Lidar com o imprevisível e mudar planos pode estragar o dia de um alemão. O jeitinho e as espontaneidade não são virtudes por aqui.
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Lidar com a inflexibilidade alemã é um exercício de resiliência. Muitas vezes, é inevitável não se sentir frustrado e impotente diante das regras sociais claras que regem o cotidiano e as relações. Os alemães são, sim, muito bem estruturados e organizados, o que faz as coisas funcionarem relativamente bem. Mas para quem não sabe como tudo funciona, entender certas reações pode ser bastante difícil.
Em 2013, recém-chegada à Alemanha e sem falar alemão, pedi um sanduíche de falafel completo, mas cinco segundos depois, decidi que queria sem cebola. Pedi para o meu amigo alemão mudar o pedido, mas recebi a resposta repentina: "Não dá para mudar”. Ele nem perdeu tempo em perguntar. Ainda tentei com o atendente e a resposta foi a mesma. O que foi decidido, foi decidido. É um exemplo bem simples, mas que se traduz em muitas outras situações.
A falta de espontaneidade faz com que os alemães sejam bem previsíveis. Marcar um jantar de última hora no mesmo dia é uma tarefa árdua. Qualquer encontro precisa ser planejado com antecedência, às vezes semanas. E nem pense em chegar atrasado. Nenhuma desculpa vai evitar que os anfitriões não se sintam ofendidos. Também não se sinta ofendido se te mandarem embora depois de certo horário. Os encontros têm geralmente horário para acabar. Qualquer compromisso demanda organização para que tudo aconteça como previsto, afinal, a flexibilidade não é uma virtude para a maioria dos alemães.
Será comum ouvir dos alemães o que você deve ou não fazer e como. Qualquer desrespeito às regras, mesmo que você não as conheça, dá o direito para que outra pessoa aponte o dedo e diga claramente que você está errado. Não existe jeitinho para nada. É assim ao andar de bicicleta, ir a uma repartição pública, usar o transporte público ou até atravessar a rua, porque "sabem" como fazer as coisas da melhor maneira. Não é possível fazer pizza meio a meio.
Um senhor não titubeou em gritar "Você é cega?” quando cruzei a rua com o sinal vermelho para os pedestres, em Colônia, no oeste da Alemanha. Se você não estiver preparado, o início da vida por aqui pode ser quase um soco diário na cara.
Com uma sinceridade que chega a doer, os alemães não titubeiam depois de tomar uma decisão. Reconsiderar o passo dado – e, claro, antes planejado – não é com eles. Todos vão até o fim se acreditam que a decisão é a certa ser tomada. Indecisão e relutância não guiam os comportamentos. Mudar os planos os deixam completamente malucos e mal-humorados e podem estragar o dia. O que foi dito é tomado com seriedade.
Antes que pensem que eu estou ressentida com a Alemanha e os alemães, é importante frisar que o choque com uma cultura que prioriza a organização e as regras é também um grande aprendizado, mesmo que chato e, até, doloroso. Atrás da aparente casca dura e inflexível, há corações aquecidos para oferecer ajuda e estabelecer relacionamentos e amizades duradouros. Entender como o outro pensa, em qualquer país, em qualquer cultura, nos torna, sem dúvida, também mais humanos.
Na coluna Alemanices, publicada às sextas-feiras, Karina Gomes escreve crônicas sobre os hábitos alemães, com os quais ainda tenta se acostumar. A repórter da DW Brasil e DW África tem prêmios jornalísticos na área de sustentabilidade e é mestre em Direitos Humanos.
Nem todos os alemães vestem calças de couro e comem chucrute todos os dias. Mas há muitas outras características consideradas tipicamente alemãs, como a cerveja e a pontualidade. Conheça algumas.
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Identificação pelo trabalho
O emprego desempenha um papel importante na vida dos alemães. Ao conhecer alguém na Alemanha, muitas vezes uma das primeiras perguntas é: Qual é a sua profissão? Ou, quando já se conhece alguém: Como anda o trabalho? De acordo com um estudo, para 80% dos alemães, o reconhecimento no trabalho e o sucesso profissional são mais importantes na vida do que tempo livre e lazer.
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Use o vaso sentado!
O homem alemão costuma urinar sentado – pelo menos em casa. Ele aprendeu isso da mãe ou da companheira, ou, no mais tardar, quando ele mesmo teve de limpar o banheiro.
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Falta de humor
Muitos acham que os alemães não têm humor. Eles são considerados sérios e nem quando tentam conseguem fazer uma boa piada. Num ranking que comparou 15 países, a Alemanha foi eleita o menos engraçado. Os alemães parecem realmente não ter muito humor – ao menos não um que pessoas de outras nacionalidades consigam entender.
