Crime em Minneapolis despertou alerta contra a violência policial racista nos EUA. Há quem concorde que houve avanços, agentes envolvidos foram condenados e presos, mas promessa de reforma da polícia não foi cumprida.
Anúncio
Nove minutos e 29 segundos chocaram o mundo exatos três anos atrás. Um vídeo feito com celular por um transeunte em Minneapolis, nos Estados Unidos, se tornou um documento do horror. Ele mostrava o policial branco Derek Chauvin pressionando o joelho contra o pescoço de George Floyd, que, por sua vez, implorava para que pudesse respirar e pedia ajuda à mãe. Enquanto isso, os colegas de Chauvin – Alexander Kueng, Tou Thao e Thomas Lane – observavam inertes. Em decorrência disso, segundo a conclusão da autópsia, Floyd ficou inconsciente e morreu.
O crime desencadeou protestos contra o racismo e a violência policial que acabaram ultrapassando as fronteiras dos EUA. Em muitas cidades americanas, o estado de emergência decorrente daquele 25 de maio de 2020 durou dias ou semanas. A raiva acumulada ao longo de décadas de assédio cometido por policiais brancos e a frustração com oracismo estrutural incansavelmente denunciado irromperam em revoltas violentas, barricadas em chamas e cidades do interior devastadas.
Chauvin e colegas condenados
Joe Biden, que menos de um ano depois do crime sucedeu o então presidente Donald Trump na Casa Branca, prometeu justiça, reformas estruturais na polícia e até o fim do racismo se fosse eleito.
Outros dois anos se passaram, e muito aconteceu. Em dois julgamentos diferentes, Chauvin foi condenado por assassinato e violação dos direitos constitucionais de Floyd, com penas que somam mais de 40 anos de prisão. Ele já está cumprindo a sentença, assim como seus colegas, que também foram condenados por violar direitos civis constitucionais. Outros processos ainda estão pendentes.
É pelo menos um vislumbre de justiça. Muitos especialistas concordam que o veredito provavelmente não teria sido tão claro se não houvesse um vídeo como prova. Até hoje, policiais brancos costumam se livrar de seus atos desumanos porque muitos acreditam neles, e não nas vítimas negras ou seus familiares.
Lutas de poder burocráticas
Há alguns dias, o jornalista Robert Samuels recebeu o Prêmio Pulitzer por seu livro His name is George Floyd (Seu nome é George Floyd). Em entrevista à DW, ele afirma que Biden, inclusive após assumir a presidência dos EUA, prometeu diversas vezes implementar grandes reformas na polícia, mas nada aconteceu.
"As coisas nunca são tão fáceis em Washington", diz Samuels. "Embora haja muita solidariedade neste país para acabar com o racismo estrutural e evitar que algo assim volte a ocorrer, a reforma ficou atolada em lutas de poder burocráticas."
Segundo o jornalista, nem mesmo as inúmeras pessoas que saíram às ruas seriam capazes de mudar isso. "Eles acreditavam que, depois de um assassinato tão horrível, poderia ter surgido uma chance de o mundo mudar", afirma, mas foram confrontados com a triste realidade dos EUA. "Assim que se fala em racismo estratégico, as pessoas se sentem acusadas, expostas e não querem falar sobre o assunto de verdade."
Imagens mostram Floyd implorando pela vida
03:45
Samuels aponta para o fato de a cor da pele, ainda hoje, continuar determinando quem vai ser preso pela polícia ou até mesmo levar um tiro. "Vemos que a história se repete", lamenta, citando o ressurgimento das discussões sobre o direito de voto, que há muito eram tidas como superadas. "Existem leis e projetos de lei que dificultam o voto dos negros neste país. Realmente não está claro como as coisas serão daqui para frente."
Anúncio
"Americanos negros estão mais vigilantes"
No fim das contas, foi em vão a luta por justiça após o caso George Floyd?
Na política, alguns nomes se destacaram por colocar no topo da agenda o combate ao racismo estrutural e à discriminação. Um deles é o de Zaynab Mohamed. No início de 2023, a então jovem de 25 anos chegou ao Senado representando o estado de Minnesota, onde fica Minneapolis, como a primeira parlamentar de ascendência somali.
Para Mohamed, houve avanços desde a morte de Floyd. "Os americanos negros em nosso estado, mas também no resto do país, tornaram-se muito mais vigilantes", disse ela à DW. "Também conseguimos melhorar algumas leis. Conseguimos, por exemplo, impedir que grupos neonazistas se infiltrassem em nossas autoridades policiais."
A senadora ainda considera adequada a jurisprudência do caso Floyd: "Que bom que Derek Chauvin foi condenado e está atrás das grades."
Mas ela destaca que a verdadeira justiça ainda está longe de ser alcançada: só existirá "quando fizermos mudanças sistêmicas em todos os departamentos e na política como um todo. Somente quando formos capazes de entender por que essas pessoas estão cometendo esses crimes e quando pudermos responsabilizá-las. Essa é a verdadeira mudança de que precisamos."
