Durante séculos, o símbolo natalino foi distintivo entre católicos e protestantes, estes inicialmente depreciados como adeptos da "religião da árvore de Natal". No século 19, o símbolo espalhou-se rapidamente pelo mundo.
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A aconchegante cena faz bater mais forte os corações dos protestantes da Alemanha: Martinho Lutero sentado ao lado de sua família, numa confortável sala, em torno de uma pequena árvore de Natal decorada.
Lutero e família na noite de Natal de 1536, em Wittenberg: assim o artista Carl August Schwerdgeburth, de Weimar, intitulou sua gravura. Porém o quadro que o tornou conhecido no século 19 não passa de uma mentira.
Difundida pela guerra
"Lutero jamais se sentou ao lado de uma árvore de Natal", sentencia o etnólogo Alois Döring. Pelo contrário: o reformador alemão nem mesmo conhecia esse símbolo, pois os primeiros registros de uma festa com um pinheiro decorado remetem ao final do século 16, quando a autoridade de uma localidade da Alsácia mandou montar a primeira árvore de Natal.
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A coisa só virou moda na Alemanha pelos idos de 1800, quando as famílias protestantes passaram a adotar o pinheiro como decoração caseira para o Natal. E mais tarde declararam tratar-se de uma boa e velha tradição luterana.
"Os católicos zombavam do culto a Lutero da mesma forma que do costume da árvore de Natal", explica Döring. Aliás, uma das expressões sarcásticas com que denominavam o protestantismo era "a religião da árvore de Natal".
Mas isso não durou muito tempo, pois já no fim do século 19 o pinheirinho também conquistaria as salas de estar católicas. Decisiva para sua difusão foi a guerra franco-prussiana de 1870, conta o etnólogo. "Na época, por ordem das lideranças militares [alemãs], árvores de Natal foram dispostas nas trincheiras, como sinal dos laços com a pátria."
Ao que tudo indica, a ideia espalhou-se rapidamente pelo mundo. Pois a primeira árvore pública, exposta numa praça e enfeitada com guirlandas, foi registrada no Natal de 1910, não na Alemanha, mas sim em Nova York. Com a propagação do símbolo para além dos limites das confissões, desapareceu gradualmente a lenda de Martinho Lutero.
Lenda do paganismo
Em compensação, até hoje circula o boato que esse costume da árvore decorada proviria de culto pagão. Ledo engano. Segundo pesquisas, a árvore natalina viria dos autos medievais sobre o Paraíso, onde, no dia 24 de dezembro, se erguia a "Árvore do Bem e do Mal", sob a qual era encenada a queda de Adão e Eva.
"Do lado que simbolizava a Redenção, a árvore era enfeitada com maçãs e outras guloseimas; do outro lado, pecaminoso, não havia nada", descreve o estudioso de Bonn.
Após os cultos religiosos, os fiéis podiam se servir da decoração. E nesse caso, assim como nos "autos do Presépio" e nas festas a São Nicolau, muitos católicos deixavam de lado a moral e os bons costumes.
A Martinho Lutero desagradava o apelo sensorial da adoração dos santos na Igreja Católica. Ele queria recolocar Jesus Cristo no centro das festividades e por isso inventou a figura do "Cristo Sagrado", em concorrência a São Nicolau. E durante muitos anos, nas regiões protestantes da Alemanha, era o "Cristo Sagrado" a presentear as crianças, acompanhado por anjos.
Avanço do ecumenismo
No decorrer dos séculos, a figura se transformou no angélico "Menino Jesus", lembra Döring. Mas como essa imagem talvez fosse infantil demais, criou-se no século 19 o Papai Noel, uma espécie de "Nicolau remodelado". Hoje não é mais possível dizer se essa figura nasceu da fantasia dos protestantes ou dos católicos.
"Muitos de nossos costumes natalinos são, hoje, transconfessionais", afirma Alois Döring. Justamente na época do Advento e do Natal, o etnólogo tem observado, nos últimos anos, numerosas ações ecumênicas; católicos e protestantes promovem concertos e festas em conjunto.
"As Igrejas reconheceram que têm que fazer algo, se é para o Natal ser mais que consumo, vinho quente e luzes decorativas", diz Döring. "E isso funciona melhor quando se trabalha junto, e não em concorrência."
Dez palavras associadas ao Natal na Alemanha
O Natal é celebrado em vários países, mas alguns detalhes – e as palavras usadas para descrevê-los – podem revelar diferenças culturais interessantes. Reunimos alguns termos ligados aos rituais natalinos na Alemanha.
