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A luta contra o antissemitismo na França

Elizabeth Bryant rc
18 de fevereiro de 2019

O país europeu vive um aumento de ataques contra judeus. Há quem culpe os "coletes amarelos" por incentivarem o discurso de ódio, enquanto outros apontam para sentimentos há muito enraizados na sociedade francesa.

Placa em memória ao jovem judeu Ilan Halimi, morto em 2006 num subúrbio de Paris
Placa em memória ao jovem judeu Ilan Halimi, morto em 2006 num subúrbio de ParisFoto: picture-alliance//MAXPPP/dpa/A. Riou

"Vivenciei a Segunda Guerra Mundial e todo o sofrimento dos judeus deportados", afirmou Mauricette Rouffignat, de 84 anos, em frente a mais um local judaico profanado na França, o que parece trazer ecos de dias sombrios do passado. "Não podemos continuar indiferentes a esses acontecimentos, a esse racismo e insensibilidade crescentes", diz ela, que mora em Saint-Geneviève-des-Bois, nas proximidades de Paris, e não é judia.

Ao lado dela, políticos locais condenaram atos de intolerância e depositaram coroas de flores junto ao retrato de um jovem sorridente. Ilan Halimi, de 23 anos, foi deixado naquele local quase sem vida após ter sido sequestrado e torturado durante semanas. Por ser judeu, os sequestradores pensaram que sua família teria condições de pagar um alto valor para reavê-lo. Mas eles não podiam. Halimi acabou morrendo a caminho do hospital.

Isso ocorreu há 13 anos. Desde então, a França vivenciou uma série de incidentes terríveis de antissemitismo – de tiros disparados contra uma escola judaica em Toulouse em 2012 a um ataque terrorista contra um mercado kosher em 2015, ocorrido em meio à onda de atentados cometidos por militantes islamistas naquele ano na capital francesa.

Em 2018, a sobrevivente do Holocausto Mirelle Knoll, de 85 anos, se tornou a segunda idosa judia assassinada em muitos anos no país.

Mais uma vez, o antissemitismo voltou a assombrar a França. Segundo dados divulgados pelas autoridades francesas na semana passada, as ofensas contra judeus cresceram 74% em 2018 em comparação com o ano anterior.

"O governo deve fazer mais", diz o rabino Michel Serfaty, que lidera uma associação de integração judaico-muçulmana. "A luta contra o antissemitismo não pode ficar a cargo dos cidadãos e das comunidades. Deve se tornar uma causa nacional", defende.

Ilan Halimi foi morto em 2006 após ser sequestrado e torturadoFoto: DW/Elizabeth Bryant

Na semana passada, suásticas foram pichadas em caixas de correios que exibiam o rosto de outra sobrevivente do Holocausto, Simone Veil, uma das personalidades políticas mais reverenciadas da França. Em outro caso, a palavra Juden (judeus, em alemão) foi escrita em letras amarelas na fachada de uma padaria judaica em Paris, em clara referência ao passado nazista.

Árvores em torno do memorial do garoto Halimi também foram vandalizadas. Na semana passada, durante uma pequena cerimônia no subúrbio parisiense, autoridades plantaram outras árvores no local. Mas, para muitos que estavam ali, os danos não poderão ser reparados tão facilmente.

"Minimizamos a violência nos dias de hoje", observou o morador de Saint-Geneviève-des-Bois Jean-Luc Mazet. "Ao fazê-lo, damos poderes aos criminosos."

Tendência europeia

A França não é o único país europeu a viver um aumento do antissemitismo. A Alemanha e o Reino Unido também registraram um maior número de ocorrências no ano passado. Segundo as autoridades britânicas, foram 1.652 casos, um novo recorde no país.

Em dezembro, um estudo da União Europeia (UE) revelou centenas de casos de judeus que sofreram agressões ou abusos verbais em 12 Estados-membros ao longo de 2018. Outro levantamento, feito pela emissora CNN, revelou que antigos estereótipos – como o sentimento de que os judeus exercem demasiada influência na política, imprensa e nas finanças – ainda estão bem vivos na Europa.

Na França, país que abriga a maior comunidade judaica do continente, 95% das pessoas consideram o antissemitismo um problema relativamente grave ou muito grave, segundo relatório da UE. Essa percepção fez com que muitos judeus – entre os mais de meio milhão que vivem no país – optassem por emigrar para Israel nos últimos anos.

O país enfrenta hoje duas ondas diferentes de antissemitismo, afirmam especialistas. A primeira ocorre em razão da segunda geração de imigrantes vindos de países árabes e africanos, e a segunda se origina do antissemitismo "tradicional", que já vem de muitos anos e que, segundo alguns observadores, ganhou novo impulso com asmanifestações dos chamados "coletes amarelos" contra o governo do presidente Emmanuel Macron.

Segundo os especialistas, o antissemitismo se manifesta de várias maneiras nesses protestos, não apenas em ataques contra judeus, mas em pichações com xingamentos a Macron, que já trabalhou no banco Rothschild, de origem judaica.

"Eles estavam esperando por uma espécie de gatilho", afirma o rabino Serfaty, dizendo se tratar de um antissemitismo clássico. "Foram os coletes amarelos que deram o impulso para que [o antissemitismo] pudesse se expressar", opina.

Membros da associação de integração judaico-muçulmana liderada pelo rabino Michel SerfatyFoto: DW/Elizabeth Bryant

O cientista político Jean Petaux, da Universidade de Bordeaux, também acusa os coletes amarelos de serem ao menos parcialmente responsáveis pelo aumento de atos motivados por ódio, inclusive na internet, onde o movimento ganhou força. "Por não rejeitarem claramente o antissemitismo, acho que os coletes amarelos são bastante responsáveis por esse clima."

"Abismo de preconceito e ignorância"

Por outro lado, observadores mais cautelosos afirmam que o crescimento do antissemitismo começou muito antes dos protestos de rua. A atribuição de culpa se torna ainda mais complicada com a proibição de estatísticas oficiais com base em raça e religião, afirma o especialista em radicalismo político Jean-Yves Camus.

"O antissemitismo francês tradicional continua vivo, infelizmente. Mas os ataques mais violentos às pessoas não são realizados pela extrema direita, e sim por indivíduos de origem migratória."

O ressurgimento da violência antissemita faz com que muitos dos que estiveram presentes na homenagem a Halimi busquem novas formas de seguir em frente. Esse é o caso de Jules Laloum, de 19 anos, que vestia um quipá azul ao acender uma vela próximo ao retrato do jovem morto. "Estou aqui para protestar e para mostrar que os judeus ainda estão presentes", afirma. Ele pede por uma mudança de atitude nas redes sociais, mesmo sabendo ser muito difícil que isso aconteça.

O rabino Serfaty, por sua vez, combate o antissemitismo há anos. Ele visita subúrbios onde grande parte da população é de origem migratória, acompanhado de um grupo de voluntários muçulmanos. O judeu admite que esta é uma luta difícil.

Serfaty conta um episódio recente ocorrido durante uma aula de história em uma escola local, onde os estudantes reagiram violentamente quando a professora mencionou a religião judaica. "Ela não sabia o que fazer, ao se deparar com um abismo de preconceito e ignorância", relata. "As próximas gerações precisam formar cidadãos respeitáveis, com amor pela França. Não há lugar aqui para o preconceito."

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