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A guinada conservadora do Mercosul

3 de julho de 2020

Em cúpula, bloco sul-americano enviou sinal de que continuará seguindo linha liberal e à direita na região, apesar da Argentina. Ao mesmo tempo, integrantes patinam entre alinhamento aos EUA ou à China.

Bolsonaro lidera guinada à direita do Mercosul
Bolsonaro lidera guinada à direita do MercosulFoto: Imago Images/Fotoarena/R. Pereira

A reunião dos presidentes do Mercosul deveria ter sido presencial em Encarnación, no Paraguai. A cidade está localizada no sul do país, não muito longe das fronteiras com Argentina, Brasil e Uruguai – ou seja, no centro geográfico dos quatro países-membros do bloco sul-americano. O local escolhido tinha uma simbologia para a reunião semestral: a presidência temporária do Paraguai terminou em 1º de julho, e a do Uruguai começou. 

Mas a crise do novo coronavírus atrapalhou os planos e, por isso, a reunião ocorreu nesta quinta-feira (02/07), pela primeira vez na história, de forma virtual. Além dos quatro chefes de Estado dos países-membros, participaram também os líderes do Chile (Sebastián Piñera), Colômbia (Iván Duque) e a presidente interina da Bolívia (Jeanine Añez). Com o convite a políticos conservadores da América do Sul, o Mercosul enviou um sinal de que continuará, em um futuro próximo, seguindo uma linha liberal e à direita na região. 

O próprio bloco deu uma guinada à direita com a posse dos presidentes Mario Abdo Benítez, no Paraguai (2018); Jair Bolsonaro (2019), no Brasil; e Luis Alberto Lacalle Pou (2020), no Uruguai. Isso mudou significativamente o Mercosul: após a virada do milênio, os governos dominantemente de esquerda na América do Sul utilizavam cada vez mais o bloco sul-americano como órgão político, e a integração econômica entre si e na economia mundial perdeu prioridade. 

Agora, a maioria do bloco quer que a abertura econômica volte a ser o centro das atenções. Isso não se aplica à Argentina, que anunciou em abril que não participaria mais de negociações de livre-comércio. Mas também existem diferenças de opinião entre os defensores das trocas comerciais: o presidente uruguaio, por exemplo, pediu igualdade de tratamento para os EUA e a China. "Não podemos cair na falsa dicotomia de estar mais próximos de um do que de outro", afirmou Lacalle Pou, que governa seu país desde março.

Acima de tudo, o uruguaio quer uma melhoria das relações com Pequim. "A China manifestou formalmente a vocação de aprofundar as relações. Creio que existe uma espécie de omissão do nosso bloco em responder adequadamente a essa formalidade." Para ele, o Mercosul deveria ficar de olho na Ásia de 2050 e no futuro papel da China. "Pensemos na quantidade e na qualidade de alimento que vão precisar, e voltemos rapidamente à nossa região, a grande produtora de alimentos."

O Brasil, sob Bolsonaro, também quer se abrir, porém, preferencialmente com os EUA – e não com a "China comunista", como a potência mundial é vista pelos ideólogos em torno do presidente em Brasília. Na véspera da reunião de cúpula, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, que vê a China como uma inimiga do desenvolvimento do Ocidente, declarou que o Mercosul havia sido caracterizado por "imobilismo e atraso" até a posse de Bolsonaro e que foi necessária uma abertura "sem precedentes em sua história".

Como há discordância dos quatro parceiros sobre o tema, mas a maioria deseja a integração, o Uruguai e o Paraguai querem impor regras de integração mais flexíveis. Depois disso, os quatro países-membros do Mercosul poderiam implementar novos acordos comerciais em velocidades diferentes, em vez de buscar o difícil consenso. "O consenso no Mercosul deve ser pragmático", frisou Lacalle Pou. "Porque se isso significa discussões quase que acadêmicas, o mundo vai passar por cima de nós."

O primeiro encontro de Bolsonaro com o seu colega argentino, o peronista Alberto Fernández, foi aguardado com muita expectativa. Os dois têm se mostrado relutantes desde que Bolsonaro insultou repetidamente o então candidato na campanha eleitoral argentina em 2019. Mas o embate não aconteceu.

Bolsonaro afirmou que ele trabalha para "desfazer opiniões distorcidas" sobre a política ambiental do Brasil no exterior. As críticas na Europa à política brasileira para a Amazônia e ambiental são o principal obstáculo ao acordo de livre-comércio fechado em 2019 com a União Europeia, que agora precisa ser ratificado. Bolsonaro afirmou que vai expor "as ações que temos tomado em favor da proteção da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas".

Alberto Fernández reagiu politicamente às diferenças de opinião no bloco sul-americano. "Eu guardo por todos os líderes mundiais o respeito que merecem, porque seus povos os elegeram", frisou Fernández. "Não tenho direito a frustrar as aspirações continentais que temos, de nos unirmos e crescermos juntos, simplesmente porque não pensamos igual". A reunião virtual parece ter tido um efeito calmante sobre os antagonistas do Mercosul.

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