Foto: Matthias Bein/dpa/picture alliance
Vorfreude
Não há palavra em português que traduza exatamente o termo "Vorfreude" (alegria antecipada). O ditado alemão "Vorfreude ist die schönste Freude" diz que a expectativa é a maior das alegrias. As crianças aprendem rapidamente que a impossível lista de presentes nem sempre será atendida. A parte divertida é que podem manter a esperança de que, talvez, seus desejos sejam realizados no próximo ano.
Foto: Fotolia/famveldman
Plätzchen
Uma boa maneira de adoçar a longa (mas alegre) espera pelo Natal é com biscoitos. Os que os alemães preparam são chamados de "Plätzchen", termo que literalmente significa "pequeno lugar" e é também o diminutivo da antiga palavra "Platz", usada para designar um pequeno bolinho achatado. Sempre há espaço para comer mais um ou dois deles, não importa o quão satisfeito se esteja.
Foto: Fotolia/racamani
Lametta
Numa esquete de Natal do comediante alemão Loriot, de 1978, um avô reclama: "Früher war mehr Lametta!" (Costumava haver mais ouropel!). O casal decorando a árvore de Natal explica que, agora, prefere enfeites ecológicos. O ouropel, lâmina de metal amarelo que imita ouro, surgiu em Nurembergue por volta de 1610. Ele era feito com fios de prata e, mais tarde, de chumbo – até descobrirem ser tóxico.
Foto: hetwig/Fotolia
Krippenspiel
Na Alemanha, mesmo famílias não religiosas costumam ir à igreja na véspera de Natal. Afinal, a origem da celebração é o nascimento de Jesus, e as crianças devem ao menos saber disso antes de aproveitar os presentes. A maioria das missas e cultos inclui uma "Krippenspiel" (encenação do Presépio), na qual crianças recriam os acontecimentos que nos levam, 2 mil anos depois, a celebrar o Natal.
Foto: picture alliance/Pixsell
Christkind
Em algumas partes da Alemanha e em outros países europeus, não é o Papai Noel quem traz os presentes e os coloca sob a árvore de Natal, mas sim "Christkind", o Menino Jesus, representado por um anjo loiro com asas. O bom velhinho começou a assumir o papel em meados do século 20, ao aparecer em filmes americanos. Mas muitas crianças alemãs continuam endereçando sua lista de desejos ao "Christkind".
Foto: picture alliance/Wolfram Kastl
Bescherung
Esta é a prova definitiva de que os alemães são mais precisos com seu vocabulário de Natal. De forma concisa, "Bescherung" se refere ao momento em que os presentes são trocados na véspera de Natal. Quando se acrescenta o adjetivo "bonito", "schöne Bescherung", a expressão pode ironicamente significar "que bagunça". Esse foi o título em alemão do filme "Férias Frustradas de Natal".
Foto: Imago/Westend61
Heiligabend
Os presentes são tradicionalmente trocados na véspera de Natal, chamada em alemão de "Heiligabend" (noite sagrada). O próprio Natal é chamado de "Weihnachten", termo derivado do antigo dialeto germânico e que significa "noites sagradas". A palavra está no plural, pois tradicionalmente a celebração durava 12 dias. Atualmente, na Alemanha, ela vai da noite de 24 até 26 de dezembro.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Schuh
Raunächte
Embora as datas exatas se diferenciem de uma região para outra, geralmente "Raunächte" corresponde ao período conhecido como "os 12 dias de Natal", de 25 de dezembro a 6 de janeiro, terminando com a celebração cristã da Epifania. Segundo a mitologia germânica, durante esse período especial do ano animais seriam capazes de prever o futuro, e os demônios poderiam fazer uma visita a qualquer momento.
Foto: picture alliance/Arco Images/G. Lenz
Morgenland
Epifania é a celebração também conhecida como Dia de Reis, quando os três Reis Magos teriam vindo "do Oriente" trazendo preciosos presentes para Jesus. Em alemão, eles são chamados de "Die Weisen aus dem Morgenland" (Os sábios do Oriente). Lutero cunhou o termo "Morgenland" em sua tradução da Bíblia. Hoje, a palavra é uma maneira ultrapassada de se referir ao Oriente Médio ou ao Extremo Oriente.
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Hüftgold
Esta não é exclusivamente uma palavra para a época do Natal, mas é, certamente, uma brilhante expressão alemã: "Hüftgold" (ouro de quadril, em tradução literal; ou os famosos pneuzinhos) é o que você deverá acumular depois dos vários dias de festa. Vá em frente e aproveite todas as deliciosas guloseimas de Natal, afinal, as gordurinhas extras vão fazer você brilhar como ouro.