A longa tradição dos mercados de Natal na Alemanha
Gaby Reucher | Laura Döing fc
21 de dezembro de 2016
Surgidas na Idade Média, as feiras natalinas são vistas pelos alemães como um refúgio da vida cotidiana. Ataque a mercado em Berlim é também um atentado à alegria despreocupada associada ao evento, afirma especialista.
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O aroma de amêndoas torradas, vinho quente e biscoitos doces paira no ar. Músicas festivas tocam nos alto-falantes, e, no palco, corais infantis cantam músicas natalinas. Na Alemanha, o mercado de Natal é um lugar de felicidade e aconchego.
"É um refúgio da vida cotidiana, e é isso que as pessoas amam", afirma o pesquisador de tradições Manfred Becker-Huberti.
A alegria das feiras natalinas na Alemanha é procurada por cerca de 85 milhões de alemães e estrangeiros a cada ano. Em 2013, foram contabilizadas 1.450 mercados do tipo espalhados pelo país. Exatamente essa alegria despreocupada foi o objetivo do atentado contra a feira de Natal na praça Breitscheidplatz, no coração de Berlim, nesta segunda-feira (19/12).
"Acredito que o sentido deste ataque também seja mostrar que as pessoas estão vulneráveis nesta situação. Num local onde as pessoas expressam não força, mas sentimento, e onde são especialmente vulneráveis. Ter justamente esse lugar como alvo é o que especialmente nos atinge. Isso é o perverso neste atentado", diz Becker-Huberti.
O aspecto religioso dos mercados de Natal não seria tão relevante, afirma o especialista, pois originalmente as feiras de Natal não tinham nada a ver com a religião cristã.
Um dos mercados natalinos mais antigas da Alemanha é o Striezelmarkt, em Dresden, fundado em 1434. A primeira referência escrita ao mundialmente famoso Christkindlmarkt, de Nurembergue, data de 1628.
Na Idade Média, os primeiros mercados tinham pouco apelo espiritual, mas ofereciam todos os tipos de utilidades para casa, aponta Becker-Huberti. O trabalho no campo era pausado no inverno. A população precisava, então, de suprimentos, roupas quentes e especiarias para a estação mais fria do ano.
Por essa razão eram realizados na época do Natal os mercados na praça da igreja. "Se a pessoa vinha de fazendas afastadas para a pequena cidade com o objetivo de comprar algo, ela se encontrava com pessoas que quase não via durante todo o ano, quer dizer, havia sempre um caráter social. Os mercados ofereciam possibilidades de entrar em contato e conversar com outras pessoas", diz Becker-Huberti.
A influência de Lutero
A Reforma Protestante transformou os mercados de Natal. Martinho Lutero queria abolir os santos católicos – especialmente São Nicolau. E ele tentou isso com a seguinte estratégia: a tradicional entrega de presentes realizada no Dia de São Nicolau, em 6 de dezembro, deveria ser realizada no Natal. Dessa forma, Lutero queria tirar o ato de presentear das mãos de São Nicolau para, finalmente, torná-lo totalmente dispensável, afirma o especialista Becker-Huberti.
Por isso que, em muitos lugares, da Alemanha e de outros países europeus, não é o São Nicolau que traz os presentes na véspera do Natal, mas o Menino Jesus. "Se alguém precisava de coisas para o Natal que não podiam ser produzidas pela própria pessoa, ela procurava os mercados de Natal, que originalmente eram focados em mercadorias totalmente diferentes", afirma.
Assim nascia o mercado de Natal moderno – e nele não havia somente gado e mercadorias, mas também decoração para árvore de Natal e presentes.
Mercados de Natal e diversidade
Desde a segunda metade do século 20, verifica-se um crescimento constante do consumo nos grandes mercados natalinos, aliado à venda de vinho quente e bugigangas. Mas ainda existem muitas feiras de Natal pequenas e personalizadas.
A variedade na Alemanha é grande: desde mercados de contos de fadas até veganos, passando por feiras LGBT. Os mercados de Natal se tornaram um bem cultural de exportação. É possível encontrá-los de Osaka, no Japão, até Chicago, nos EUA – onde há, inclusive, uma "filial" do mercado de Natal de Nurembergue, o Christkindlesmarkt.
A feira de Nuremebergue é conhecida principalmente por seu Lebkuchen (pão de mel natalino), repleto de especiarias, as quais eram comercializadas na cidade na Idade Média. Todos os anos, uma jovem representa o Menino Jesus usando uma peruca loira e asas douradas.
O Christkindlesmarkt, um dos mercados de Natal alemães mais conhecidos no exterior, também valoriza a antiga tradição do artesanato, explica Michael Fraas, encarregado de economia de Nurembergue. Ele e sua equipe são responsáveis pela organização do mercado de Natal.
"Em essência, é um mercado tradicional, e isso nós valorizamos. A maioria dos estandes oferece artesanato. Nós não queremos que a feira se torne puramente um local só para se beber", diz.
