Centenário do escritor serve para rever obra daquele que via o alemão como "idioma da ternura", defendia relacionamentos nada convencionais e usava a própria biografia como instrumento de reflexão.
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Segundo seu biógrafo Sven Hanuschek, o escritor Elias Canetti se voltava com veemência contra todo tipo de especialização. Uma postura compreensível, considerando que, apenas em seus primeiros 16 anos de vida, Canetti falou quatro idiomas e teve contato com mais seis línguas e universos culturais. Para depois se transformar num escritor cuja obra dificilmente se enquadra em gêneros. Elias Canetti ensaísta? Não apenas. Também dramaturgo, uma espécie incomum de sociólogo ou etnólogo etc, etc.
Ladino, inglês, alemão, búlgaro
Seu nome não é associado num primeiro momento à Alemanha, embora ele tenha optado pelo idioma alemão para escrever – a língua "da ternura" entre seus pais e que se tornaria seu principal instrumento de expressão. Canetti, na verdade, passou no país pouco de seu longo tempo de vida (morreu em 1994).
Nascido na Bulgária há exatos cem anos (a 25/07/1905), em Ruse, um porto localizado às margens do Danúbio, aprendeu na infância o ladino de seus pais, uma variante do espanhol falada pelos judeus sefarditas da Península Ibérica, que haviam chegado à Bulgária depois de passar pela Turquia.
Aos seis anos de idade, sua família se mudou para Manchester, onde Canetti entrou em contato com o inglês. Um ano depois, com a morte do pai, sua mãe seguiu com os filhos para Viena. Em 1916, mudaram mais uma vez, indo para a Suíça.
De lá, Canetti foi para Berlim, onde concluiu a escola. Em 1924, começou a estudar Química na Universidade de Viena, onde finalizou seu doutorado. Da Áustria saiu apenas 14 anos mais tarde, em 1938, com a tomada do país pelos nazistas.
Biografia como espelho de uma época
Via Paris Canetti seguiu para Londres, que seria, ao lado de Zurique, um de seus "portos" no decorrer de uma biografia fragmentada não incomum para a época. Talvez seja exatamente em função de tantos deslocamentos de culturas e perspectivas que a autobiografia de Canetti, publicada em três volumes (A Língua Absolvida; Uma Luz no meu Ouvido; O Jogo de Olhos), seja um dos pontos mais interessantes de sua obra. Uma obra composta por mil páginas publicadas e um volume dez vezes maior armazenado em seu espólio. E que vem sendo aberto, por determinação do próprio, com o passar dos anos.
Diante de tamanha terra ainda incógnita na obra canettiana, não são poucos os jornais de língua alemã que podem se dar ao luxo de publicar textos inéditos do escritor por ocasião de seu centenário. Como o semanário Die Zeit, que tem em sua última edição quatro contos dos chamados Estenogramas, escritos entre 1933 e 1942.
Ou o diário Frankfurter Rundschau, que foi buscar no espólio do irmão Georg uma carta inédita, na qual o iniciante Elias lamenta, em outubro de 1935, "o desprezo silencioso por um homem que se diz escritor, mas não é publicado", numa referência direta ao comportamento da família, inclusive da mãe, durante uma de suas visitas à França, onde viviam.
"Autor do século 20 que mais refletiu"
Do espólio de Canetti ainda vão certamente sair várias surpresas, algumas delas pinceladas pela biografia de Hanuschek. Outras só virão à tona à custa de um trabalho minucioso no universo de milhares de páginas escritas, dia após dia, desde 1942, durante mais de 50 anos. Além das anotações iniciais e cheias de lacunas armazenadas pelo escritor a partir de meados dos anos 20.
Não pelo volume de anotações, mas pela riqueza quase ferina de seu olhar, "Canetti é, provavelmente, o autor do século 20 que mais refletiu", diz o biógrafo Hanuschek. Reflexões essas que vão do ensaio filosófico-etnológico sobre as ambivalentes relações entre Massa e Poder (volume publicado pela primeira vez em 1960, pelo qual Canetti recebeu em 1981 o Prêmio Nobel de Literatura), passando pelos ataques à história e seus cronistas, para terminar (ou recomeçar mais uma vez) no confronto com a morte, um de seus temas recorrentes.
Insistência de protesto
Toda a obra permeada, como define o diário Neue Zürcher Zeitung, por sua "insistência de protesto", sentida nas anotações e aforismos. Sejam estes sobre religião – vista como escândalo, quando tem como meta tornar tênue a aceitação do efêmero – ou sobre a história, vista como um reordenar contínuo de novas ruínas.
O olhar em direção ao homem Elias Canetti, no entanto, remete a uma frase do próprio: "Todas as grandes relações pessoais são para mim um enigma". Casado de 1934 até 1963 com Veza Taubner-Calderon, e de 1971 a 1988 com Hera Buschor, Canetti via na "vida de casal" uma aberração.
