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A incomum reação de Havana à abdução de cubanos na Rússia

José Urrejola
7 de setembro de 2023

Governo da ilha surpreende ao reagir a notícia de telejornal de Miami e diz não ter envolvimento na guerra da Ucrânia. País parece enviar sinais ao Ocidente ao mesmo tempo em que estreita suas relações com Moscou.

Bandeiras de Cuba e Rússia hasteadas lado a lado
Cuba nega participação no conflito na Ucrânia e no recrutamento de seus cidadãos para lutarem ao lado dos russosFoto: Leonid Altman/Zoonar/picture alliance

O governo cubano afirmou nesta semana ter neutralizado e desarticulado uma "rede de tráfico de pessoas que operava a partir da Rússia para incorporar cidadãos cubanos lá residentes, e alguns até moradores de Cuba, às forças militares que participam de operações bélicas na Ucrânia", segundo um artigo publicado nesta segunda-feira (04/09) pelo jornal estatal cubano Granma.

Testemunhos em vídeo de dois jovens cubanos que disseram ter sido recrutados viralizaram nas redes sociais. Na gravação, eles contam que foram espancados e pedem para ser resgatados. A história foi veiculada por um telejornal da America TeVe Miami, nos Estados Unidos.

Segundo a emissora, os jovens teriam enviado a mensagem de dentro de um ônibus, no qual eram transferidos da Ucrânia, juntamente com soldados russos, para a cidade de Ryazan, na Rússia. "Não conseguimos dormir, pois a qualquer momento eles podem entrar e fazer algo conosco", disse um jovem.

Em maio, o jornal regional russo Ryazan Gazette relatou que "vários cidadãos cubanos" haviam se juntado às forças russas que lutam na Ucrânia, mas não está claro se o anúncio de Havana tem alguma ligação com esses relatos.

O ministro do Exterior cubano, Bruno Rodríguez, disse que Cubatem uma "posição histórica firme e clara" contra grupos mercenários e desempenha "um papel ativo nas Nações Unidas em repúdio a esta prática".

O governo da ilha afirmou ainda que "está agindo e agirá energicamente" contra qualquer pessoa "que participe de qualquer forma de tráfico humano com a finalidade de recrutamento ou mercenarismo de cidadãos cubanos para usar armas contra qualquer país".

Perguntas sem resposta

A situação dos cubanos supostamente recrutados na Rússia é bastante obscura. "Não se sabe quantos poderiam ter caído nessa rede, mas, mesmo que estejamos falando de apenas cinco ou dez pessoas, é uma situação muito preocupante", afirmou à DW o diretor do programa de estudos cubanos da Universidade de Miami, Michael Bustamante.

O mais importante é averiguar "quem está por trás dessa rede, que conexões possui e se há ligações com as autoridades de ambos os países. Se isso não existir, devemos perguntar como funciona a rede e quais são os passos que Cuba tomará para assegurar que isso não continue", disse o professor de história.

Bustamante não acredita que a situação irá se agravar e gerar atritos diplomáticos entre os dois governos, já que se tratam de relações bastante estratégicas para Havana. "Cuba vai tratar de resolver essa situação à sua maneira, mas com os russos por trás das cortinas."

"O fato de o governo cubano emitir declarações a respeito gera certas expectativas de que, em algum momento, surjam mais informações sobre o ocorrido", afirmou Bustamante.

Díaz-Canel e Putin visitam monumento em memória a Fidel Castro, em Moscou, em novembro de 2022Foto: picture alliance/AP

Reação de Cuba causou surpresa

As declarações também surpreenderam especialistas pelo fato de terem ocorrido após a visita no ano passado do presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, a Moscou, onde se reuniu com seu homólogo russo, Vladimir Putin. Na ocasião, os dois países estreitaram laços políticos e econômicos.

"É surpreendente que o governo cubano tenha reagido a uma notícia que saiu nos meios de comunicação de Miami. É algo que não aconteceria, a não ser que se tratasse de um tema muito importante ou grave", avalia Bustamante.

Vladímir Rouvinski, professor do Departamento de Estudos Políticos do Instituto Colombiano de Estudos Superiores de Inocolda (Icesi), afirmou à DW que a reação cubana é "bastante incomum".

"Me surpreendeu a resposta tão aberta por parte do governo de Cuba sobre essa situação que ocorre na Rússia."

Sinal para o Ocidente?

Ao mesmo tempo, a rejeição pública de Cuba à ideia de tomar parte no conflito na Ucrânia teria a intenção de enviar um sinal para Washington e Bruxelas, segundo avaliam os especialistas.

Diferentemente da Venezuela ou da Nicarágua, "Cuba é o país que mais se distancia da guerra na Ucrânia. Mesmo que sua posição continue sendo bastante ambígua, o país está longe de apoiar esse conflito de maneira direta", avalia Rouvinski, que também é especialista em Relações Internacionais.

"Há um cálculo muito cuidadoso por parte do governo cubano", que estaria "esperando a reação dos atores importantes para o país, em primeiro lugar, dos Estados Unidos e da Europa. Para Cuba, é muito importante receber algum reconhecimento da parte deles", avaliou, acrescentando que a Rússia "vai ter de reagir a isso também."

Bustamante considera que Cuba "tem o interesse de comunicar à comunidade internacional e, principalmente, à Europa, que seus cidadãos não estão participando diretamente da guerra, porque isso poderia trazer complicações para essa relação".

Sem provas de colaboração militar

Não existem evidências de uma cooperação militar entre Moscou e Havana no conflito na Ucrânia, apenas rumores. Mesmo assim, Bustamante destaca que a "Rússia segue sendo o grande fornecedor de material bélico para o Exército cubano, ainda que isso não signifique que Havana esteja comprando grandes quantidades de armamentos, porque seu Exército é relativamente pequeno".

Rouvinski, por outro lado, disse existir um "recrutamento que ocorre por parte de empresas privadas russas, o que não quer dizer que haja alguma cooperação oficial entre as autoridades dos dois países".

"Não há provas. Levando em conta a reação do governo cubano, e por se tratar de cidadãos cubanos que se encontram na Rússia, acredito que não exista uma colaboração militar entre Moscou e Havana", concluiu.

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