Dez palavras associadas ao Natal na Alemanha
O Natal é celebrado em vários países, mas alguns detalhes – e as palavras usadas para descrevê-los – podem revelar diferenças culturais interessantes. Reunimos alguns termos ligados aos rituais natalinos na Alemanha.
Foto: Matthias Bein/dpa/picture alliance
Vorfreude
Não há palavra em português que traduza exatamente o termo "Vorfreude" (alegria antecipada). O ditado alemão "Vorfreude ist die schönste Freude" diz que a expectativa é a maior das alegrias. As crianças aprendem rapidamente que a impossível lista de presentes nem sempre será atendida. A parte divertida é que podem manter a esperança de que, talvez, seus desejos sejam realizados no próximo ano.
Foto: Fotolia/famveldman
Plätzchen
Uma boa maneira de adoçar a longa (mas alegre) espera pelo Natal é com biscoitos. Os que os alemães preparam são chamados de "Plätzchen", termo que literalmente significa "pequeno lugar" e é também o diminutivo da antiga palavra "Platz", usada para designar um pequeno bolinho achatado. Sempre há espaço para comer mais um ou dois deles, não importa o quão satisfeito se esteja.
Foto: Fotolia/racamani
Lametta
Numa esquete de Natal do comediante alemão Loriot, de 1978, um avô reclama: "Früher war mehr Lametta!" (Costumava haver mais ouropel!). O casal decorando a árvore de Natal explica que, agora, prefere enfeites ecológicos. O ouropel, lâmina de metal amarelo que imita ouro, surgiu em Nurembergue por volta de 1610. Ele era feito com fios de prata e, mais tarde, de chumbo – até descobrirem ser tóxico.
Foto: hetwig/Fotolia
Krippenspiel
Na Alemanha, mesmo famílias não religiosas costumam ir à igreja na véspera de Natal. Afinal, a origem da celebração é o nascimento de Jesus, e as crianças devem ao menos saber disso antes de aproveitar os presentes. A maioria das missas e cultos inclui uma "Krippenspiel" (encenação do Presépio), na qual crianças recriam os acontecimentos que nos levam, 2 mil anos depois, a celebrar o Natal.
Foto: picture alliance/Pixsell
Christkind
Em algumas partes da Alemanha e em outros países europeus, não é o Papai Noel quem traz os presentes e os coloca sob a árvore de Natal, mas sim "Christkind", o Menino Jesus, representado por um anjo loiro com asas. O bom velhinho começou a assumir o papel em meados do século 20, ao aparecer em filmes americanos. Mas muitas crianças alemãs continuam endereçando sua lista de desejos ao "Christkind".
Foto: picture alliance/Wolfram Kastl
Bescherung
Esta é a prova definitiva de que os alemães são mais precisos com seu vocabulário de Natal. De forma concisa, "Bescherung" se refere ao momento em que os presentes são trocados na véspera de Natal. Quando se acrescenta o adjetivo "bonito", "schöne Bescherung", a expressão pode ironicamente significar "que bagunça". Esse foi o título em alemão do filme "Férias Frustradas de Natal".
Foto: Imago/Westend61
Heiligabend
Os presentes são tradicionalmente trocados na véspera de Natal, chamada em alemão de "Heiligabend" (noite sagrada). O próprio Natal é chamado de "Weihnachten", termo derivado do antigo dialeto germânico e que significa "noites sagradas". A palavra está no plural, pois tradicionalmente a celebração durava 12 dias. Atualmente, na Alemanha, ela vai da noite de 24 até 26 de dezembro.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Schuh
Raunächte
Embora as datas exatas se diferenciem de uma região para outra, geralmente "Raunächte" corresponde ao período conhecido como "os 12 dias de Natal", de 25 de dezembro a 6 de janeiro, terminando com a celebração cristã da Epifania. Segundo a mitologia germânica, durante esse período especial do ano animais seriam capazes de prever o futuro, e os demônios poderiam fazer uma visita a qualquer momento.
Foto: picture alliance/Arco Images/G. Lenz
Morgenland
Epifania é a celebração também conhecida como Dia de Reis, quando os três Reis Magos teriam vindo "do Oriente" trazendo preciosos presentes para Jesus. Em alemão, eles são chamados de "Die Weisen aus dem Morgenland" (Os sábios do Oriente). Lutero cunhou o termo "Morgenland" em sua tradução da Bíblia. Hoje, a palavra é uma maneira ultrapassada de se referir ao Oriente Médio ou ao Extremo Oriente.
Foto: picture alliance/Arco Images/J. J. Guillen
Hüftgold
Esta não é exclusivamente uma palavra para a época do Natal, mas é, certamente, uma brilhante expressão alemã: "Hüftgold" (ouro de quadril, em tradução literal; ou os famosos pneuzinhos) é o que você deverá acumular depois dos vários dias de festa. Vá em frente e aproveite todas as deliciosas guloseimas de Natal, afinal, as gordurinhas extras vão fazer você brilhar como ouro.