Os relacionamentos com suas várias amantes durante o primeiro casamento – Frieda Benedikt, Marie-Louise von Motesiczky, entre outras – provam, segundo o biógrafo Hanuschek no diário Die Welt, "a busca de constelações complicadas e de difícil equilíbrio, que impedem um relacionamento de casal regular e podem ser ampliadas a todo momento". Para manter tais artimanhas amorosas em funcionamento, Elias Canetti morou, mesmo durante o longo casamento com Veza Taubner, sozinho.
Prêmios Nobel de Literatura desde 2000
Os laureados no século 21 não poderiam ser mais distintos. Entre eles, uma sarcástica dramaturga austríaca, o primeiro Nobel turco, um autor chinês controverso, um norueguês que escreve em dialeto minoritário.
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2023: Jon Fosse
Jon Fosse recebeu o Nobel por "suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível". Além de mais de 40 obras teatrais, o norueguês nascido em 1959 publicou romances, ensaios, coletâneas de poesia e livros infantis. Ele escreve em "novo norueguês", desenvolvido no século 19 a partir de dialetos rurais e falado por apenas 10% da população. Seus livros já foram traduzidos em mais de 40 idiomas.
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2022: Annie Ernaux
Autora de mais de 20 livros, Annie Ernaux é conhecida por seus romances autobiográficos e livros de memórias, em geral curtos e baseados em experiências de classe e gênero. Ao premiar a ffrancesa nascida em 1940, a Academia louvou a "coragem e acuidade clínica com que revela as raízes, estranhamentos e inibições coletivas da memória pessoal".
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2021: Abdulrazak Gurnah
Abdulrazak Gurnah nasceu na Tanzânia em 1948 e desde os anos 60 mora na Inglaterra, onde lecionou Inglês e Literatura Pós-Colonial na Universidade de Kent. A Academia Sueca citou sua "dedicação à verdade e sua aversão à simplificação", em obras que "evitam descrições estereotipadas e abrem nosso olhar para uma África Oriental culturalmente diversa". "Paraíso" é um dos dez romances de sua autoria.
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2020: Louise Glück
A poeta americana Louise Glück foi agraciada em 2020 por sua "voz poética inconfundível que, com beleza austera, torna universal a existência individual". Nascida em Nova York, a escritora fez sua estreia literária em 1968 e, segundo o comitê, ''logo se tornou uma das poetas mais proeminentes da literatura americana contemporânea''. Desde 2011 um poeta não levava o Nobel.
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2018: Olga Tokarczuk, 2019: Peter Handke
Como anunciado, a academia concedeu dois prêmios em 2019. A escritora polonesa Olga Tokarczuk recebeu o de 2018 pela "imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida". O austríaco Peter Handke ficou com o de 2019 pelo "trabalho influente que, com ingenuidade linguística, explorou a periferia e a especificidade da experiência humana".
2018: escândalos impossibilitam premiação
Em maio de 2018, a Academia Sueca comunicou que o Prêmio Nobel de Literatura não seria concedido naquele ano, depois que alegações de abusos sexuais e escândalos de crimes financeiros mancharam a reputação da organização. Na ocasião, a entidade informou que, no ano seguinte, dois prêmios seriam entregues. Foi a primeira vez desde 1949 que o prêmio não foi concedido.
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2017: Kazuo Ishiguro
O escritor britânico nascido no Japão Kazuo Ishiguro foi laureado com o Nobel de 2017. A Academia Sueca destacou a "grande força emocional" de sua obra. "Os escritos de Ishiguro são marcados por um modo de expressão cuidadosamente restrito, independentemente de qualquer evento que ocorra", disse a Academia. Entre seus romances mais famosos está "Os vestígios do dia", de 1989.
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2016: Bob Dylan
Em 2016, uma polêmica: o prêmio foi para um cantor e compositor, Bob Dylan. O astro da música folk e do rock foi escolhido por criar "novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana". Após o anúncio, Dylan silenciou por algumas semanas, o que colocou em dúvida se ele aceitaria a homenagem. Por fim, ele disse que ficou sem palavras, mas optou por não ir à cerimônia.
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2015: Svetlana Alexievitch
Na figura de uma autora bielorussa, o Comitê do Prêmio Nobel reconheceu uma nova forma de autoria. Em suas reportagens e ensaios, Svetlana Alexievitch desenvolveu um estilo literário todo próprio, realizando entrevistas e adensando-as em emocionais colagens da vida quotidiana. Enquanto cronista do sofrimento humano, ninguém documentou a decadência da União Soviética como ela.
Foto: Imago/gezett
2014: Patrick Modiano
Guerra, amor, ocupação, morte são os temas que ocupam o ator francês Patrick Modiano, ao processar as lembranças de sua infância infeliz na Paris do pós-Guerra. O júri do Nobel o elegeu precisamente por essa "muito especial arte da memória". Há muito consagrado em seu país, até ser laureado ele era pouco conhecido em nível internacional.
Para a Academia Sueca, que concede o prêmio anualmente desde 1901, Alice Munro é uma "mestra da crônica contemporânea". Entre as características inovadoras dos contos da escritora canadense está o livre trajeto na linha do tempo. Uma colega americana a classificou como "o nosso Tchecov".
