge de uma série de imagens de violência e também um novo nível da guerra das imagens. Uma guerra que os Estados Unidos não tem como controlar.
Jornalistas, especialistas e políticos, entre eles o adversário de George W. Bush na disputa pela presidência, o democrata John Kerry, comparam a experiência desastrosa dos EUA no Vietnã com o atual conflito no Iraque. Muitos o fizeram no campo militar, enquanto outros abordaram o das imagens.
As lições do Vietnã
Sabe-se que as guerras não se travam apenas nos campos de batalha. No caso do Vietnã, a Casa Branca acabou aprendendo que imagens desfavoráveis, divulgadas pelos meios de comunicação, apressaram a derrota final, ou foi decisiva, dependendo da interpretação.
Já a primeira guerra do Golfo representa o caso contrário. A perfeição com que o Pentágono controlou a difusão das "suas imagens" atingiu um grau insuperável. A guerra mais parecia um videogame, com uma porção de armas sofisticadas, sem sangue e com um número mínimo de mortos e feridos – que ninguém viu.
Na segunda guerra contra Saddam Hussein tratou-se de empregar a mesma tática que já dera certo na primeira. Os jornalistas subordinados ao comando das forças armadas, acompanhando seus avanços, pareciam garantir que a visão do Pentágono sobre os acontecimentos prevaleceria. Mas Abu Ghraib, a prisão em Bagdá, mudou tudo.
A internet como plataforma
"Nossos soldados vão pagar caro pelas fotos chocantes de Abu Grhaib", declararam altos oficiais norte-americanos citados pelo jornal USA Today. A fita da execução de Nick Berg parece confirmar os temores de uma escalada da barbárie.
Semanas atrás um grupo terrorista tentou vender imagens do assassínio de um refém italiano à emissora árabe Al-Jazira. Os redatores não aceitaram o vídeo por sua crueldade e agora os terroristas resolveram pular intermediários e dirigir-se diretamente ao público, via internet.
Grupos terroristas como a Al Qaeda e outros já vêm usando a rede para comunicação, para recrutar gente, juntar dinheiro e planejar atentados. Por outro lado, vídeos com atrocidades não são uma novidade. Terroristas da Chechênia filmaram um jogo de futebol com crâneos de soldados russos.
Mas o Ocidente ignorou isso por muito tempo, afirma o especialista em terrrorismo Udo Ulfkotte, em entrevista a DW-WORLD. "Não se trata de uma nova estratégia, isso sempre foi uma tática da guerra psicológica", diz Ulfkotte, lembrando o primeiro caso que causou impacto no Ocidente: a morte do jornalista americano Daniel Pearl, degolado por radicais islâmicos diante da câmara no Paquistão, em 2002.
Ato de vingança?
Além do mais, o vídeo da morte de Nicolas Berg serviu para satisfazer os desejos de vingança no mundo árabe. Desejos provocados pelas fotos das torturas e humilhações contra prisioneiros iraquianos. Especialistas acreditam que ele também está servindo de propaganda, para recrutar simpatizantes.
Com a lei do olho por olho, "nos países árabes as pessoas acham que, com a decapitação, está se pagando na mesma moeda", expõe Kai Hirschamnn, vice-diretor do Instituto de Pesquisa do Terrorismo, em Essen. Na sua opinião, as imagens são uma reação planejada, com uma clara intenção. "Essas pessoas não são bobas, são estrategistas políticos", disse a DW-WORLD. "Elas querem criar um exemplo que seja percebido como tal no Ocidente, por sua crueldade."
Trata-se de uma reação às fotografias, "algo que funcionou na atual situação, mas que não se pode repetir muitas vezes. Um atentado a bomba, contra as fotos, não teria trazido o mesmo efeito".
O coronel da reserva Nick Pratt, diretor do Centro Europeu de Estudos de Segurança, na Alemanha, discorda que o vídeo seja uma reação às fotos. "Esse é um bom exemplo de guerra psicológica. Eles podem divulgar essas informações e mostrar ao mundo a nossa impotência."
Guerra de propaganda
O ex-militar norte-americano acha que até agora os países ocidentais se concentraram demais nos supostos perigos do ciberterrorismo, isto é, ataques a redes bancárias, sistemas eletrônicos de aeroportos ou centrais nucleares, provocados por um supervírus. A importância da internet na guerra psicológica, porém, foi subestimada, segundo Pratt.
Já que não há como impedir a divulgação desse tipo de vídeo na rede, Nick Pratt recomenda que se aproveite a internet para mensagens contrárias. "Temos que aprender a utilizar a internet para os nossos propósitos", diz o coronel, citando como exemplo as manifestações de iraquianos diante da prisão de Abu Ghraib.
"É preciso ressaltar que as pessoas agora têm a liberdade de manifestar-se, o que não teria sido possível durante o regime de Saddam Hussein. É preciso divulgar que a democracia está fazendo avanços no Iraque." Além do mais, as autoridades norte-americanas deveriam realizar processos públicos contra os envolvidos nas torturas, "para demonstrar que o Exército está encarando o problema".
Para Rainer Kuhlen, especialista em informática e ética na internet da Universidade de Constança, o auto-controle da mídia é a única maneira de lidar com essa guerra das imagens. "Teremos que conviver com essas imagens que são armas e do tipo mais insuportável", diz Kuhlen, lembrando, nesse contexto, o debate sobre a propagação de pornografia na internet nos últimos anos.