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Entrevista

Ramón García-Ziemsen (jdc)19 de agosto de 2007

O jornalista alemão Günter Wallraff já se fez de operário turco, repórter de um tablóide e, recentemente, funcionário de um call center. Para ele, o mundo precisa de mais gente disposta a desmascarar a realidade.

Günter Wallraff: nova investidaFoto: dpa

Günter Wallraff vem sendo a pedra no meio do caminho de grupos empresariais já há algumas décadas. Aos 64 anos, o jornalista que leva o "investigativo" ao extremo cola bigodes postiços, usa lentes de contato, muda a cor da pele e faz o que mais for necessário para se embrenhar em realidades diferentes da sua. E, assim, descobrir o que há por trás da superfície.

Seus livros foram traduzidos para mais de 30 línguas – entre elas o português. No Brasil, foi publicado o volume Cabeça de turco, obra que expõe a forma desumana como são (ou eram, no 1985 de sua publicação) tratados os trabalhadores turcos na Alemanha. Os suecos até transformaram seu nome numa expressão: no país, "wallraffa" passou a designar "o ato de expor uma má conduta, ao assumir um papel".

O mais recente mergulho de Wallraff foi no mundo dos call centers, que revelou-se, para sua própria surpresa, "um nervo exposto da sociedade". Mas o motivo por seu nome ter retornado às manchetes, há alguns meses, com chamadas tipo "Wallraff está de volta", foi outro: a proposta de promover uma leitura dos Versos Satânicos de Salman Rushdie no centro comunitário de uma mesquita em Colônia.

Em entrevista à Deutsche Welle, Wallraff falou sobre seu novo trabalho, sobre a necessidade de inquietação e coragem cívica na sociedade e sobre a evolução da discriminação na Alemanha, baseada não mais na origem, mas sim na classe social.

Deutsche Welle: Você ficou algum tempo afastado de trabalhos jornalísticos undercover. Agora assumiu o papel de um funcionário de um call center. O que lhe impeliu a isso?

Günter Wallraff: Tudo começou por uma coincidência. Encontrei um colega, que trabalhou um tempo num call center porque estava em dificuldades financeiras. Seus relatos me animaram a tentar, mas os resultados me surpreenderam. O assunto teve tamanha repercussão que percebi: toquei numa ferida. É realmente uma praga na sociedade – perturbar pessoas ao telefone, induzir idosos a comprar.

Cargos fáceis em 'call centers': experiência difícil de suportar, diz autorFoto: dpa

O legislador não faz nada, porque, afinal, novos postos de trabalho estão sendo criados e um novo ramo da economia floresce. Mas insisti no assunto. Sempre que publico algo, me sinto responsável em relação aos possíveis efeitos positivos. Por isso, agora, tenho pressionado fortemente o Ministério da Justiça, a fim de que seja criada uma lei. Seria tão simples. Uma lei poderia frear todo esse engodo.

Como foram as reações de seus colegas nos call centers?

Divididas. Aqui, como no Bild Zeitung [tablóide de maior circulação na Alemanha, onde Wallraff trabalhou como repórter, sob disfarce, na década de 70 e escreveu o livro Fábrica de Mentiras], encontrei pessoas que inicialmente não queriam trabalhar com isso, mas que, com o tempo, foram se deixando levar, e em algum momento viraram eles mesmos os vilões.

Havia muita gente feliz de ter conseguido um emprego, gente há muito tempo desempregada – os call centers aceitam todo mundo. Mas estatísticas mostram que, de mil pessoas que são contratadas, apenas dez, talvez 20, agüentam o trabalho por mais de meio ano, tamanho é o desgaste. Isso também fala a favor da sociedade: tão inescrupulosa a maioria não é. Ainda assim, vieram reações divididas. Teve gente que me escreveu fazendo acusações, defendendo seu emprego – recebo esse tipo de carta. Mas que tipo de emprego é esse, onde trapaceiros são formados profissionalmente?

Qual foi o rótulo que lhe deram que mais lhe irritou até agora?

Ah, preciso parar para pensar um pouco – são tantos insultos. Eu diria: alguns inimigos faço questão de ter! Quando começam a me elogiar muito, me pergunto: será que me deixei levar? Quando o Bild Zeitung me chama de "caneta do diabo", me sinto praticamente condecorado.