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2012: Mo Yan
O chinês Guan Moye é melhor conhecido por seu pseudônimo Mo Yan. O Comitê Nobel louvou nele um autor que, "com realismo alucinógeno, combina contos de fadas, história e presente". A decisão foi criticada pelo artista chinês Ai Weiwei, para quem seu compatriota era próximo demais do regime comunista.
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2011: Tomas Tranströmer
Em sua justificativa sobre Tomas Gösta Tranströmer, o júri louvou as "imagens comprimidas, esclarecedoras, que apontam novos caminhos para o real". Na década de 60, o poeta sueco trabalhou como psicólogo numa instituição para jovens delinquentes. Seus poemas foram traduzidos para mais de 60 idiomas.
Foto: Fredrik Sandberg/AFP/Getty Images
2010: Mario Vargas Llosa
O autor peruano Mario Vargas Llosa recebeu o Nobel por "sua cartografia das estruturas de poder e seus enérgicos retratos da resistência individual, da rebelião e da derrota". Na América Latina, ele ficou famoso pela frase, pronunciada na televisão: "México é a ditadura perfeita", assim como suas invectivas contra o ex-amigo Gabriel García Márquez, em 1976.
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2009: Herta Müller
Como mais recente laureada germanófona, a teuto-romena Herta Müller foi destacada por, "com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados". Ela também critica em suas obras o autoritário regime Ceaușescu, que até 1989 geriu os destinos da Romênia. Entre seus romances editados em português estão "A terra das ameixas verdes" e "O compromisso".
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2008: Le Clézio
Segundo a Academia Sueca, Jean-Marie Gustave Le Clézio é "o autor da ruptura, da aventura poética e do êxtase sensorial", além de "estudioso de uma humanidade abaixo e acima da civilização dominante". Filho de uma francesa e de um nativo de Maurício, ele considera esse Estado insular no Oceano Índico sua "pequena pátria".
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2007: Doris Lessing
A britânica Doris Lessing publicou tanto romances e contos quanto peças teatrais. A Academia Sueca a saudou como "épica da experiência feminina, que, com ceticismo, paixão e força visionária, colocou à prova uma civilização fragmentada". A hoje nonagenária já se engajou contra a energia atômica e foi opositora eloquente do regime do apartheid na África do Sul.
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2006: Orhan Pamuk
Ao homenagear Istambul, o primeiro ganhador do Nobel da Literatura de nacionalidade turca "encontrou novas imagens simbólicas para o conflito e o entrelaçamento das culturas, em busca da melancólica alma de sua cidade natal". Ferit Orhan Pamuk é o escritor turco mais lido do mundo, com 11 milhões de livros vendidos e traduções em 35 idiomas.
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2005: Harold Pinter
O dramaturgo inglês Harold Pinter morreu de câncer pulmonar três anos após receber o Nobel. Com seus dramas, apontou o júri, ele "revelou o precipício sob a conversa fiada do dia a dia", penetrando "no espaço fechado da repressão". Tendo escrito também para a TV e o cinema, ele também foi ator e diretor de várias de suas peças.
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2004: Elfriede Jelinek
A autora austríaca Elfriede Jelinek recebeu o Prêmio Nobel pelo "fluxo musical de vozes e contravozes em seus romances e dramas", em que desmascara os clichês sociais. Um de seus temas centrais é a sexualidade feminina. O romance "A pianista" (1983) foi base para o filme homônimo de 2011, dirigido por Michael Haneke e com Isabelle Huppert no papel principal.
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2003: John M. Coetzee
Segundo o júri, John Maxwell Coetzee retrata "a participação do ser humano na diversidade da existência, de maneira muitas vezes atordoante". Além do Nobel, o autor da África do Sul já recebeu duas vezes o prestigioso Man Booker Prize. Seu romance mais conhecido, "Desgraça" (1999), que trata da era pós-apartheid, foi transformado nove anos mais tarde no filme "Desonra".
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2002: Imre Kertész
O sobrevivente de Auschwitz Imre Kertész foi laureado por uma obra que "contrapõe a frágil experiência do indivíduo à bárbara arbitrariedade da história". O judeu húngaro descreveu em seus romances os horrores dos campos de concentração. Em "Sem destino", uma das mais impressionantes narrativas sobre o Holocausto, ele trabalhou mais de 13 anos.
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2001: Vidiadhar Naipaul
Uma arte narrativa "em que ele conjuga uma percepção particularmente sensível com meticulosidade irreprimível, para nos obrigar a reconhecer a contemporaneidade das histórias reprimidas": assim o Comitê justificou a escolha de Vidiadhar Surajprasad Naipaul. O indo-britânico tomou como tema a liberdade do indivíduo numa sociedade em ocaso, em diversas regiões do mundo.
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2000: Gao Xingjian
O primeiro Prêmio Nobel da Literatura do século 21 coube ao chinês Gao Xingjian, escolhido por "uma obra de validade universal", marcada por "amargos insights e riqueza linguística", abrindo novos caminhos para a prosa e o teatro na China. Desde 1987 ele vive e atua em Paris como autor, dramaturgo e pintor.