"A jihad como revolta da juventude está crescendo"
Matthias von Hein (brv)27 de novembro de 2015
O que leva jovens europeus a se aproximarem de jihadistas violentos? Como se pode evitar a adesão ao extremismo? Para o especialista em islamismo Olivier Roy, a juventude precisa experimentar o fracasso da jihad.
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O pesquisador francês Olivier Roy é autor de numerosos livros sobre o islamismo, entre eles A santa ignorância, O islã globalizado e Alaicidade face ao islã. Atuando desde 2009 no Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália, ele defende que há diversas e distintas manifestações dentro do islamismo.
Em entrevista à DW, ele fala sobre o que leva jovens a aderirem a práticas violentas como as da jihad. Apontando o extremismo islâmico como a nova forma de revolta juvenil, o cientista social explica que os jovens encontram espaço e reconhecimento em meio a ideologias fáceis desse tipo.
Para Roy, aqueles que já trabalharam pela ideologia jihadista e a abandonaram poderiam ter um papel importante para convencer jovens com tendências radicais: eles poderiam mostrar que não vale a pena dar a vida por essa causa extremista.
Deutsche Welle: Os terroristas de Paris cresceram em nossa sociedade. O que atrai jovens europeus para o radicalismo islâmico e o jihadismo?
Olivier Roy: Entre eles, predomina uma frustração perante a sociedade. Trata-se de uma juventude rebelde, que busca algo por que possa se engajar. A jihad é perfeito: quando você entra nele, se torna um herói, aparece nas manchetes dos jornais, todos vão falar de você. Tanto faz que as pessoas o odeiem, pois você já as odeia, de qualquer jeito.
No mercado das revoltas da juventude, o jihadismo está em alta. Há 30 anos existia o extremismo de esquerda, os movimentos revolucionários. Mas a ideologia da esquerda é intelectual demais para esses jovens: eles querem algo mais brutal, eles querem combater.
Algumas pessoas são mais suscetíveis ao radicalismo?
Na França, há os muçulmanos da segunda geração. Eles nasceram e cresceram no Ocidente, mas seus pais vêm de um país muçulmano. Eles têm problemas na transmissão de culturas e tradições, em muitos casos os pais não passaram adiante sua cultura, nem lhes deram uma formação religiosa. Por isso, eles precisam começar do zero.
No salafismo e no fundamentalismo islâmico, encontram a religião que lhes convém, pois é uma religião de normas, mandamentos e proibições. Além disso é uma forma de religião que traça uma linha clara entre os fiéis – os "bons" – e os infiéis – o seja, todos os outros, inclusive os pais e outros muçulmanos. Assim, o salafismo é para eles uma espécie de ideologia pronta, que lhes dá o sentimento de pertencer a uma vanguarda ou elite que está salvando o mundo.
Isso poderia explicar a radicalização religiosa. Mas não o fato de eles estarem prontos a combater e matar – se preciso, a si mesmos.
Com certeza! A radicalização religiosa não leva automaticamente ao jihad: apenas uma pequena minoria acaba caindo nele, os que são fascinados por violência e morte. Há uma dimensão suicida e niilista: na Europa, eles não tentam de verdade escapar após os atentados, a maioria morre diretamente no local. Quando vão para a Síria, eles se candidatam voluntariamente aos ataques suicidas. Ou deixam o "Estado Islâmico" (EI) usá-los como "bucha de canhão". Essas pessoas têm claramente uma cultura da morte.
O senhor vê alguma possibilidade de chegar a elas? Quando pais, amigos ou colegas observam que seu filho, amigo ou conhecido está indo numa direção perigosa?
É claro que o meio social é muito importante. Mas a experiência mostra: quando eles ultrapassam um certo ponto, não há mais como convencê-los. O único meio que poderia trazê-los de volta é quando eles vivenciam o fracasso de seu próprio jihad. Temos centenas de jihadistas que voltam da Síria. Alguns possivelmente cometeram terríveis crimes por lá, mas outros estão decepcionados e se afastaram do jihad. Essas pessoas poderiam ter um importante papel em convencer outras que não vale a pena dar a vida por essa luta.
Muitos terroristas já cumpriram penas na cadeia, e o período na prisão teve papel importante em sua radicalização. Como se pode evitar isso?
Entre os jovens condenados, há um grande percentual de muçulmanos da segunda geração. Os jovens são abertos à manipulação e às influências, e se deve cuidar das necessidades psicológicas e espirituais dos jovens presos. Por isso cada país deveria criar um sistema profissional de assistência espiritual muçulmana nas prisões.
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: AP
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
Foto: AP
Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.