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HistóriaReino Unido

A realeza e o racismo, antes de Meghan e Harry

10 de março de 2021

Meghan não é a primeira não branca a entrar para a realeza britânica. Uma princesa indiana já havia integrado a família em meados de 1800 – e escrito sobre o desejo de fugir.

O príncipe Harry e sua esposa Meghan, duquesa de Sussex, são entrevistados pela apresentadora Oprah Winfrey.
Harry e Meghan em entrevista para o programa de Oprah WinfreyFoto: Harpo Productions/Joe Pugliese/REUTERS

Quando estava grávida doprimeiro filho, Meghan Markle, esposa do príncipe Harry, teve que ouvir que seu primogênito não receberia segurança, nem o título de "príncipe", junto com "preocupações e conversas sobre quão escura seria sua pele quando ele nascesse", revelou Markle em uma entrevista amplamente divulgada com a apresentadora Oprah Winfrey. A duquesa também mencionou ter tido "um pensamento claro e assustador" sobre suicídio enquanto atuava como membro da família real.

As pressões inerentes ao pertencimento à família real britânica são lendárias, como é exemplificado por muitos de seus membros, incluindo o príncipe William, seu pai Charles e sua falecida mãe, a princesa Diana e, mais recentemente, agora o príncipe Harry.

Muitos dos problemas de sua esposa Meghan podem ser resultado de discriminações da família real, completamente branca e conservadora, contra negros. Mas Meghan não é a primeira pessoa não branca a se tornar membro da realeza britânica.

De acordo com Priya Atwal, pesquisadora da Universidade de Oxford e autora do livro Royals and Rebels: The Rise and Fall of the Sikh Empire, a rainha Vitória adotou várias crianças de colônias britânicas no século 19 como uma "forma de aprender sobre seus novos territórios e projetar uma imagem benevolente de sua família." Atwal divulgou sua teoria através de um tópico do Twitter que foi compartilhado centenas de vezes.

A historiadora de Oxford analisou os protegidos e apadrinhados coloniais da rainha Vitória (1819-1901), "e eles formavam um grupo de vários jovens provenientes sobretudo de territórios colonizados que haviam sido tomados pelo Reino Unido." Esses jovens incluíam o príncipe Duleep Singh e a princesa Gouramma da Índia, além de Sarah Forbes Bonetta, uma órfã africana da atual Nigéria, que a rainha Vitória tomou sob sua proteção.

"Fiquei fascinada ao ver que existem fotografias da princesa Gouramma, por exemplo, de Sarah Forbes Bonetta, do marajá Duleep Singh e seus filhos incluídas em álbuns de fotos de família compilados pela rainha Vitória e o príncipe Albert. E devemos ter em mente que a fotografia ... se tornou mais difundida na década de 1840 ", aponta Atwal, acrescentando que este era provavelmente o primeiro conceito de um álbum de família e, curiosamente, todos esses personagens apareciam nele. Para Atwal, isso demonstra como Victoria e Albert viam seus familiares.

Família mestiça?

A rainha Charlotte (1744-1818),  esposa do rei George III, costuma ser apontada em reportagens e publicações na internet como descendente de negros de várias gerações anteriores, embora tal afirmação não seja levada a sério pela maioria dos historiadores.

Essa especulação se popularizou graças ao historiador Mario de Valdes y Cocom, que num artigo de 1999 argumentou que Charlotte, filha do duque alemão Charles Louis Frederick de Mecklenburg e sua esposa, a princesa Elisabeth Albertine de Saxe-Hildburghausen, "descendia diretamente de Margarita de Castro y Sousa, um ramo negro da casa real portuguesa". 

"Isso foi redescoberto na popular série da Netflix Bridgerton, que elencou uma mulher mestiça para o papel da rainha", disse Atwal, ressaltando que se trata de uma alegação duvidosa e com a qual poucos historiadores concordam.

À época, Valdes y Cocom foi criticado por exagerar suas conclusões e descrever incorretamente essa linhagem portuguesa. Ele menciona que essa origem negra teria se surgido no século 13. Ainda que fosse o caso, após 500 anos, qualquer herança genética seria praticamente insignificante após tantas gerações. 

A rainha Vitória adotou diversas crianças de colônias britânicasFoto: imago images/Design Pics

Menos racista do que hoje?

Poderíamos então dizer que a realeza britânica era menos racista no passado? De fato, em meados do século 18, casamentos mestiços eram comuns entre ingleses e indianos, aponta o autor britânico William Dalrymple, que discute sua própria ancestralidade mestiça no livro WhiteMughals:LoveandBetrayalinEighteenthCenturyIndia.

Segundo Atwal, o conceito de raça não era restrito e nem mesmo determinado pela cor da pele. "É interessante que a rainha Vitória não via as coisas nesses termos. Ela via alguém como Gouramma, Sarah Forbes Bonetta ou Duleep Singh ... um tanto como iguais, um pouco como parentes, mas não por causa da cor da pele. Para ela, o principal marcador social era ter ou não ter sangue real", acrescentou a pesquisadora.

Mesmo assim, as intenções da rainha eram ambíguas. Talvez ainda resistente à ideia de ver seus pupilos coloniais se casando com ingleses e inglesas, ela tentou arranjar o casamento da princesa Gouramma com o marajá Duleep Singh – após Singh se converter ao cristianismo. Na visão da rainha, "eles formariam o casal ideal, o cartaz perfeito para defender este novo modelo do Império. De certa forma, semelhante à pressão exercida sobre Harry e Meghan para representarem figuras idealizadas perante a Commonwealth", disse Atwal.

Baseado no período da Regência Britânica, série "Bridgerton"se destacou por seu elenco mistoFoto: Liam Daniel/Netflix/Everett Collection/picture alliance

Fuga da realeza

De acordo com as pesquisas de Atwal, porém, os arranjos da rainha Vitória não obtiveram sucesso, e Gouramma teve que lutar com as pressões da vida real, incluindo, um "intenso escrutínio por seus tutores, pela sociedade em geral e por ser a protegida da rainha".

Gouramma também foi recusada por Duleep Singh pois ele temia pela segurança do casamento, já que ouvira rumores de que ela havia se apaixonado e queria fugir com um criado. "Nas cartas que encontrei ... falava-se mais, em suas próprias palavras, de ela querer escapar para uma vida de anonimato, de perceber que os criados podiam viver vidas comuns e de querer ser como eles", explicou a pesquisadora de Oxford, enfatizando que as histórias de Meghan e Gouramma são muito diferentes, mas a necessidade de querer fugir das pressões e expectativas, do decoro da vida real, de suprimir seus sentimentos, torna as duas situações semelhantes.

Teria então a realeza britânica mudado em todos esses 150 anos? "É complicado dizer, pois estamos apenas começando as pesquisas", disse Atwal, acrescentando que, apesar da rainha Vitória trazer essas crianças não brancas para a família real, ela não hesitou em desdenhar seu pupilo, Duleep Singh, quando ele quis se casar com uma inglesa.

Como no caso de Meghan Markle, a pergunta era: "Como seus filhos irão parecer?"

 

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