Por outro lado, quando o Die Welt chega e começa um artigo com Respeito por Wallraff – motivado pela minha proposta de realizar um debate sobre Versos Satânicos no centro comunitário de uma mesquita em Colônia –, então já fico levemente inseguro e sou levado a me perguntar: fiz algo de errado?

O jornalista e escritor em 1992Foto: picture alliance/dpa

Então é uma questão de ter os inimigos corretos. Você ficou famoso numa época em que identificar os vilões era algo mais fácil, nos anos 70 e 80. Onde estão os vilões hoje?

Não tenho nenhum inimigo eterno. Sempre torço para que um dia se tornem civilizados ou democráticos. Acredito na capacidade de mudar, não só das pessoas, como também de estruturas sociais. E mesmo um jornal tão desumano como o Bild – que ainda pode ser chamado de Comitê Central da Difamação – poderia, talvez, se desenvolver de forma diferente num outro contexto social, e, pelo menos, se liberar dessa agressividade.

Isso está sempre associado a personalidades – quem é o atual chefe de redação? Enfim, não tenho nenhum conceito de inimigo eterno; também não falo de inimigos, e sim de oponentes. Algo como ódio me é totalmente estranho. Não odeio ninguém.

O que é, para você, coragem cívica?

Acho que coragem cívica deveria ser uma matéria obrigatória na escola, em vez de certas virtudes que voltaram ao primeiro plano, como assiduidade, pontualidade, etc. Acho que coragem cívica deveria ocupar esse lugar, mais ainda na Alemanha. As crianças deveriam aprender, na escola, a respeitar outras culturas, outras maneiras de vida, a defender minorias – e, se necessário, também correr riscos de vez em quando.

É por isso que freqüentemente vou falar em escolas, sobretudo nos estados da ex-Alemanha Oriental. Nos últimos anos, fiz quase cem apresentações, geralmente em lugares onde a presença de radicais de direita é muito forte. Procuro fazer as pessoas se soltarem e às vezes consigo até mudar suas opiniões.

Cabeça de Turco, o livro para o qual você passou dois anos disfarçado como trabalhador turco, foi um sucesso estrondoso em 1985. Foi a primeira vez, segundo um crítico, que os alemães se deram conta de que os turcos, que estavam trabalhando duro por pouco dinheiro e sendo tratados como escória nas fábricas do país, eram pessoas. Hoje, há menos discriminação de turcos e de outros estrangeiros na Alemanha?

Edição alemã de 'Cabeça de Turco': na pele de um imigrante

A situação se deslocou um pouco. Na verdade, teria que se fazer uma nova lista negra a este respeito. Hoje, os turcos não estão mais na camada mais baixa da sociedade, e sim os chamados trabalhadores do Leste Europeu: poloneses, romenos, operários da construção civil, para os quais os direitos não valem. Eles, hoje, trabalham ganhando dois euros por hora, onde antes pagava-se seis, oito marcos alemães (três, quatro euros).

A cada três operários da construção civil, um trabalha de forma ilegal ou apenas parcialmente regularizada. Eles são realmente tratados como mercadoria, contratados e demitidos de acordo com a demanda. E os alemães também estão nessa: não se faz mais uma diferenciação. Desempregados de longo prazo, principalmente nos estados da ex-Alemanha Oriental, acabam nessa situação. A discriminação não é mais relacionada à origem de cada um, mas sim à sua posição social. Neste sentido, já cristalizamos os chamados padrões de terceiro mundo.

Você planeja voltar a trabalhar numa fábrica em breve. Hoje em dia, reportagens pessoais já fazem parte do repertório padrão na mídia. Não há mais necessidade de se colar um bigode postiço. Agora que qualquer um pode tornar suas próprias experiências públicas – em tempos de YouTube – o jornalismo sob disfarce não ficou ultrapassado?

Acabei de dar uma prova do contrário com o trabalho dos call centers. O curto tempo que passei em dois deles chamou tanta atenção do público para o tema, que políticos estão reagindo e empresários estão inquietos. O ato de se colocar dentro de uma situação dá uma autenticidade e uma força de expressão muito mais fortes do que quando se afirma ou investiga algo do lado de fora. Acho essencial que mais pessoas façam isso.

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