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Loucos por livros
Os alemães são apaixonadas por livros. Quando você anda no trem, por exemplo, sempre acha pessoas lendo um livro. Mesmo com a população diminuindo e a concorrência das mídias digitais, a venda de livros continua constante. Enquanto o brasileiro lê em média quatro livros por ano, o alemão lê de nove a 12.
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Separação do lixo
A casca de banana vai para o tonel de lixo orgânico, papelão, no de papel. Na Alemanha, separa-se o lixo. Cada casa tem até quatro latas de lixo para isso. O vidro vai para contêineres públicos e garrafas retornáveis são devolvidas no supermercado. Os alemães têm esse sistema de separação do lixo desde 1991, com o objetivo de reciclar melhor os diferentes materiais.
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Jeito frio
Comparado com a hospitalidade e o jeito de ser do brasileiro, o alemão pode parecer frio e áspero. Em vez de perder tempo falando de emoções, o alemão é mais prático e vai direto ao assunto. Mas vale lembrar um ditado alemão: "Uma casca dura geralmente envolve um caroço mole".
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Regras para tudo
Os próprios alemães reclamam da burocracia exagerada. Eles acham que na Alemanha existem mais regras e leis do que em qualquer outro lugar do mundo. Tanto que se brinca: "Daqui a pouco vão inventar um imposto pelo ar que se respira". Realmente há muita burocracia no país, mas de fato alguns países como a Grécia têm ainda mais.
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Pão é o arroz com feijão
Em nenhum país do mundo há tantos tipos de pão como na Alemanha. Para o alemão, viver sem pão é tão ruim quanto para o brasileiro não ter arroz e feijão. Embora o consumo diário de pão tenha baixado um pouco nos últimos anos, ainda é bem comum comer pão no café da manhã e também no jantar, tanto que em alemão esta refeição se chama "pão da noite" (Abendbrot).
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Céticos com novas tecnologias
Os alemães são bastante céticos em relação a coisas novas. Alguns até se recusam a ter uma televisão em casa ou usar um smartphone. Eles também não são tão ativos em redes sociais, pois têm pavor de serem vigiados. É verdade que um pouco de cuidado não faz mal – mas, em excesso, também pode ser obstáculo para inovações.
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Cumprimento sem beijinho!
Beijinho aqui, beijinho ali: Cuidado com isso na Alemanha! Se tentar dar aquele beijo de saudação em um alemão, principalmente a um que você mal conhece, ele vai ficar muito surpreso. O jeito mais formal de se cumprimentar na Alemanha é um aperto de mão, já o jeito mais íntimo entre amigos e familiares é um rápido abraço.
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Os alemães não sabem flertar
Quando você vai a um bar ou clube noturno, é bem difícil alguém puxar conversa, mesmo você dando todos os sinais. E, nas raras vezes em que acontece, a tentativa pode ser tão desajeitada que perde a graça. Só resta você mesmo tomar iniciativa!
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Mulheres emancipadas
Na Alemanha, as mulheres, principalmente as mais novas, dão muita importância a sua emancipação. Querem ter o próprio salário, ser independentes e não ser consideradas "sexo fraco". Tentativas masculinas de agir como "gentleman", por exemplo, carregar a mala pesada de uma mulher, podem provocar risos ou até recusa.
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Alemães não vivem sem cerveja
Há muitos tipos de cerveja na Alemanha: a escura, a de trigo, a artesanal... Ainda hoje existem muitas cervejarias pequenas espalhadas pelo país. E cada região tem orgulho de ter a própria cerveja. A Alemanha também é um dos países com o maior consumo per capita de cerveja: mais de 105 litros por ano.
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Atraso é malvisto
Um dos clichês mais populares sobre os alemães é que eles são absolutamente pontuais. E realmente: um atraso de mais de 15 minutos, em geral, é considerado falta de educação e, dependendo da situação, você pode estar certo que a pessoa que deixou esperar está aborrecida. Mas, como toda regra tem exceções, também existem alemães que se atrasam bastante.
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Livro sobre clichês alemães
Estes e outros estereótipos são comentados no livro "Typisch deutsch?" (Típico alemão?, em tradução literal) onde 25 correspondentes da mídia internacional na Alemanha contam o que consideram tipicamente alemão. O livro diverte e em alguns pontos até surpreende. Ele foi lançado por Matthias Baxmann e Matthias Eckoldt em outubro pela editora Holiday.