Protestos pela morte de George Floyd
Milhares se manifestaram nos Estados Unidos e até no Canadá contra o maltrato sistêmico de negros pela polícia, redundando em confrontações violentas. Trump contribuiu para acirrar os ânimos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Cortez
"Não consigo respirar"
Protestos tensos contra décadas de brutalidade policial perante cidadãos negros se alastraram rapidamente de Minneapolis a outras localidades dos Estados Unidos. As manifestações começaram na cidade do centro-oeste após a morte do afro-americano George Floyd, de 46 anos: em 25/05/2020, um policial o algemou e pressionou o joelho em seu pescoço até ele parar de respirar.
Foto: picture-alliance/newscom/C. Sipkin
De pacífico a violento
No sábado, os protestos foram basicamente pacíficos, mas se tornaram violentos com o avançar da noite. Em Washington, a Guarda Nacional foi mobilizada diante da Casa Branca. Tiroteios no centro de Indianápolis deixaram pelo menos um morto: segundo a polícia, não havia agentes envolvidos. Policiais ficaram feridos em Filadélfia. Em Nova York, dois veículos da polícia avançaram contra uma multidão.
Foto: picture-alliance/ZUMA/J. Mallin
Saques e destruição
Em Los Angeles, manifestantes enfrentaram com brados de "Black Lives Matter!" (Vidas negras importam) os agentes da lei armados de cassetetes e revólveres com balas de borracha. Na cidade, assim como em Atlanta, Nova York, Chicago e Minneapolis, os protestos se transformaram em revoltas de massa, com saques e destruição de estabelecimentos comercias.
Foto: picture-alliance/AP Photo/C. Pizello
Provocador de Estado
O então presidente Donald Trump ameaçou enviar militares para abafar os protestos: "Minha administração vai parar a violência de massa, e de uma vez só", anunciou, acirrando as tensões nos EUA. Apesar de ele ter culpado supostos grupos de extrema esquerda pelas agitações, o governador de Minnesota, Tim Walz, citou diversos relatos de que supremacistas brancos estariam incitando o conflito.
Foto: picture-alliance/ZUMA/K. Birmingham
Mídia na mira da polícia
Diversos jornalistas que cobriam os protestos foram atacados por policiais. Na sexta-feira (29/05), o correspondente da CNN Omar Jimenez e sua equipe foram presos em Minneapolis. A polícia local também atirou na direção de Stefan Simons, da DW, quando ele se preparava para transmitir ao vivo, na noite de sábado. Outros repórteres foram alvejados com projéteis ou detidos quando estavam no ar.
Foto: Getty Images/S. Olson
Além das fronteiras
As manifestações chegaram até o Canadá: no sábado milhares marcharam pelas ruas de Vancouver e Toronto. Nesta cidade, os participantes também lembraram a morte da afro-canadense Regis Korchinski-Paquet, de 29 anos, na quarta-feira (27/05), caída da varanda de seu apartamento no 24º andar, onde se encontrava só com policiais.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/A. Shivaani
#GeorgeFloyd
Milhares também desfilaram diante da embaixada dos Estados Unidos em Berlim, manifestando indignação contra o homicídio de Floyd e o racismo sistêmico.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M:.Schreiber
Casa Branca cercada
A Força Nacional fez um cordão de isolamento, no domingo, para proteger a Casa Branca. O presidente Trump chegou a ser levado para um bunker na sede do Executivo, que foi alvo de manifestações por dias.
Foto: Reuters/J. Ernst
Soldados em Washington
Após Trump anunciar o uso de soldados para conter as manifestações, o Pentágono deslocou cerca de 1.600 militares para a área de Washington para apoiar as forças de segurança da capital caso seja necessário, diante dos protestos que marcaram uma semana da morte de Floyd. Na Alemanha, o ministro do Exterior, Heiko Maas, criticou a ameaça de Trump de usar militares armados contra os manifestantes.
Foto: Getty Images/AFP/W. McNamee
Recado de Obama
No dia em que a procuradoria endureceu as acusações contras os quatro policias envolvidos na ação, o ex-presidente dos EUA Barack Obama disse que protestos refletem "mudança de mentalidade" no país e incentivou os jovens a continuar realizando as manifestações. "Espero que (os jovens) sintam esperança, ao mesmo tempo que estão indignados, porque eles têm o poder de mudar as coisas", afirmou.
Foto: Reuters/J. Skipper
Funeral reúne centenas em Minneapolis
Centenas participaram de uma cerimônia fúnebre em homenagem a George Floyd em 04/06. Elas ficaram em silêncio por 8 minutos e 46 segundos, tempo em que Floyd ficou com o pescoço prensado pelo joelho de um policial. "É hora de nos levantarmos em nome de Floyd e dizer: tirem o seu joelho dos nossos pescoços", afirmou o reverendo e ativista pelos direitos civis Al Sharpton (foto) durante o funeral.