Foto: Fotolia/haveseen
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Medidas de segurança mais rigorosas nos mercados de Natal
Fraas viveu por 11 anos em Berlim e conhece o mercado localizado na praça Breitscheidplatz, onde um caminhão avançou contra a multidão na noite desta segunda-feira.
"Isso atinge naturalmente o lado emocional quando se é responsável por um dos mercados de Natal mais famosos. Antes, alguns disseram: 'tem que ter tantos policiais por aqui?' Agora, muitos dizem 'que bom que a polícia está aqui'", afirma.
Após o atentado em Berlim, a polícia reforçou as medidas de segurança em muitos mercados de Natal na Alemanha. Na capital, mais policiais deverão fazer patrulhamento e, além disso, proteções de concreto deverão bloquear as vias de acesso aos principais mercados de Natal, como, por exemplo, o Striezelmarkt, de Dresden.
Fraas diz que não deixará de ir com os filhos ao mercado de Natal nos próximos dias. Becker-Huberti afirma o mesmo. "Acredito que as pessoas não deixarão que iso seja tirado delas – e elas são inteligentes se não o fizerem. Tomar cuidado é uma coisa, fugir de medo é outra. Exatamente esse medo não podemos mostrar e não podemos deixá-lo dominar em nossos corações", opina o especialista, acrescentando que continuará visitando os mercados de Natal.
O que se sabe sobre a tragédia em Berlim
Reunimos os principais fatos sobre o ataque com um caminhão à feira de Natal na praça Breitscheidplatz, no bairro de Charlottenburg, em Berlim.
Foto: Reuters/P. Kopczynski
O local
Por volta das 20h (hora local) de segunda-feira (19/12), um caminhão avançou contra uma feira de Natal na praça Breitscheidplatz, no bairro de Charlottenburg, em Berlim. A praça diante da Igreja Memorial do Imperador Guilherme é um destino turístico conhecido. Próximos dali ficam a Estação Zoo e a famosa avenida Kurfürstendamm.
Foto: Google Earth
O que ocorreu
O caminhão invadiu a calçada e avançou cerca de 80 metros sobre a feira de Natal, atropelando pessoas e destruindo barracas. As autoridades dizem não haver dúvidas de que se trata de um atentado e partem do princípio de que seja um ato terrorista.
Foto: Reuters/F. Bensch
As vítimas
Ao menos 12 pessoas morreram e outras 56 ficaram feridas, 30 das quais em estado grave. Oito dos mortos foram identificados como alemães, um homem é polonês, uma mulher é israelense, uma segunda é italiana e um outra é da República Tcheca.
Foto: Reuters/P. Kopczynski
A vítima polonesa
A primeira vítima do atentado foi o polonês Lukasz U., de 37 anos, motorista do caminhão sequestrado pelo autor do ataque. Segundo investigadores, o polonês foi esfaqueado diversas vezes, sugerindo que teria tentado reassumir o volante do veículo. Após a autópsia, contudo, constatou-se que Lukasz fora fuzilado horas antes do ataque. A polícia encontrou o corpo do polonês na cabine do veículo.
Foto: picture alliance/AP Photo/Str
As investigações
As investigações foram encaminhadas à Procuradoria Federal, responsável por casos de terrorismo. Os motivos do atentado ainda são desconhecidos, mas ele é investigado como sendo um atentado terrorista. Investigadores falam que várias pessoas podem estar envolvidas. Uma operação de busca foi realizada pela polícia num abrigo de refugiados de Berlim.
Foto: Reuters/P. Kopczynski
O primeiro suspeito
O refugiado paquistanês detido por suposto envolvimento no ataque foi solto pelas autoridades. A Procuradoria Federal comunicou que não foi expedido nenhum mandado de prisão contra o jovem de 23 anos, que entrou no país como refugiado em 31 de dezembro de 2015. As investigações não conseguiram provar que ele esteve na cabine do caminhão. Não havia, por exemplo, manchas de sangue na roupa dele.
Foto: Reuters/H. Hanschke
O segundo suspeito
Anis Amri, um tunisiano de 24 anos, é o principal suspeito. Ele foi morto por policiais italianos quatro dias depois do ataque. Amri chegou à Alemanha em 2015 e teve pedido de refúgio negado em junho de 2016. Como não pôde ser deportado por questão burocrática, passou a ser "tolerado". Ele circulava entre Berlim e o estado da Renânia do Norte-Vestfália. Um documento dele foi encontrado na cabine.
Foto: picture-alliance/dpa/Bundeskriminalamt
Os responsáveis
O tunisiano Anis Amri, de 24 anos, é o suspeito de ser o condutor do caminhão. Ele foi morto por policiais italianos na madrugada desta sexta-feira. Um documento dele, de "refugiado tolerado" na Alemanha, foi encontrado na cabine do caminhão. O "Estado Islâmico" assumiu a autoria do ataque.