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A inesperada ligação dos irmãos Abdeslam com o terrorismo

Jean-Philip Struck18 de novembro de 2015

Moradores de Molenbeek, na Bélgica, os irmãos Ibrahim e Salah gostavam de se divertir e aparentemente nunca deram sinais de radicalismo. Suposta participação em atentados surpreende restante da família e conhecidos.

Foto: DW/T. Schultz

Nos últimos dias, dezenas de jornalistas se instalaram em frente a um edifício de quatro andares na praça Communale de Molenbeek (foto), um dos distritos da Grande Bruxelas. Nesse endereço mora a família Abdeslam, que está no centro das investigações dos atentados terroristas de Paris.

Dois membros da família de origem marroquina – os irmãos Ibrahim et Salah – estão entre os supostos autores dos ataques de 13 de Novembro, que deixaram 129 mortos e reivindicados pelo Estado Islâmico (EI). Ibrahim morreu ao detonar um colete cheio de explosivos em frente a um restaurante da capital francesa. Salah, suspeito de alugar um dos carros usados nos ataques, está foragido e é alvo de várias operações policiais em andamento.

Segundo o jornal francês Liberátion, no prédio moram os pais dos suspeitos e mais um par de filhos, uma mulher e o terceiro irmão, Mohamed, que chegou a ser preso por 36 horas antes de ser liberado pelas autoridades belgas. É um alojamento social, que tem o preço do aluguel controlado. Molenbeek, com 100 mil habitantes, é habitado majoritariamente por imigrantes e descendentes, e sofre com a violência e uma taxa de desemprego de 30%.

Na segunda-feira, Mohamed, após ser liberado, disse à imprensa que não conseguia compreender o envolvimento dos irmãos nos atentados e que não notou nada errado mesmo dividindo o lar com eles. "Não sei dizer a vocês por que ou como tudo isso aconteceu. Somos uma família aberta. Nunca tivemos problemas com a Justiça. Meus pais estão em choque e não conseguem entender o que aconteceu", disse. "Soubemos de tudo pela TV, como muitos de vocês, e não imaginamos em nenhum momento que algum dos meus irmãos estivesse vinculado aos ataques."

O caso parece revelar um novo episódio de fraternidade radical, como já aconteceu com os irmãos Tsarnaev, que detonaram uma bomba na maratona de Boston, ou os Kouachi, que atacaram o jornal Charlie Hebdo. E assim como ocorreu em outros casos, vizinhos e amigos ouvidos pela imprensa afirmaram que os irmãos Abdeslam aparentemente não demonstravam um perfil de radicalização.

Molenbeek é conhecido reduto de extremistasFoto: Reuters/Y. Herman

Segundo veículos de imprensa belgas, a família Abdeslam era "conhecida" no distrito de Molenbeek. De acordo com o jornal La Province, o patriarca da família trabalhou como condutor de bonde até se aposentar. A mãe é dona de casa. Já Mohamed, de 40 anos – o irmão que aparentemente não tem nada a ver com o caso – é funcionário da prefeitura há nove anos, onde atua como organizador comunitário. O pai e a mãe costumam viajar todos os anos ao Marrocos para visitar parentes, mas a base deles é a Europa Ocidental, para onde se mudaram após deixarem a província marroquina de Nador nos anos 70. Todos os quatro filhos nasceram na França ou na Bélgica.

Ibrahim, o "preguiçoso"

"Nós não somos o clichê da família desestruturada. Todos fomos à escola", disse Mohamed. De acordo com ele, apenas Ibhahim, de 31 anos e formação de eletricista, havia exibido uma tendência para cometer pequenos crimes. Ele chegou a ser preso por roubo em duas ocasiões na juventude. Quando tinha 14 anos, ele incendiou o apartamento em que vivia com a família, segundo a rede RTBF.

A ex-mulher de Ibhahim, Naima, afirmou em entrevista ao jornal belga Het Laatste Nieuws, que a família não tinha nada de excepcional. "Os pais eram religiosos, mas não eram extremistas. O pai rezava na sexta-feira, e a mãe era um pouco mais moderna. Nunca ouvi mensagens de ódio na casa", disse a mulher, de 36 anos.

Já o perfil de Ibrahim traçado pela ex-mulher passa longe da figura de um muçulmano devoto. Segundo ela, ele tinha mais uma tendência a ficar largado do que a se radicalizar. "Ele era jovem e preguiçoso. Não tinha emprego quando o conheci e não passava a impressão de querer procurar um. Ele fumava muita maconha, três ou quatro baseados por dia, e bebia muito álcool, principalmente cerveja e vodka. (...) O mundo não o interessava muito", disse.

Bar e drogas

Ibrahim chegou a ser sócio de um pequeno bar em Molenbeek, o "Les Béguines" (As beatas). Segundo a revista francesa Le Nouvel Observateur, ele vendeu a sua parte da sociedade em setembro, pouco depois de parar de beber. No período em que administrou o local, Ibrahim teve vários problemas com a polícia por causa do consumo de drogas no interior do bar – o estabelecimento foi fechado pela prefeitura há duas semanas depois de mais uma denúncia relacionada ao consumo de drogas. "Era um local cheio de vadios", afirmou uma vizinha ao jornal Le Parisien.

Em 2012, Ibrahim forçou sua entrada na prefeitura local e agrediu verbalmente um funcionário quando a família foi ameaçada de despejo do alojamento social, por ter ganhos bem superiores ao teto permitido. Um processo chegou a ser aberto, mas aparentemente Ibrahim não foi condenado, e a família não teve que deixar o prédio na praça Communale. Um advogado que defendeu Ibrahim em 2003 e 2010 afirmou que nunca notou nada radical nele. "Era um muçulmano, um moderado liberal. Mas era também alguém que parecia influenciável", disse.

Salah, o "muçulmano praticante"

Salah Abdeslam continua foragidoFoto: picture-alliance/dpa/Police Federale Belgien

Segundo jornais franceses, Salah, de 26 anos, também tinha uma tendência à indolência e nunca havia demonstrado qualquer radicalismo a amigos e à família. Ele chegou a trabalhar como mecânico para a empresa local de bondes, o mesmo local em que seu pai trabalhou, mas foi despedido depois de chegar ao serviço atrasado seguidas vezes.

Nesta quarta-feira (18/11), a polícia holandesa afirmou à agência AFP que Salah chegou a ser detido numa estrada do país em fevereiro deste ano, com uma pequena quantidade de maconha. Ele foi liberado após pagar uma multa de 70 euros.

A trajetória de Salah ainda apresenta contradições. Amigos ouvidos pela imprensa belga afirmaram que ele também gostava de se divertir e consumia bastante álcool e maconha, apesar do perfil mais sério. Ele chegou a trabalhar como gerente no bar administrado pelo irmão.

"Os dois iam a boates, fumavam maconha e sempre caçavam mulheres. Um radical nem apertaria a mão de uma garota", disse Sanah, de 18 anos, moradora de Molenbeek que conhecia os irmãos, ao jornal Libération. "Nós jogávamos cartas e falávamos de futebol. Não falamos nada sobre jihadismo ou islã", disse Hitcham, de 25 anos, outro conhecido dos irmãos, à agência Reuters.

Já Mohamed, afirmou que o irmão Salah era muçulmano praticante. "Salah rezava regularmente", disse. O irmão afirmou que, apesar disso, nunca enxergou sinais de radicalização, apesar de ele aparentar "ser mais duro".

Ainda não está claro como os irmãos teriam se radicalizado, ou se um deles exercia influência sobre o outro e contribuiu para o extremismo mútuo, como ocorreram em outros casos de irmãos terroristas.

Especula-se que eles conheciam o belga Abdelhamid Abaaoud, de 27 anos, membro do EI natural de Molenbeek apontado como o "cérebro" por trás dos ataques da última sexta-feira. Segundo a emissora britânica BBC, Abrahim chegou a cumprir pena com Abaaoud, mas a informação ainda não foi confirmada pelas autoridades belgas. Já outros jornais informaram que os dois irmãos conheciam Abaaoud desde a infância nas ruas de Molenbeek.

"Eu simplesmente não acredito que esses jovens (os irmãos Abdeslam) seriam capazes de planejar isso. Parece que eles foram doutrinados por alguma outra pessoa", afirmou Moustapha Zoufri, um vizinho da família ao jornal La Libre Belgique.

Enquanto as autoridades levantam pistas sobre o processo de radicalização de Ibrahim, o terceiro irmão, Mohamed, vem dando seguidas entrevistas pedindo para que Salah se entregue e tentando limpar o nome do restante da família.

"Nós não somos todos iguais. Escutei coisas bem desagradáveis quando fui preso, alguns chegaram a me acusar. Mas nós também pensamos nas vítimas, nas famílias das vítimas. Não queríamos isso", disse ele nesta quarta-feira.

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