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"Música de Beethoven reflete a vontade de viver", diz Masur

Birte Strunz (av)13 de setembro de 2008

Um dos pontos altos do Festival Beethovenfest 2008 é a execução do ciclo completo das sinfonias do compositor com a Orquestra Nacional da França sob a batuta de Kurt Masur. Uma entrevista com o maestro alemão de 81 anos.

Kurt Masur
Kurt MasurFoto: Imago/STAR-MEDIA

Deutsche Welle: Por que o senhor se impõe o desafio de executar todas as nove sinfonias de Ludwig van Beethoven em quatro dias?

Kurt Masur: Sempre que falam de Beethoven, as pessoas acreditam ter formação musical. "Sim, um grande compositor, claro, e..." Ao entrar em detalhes, muitos vêem Beethoven frequentemente como distração, intérprete das ideias da Revolução Francesa, com bocarra de leão e gestos combativos – e de humor aparentemente limitado. Minha meta é fazê-las entender como ele começou com sua primeira sinfonia. Nos termos de hoje em dia eu diria: tão mal comportado quanto possível.

Como concebeu este ciclo? Há algo assim como um arco total?

Claro que é um arco. É mesmo um pouco trabalhoso escutar as sinfonias número um, dois e três em uma noite. Porém, as duas primeiras são um pouco mais curtas e Beethoven só alcançou uma forma sinfônica verdadeiramente pessoal com a terceira.

E é isto o que quero demonstrar através deste exemplo: quem assiste ao concerto compreende perfeitamente que a leveza, a poesia, o humor da primeira não têm absolutamente nada a ver com a terceira. E a declaração humanista da terceira, cuja dedicatória original era a Napoleão, como sabemos, e que foi rasgada por Beethoven, irado porque não queria se identificar com um imperador e com alguém que oprimia as pessoas.

Para mim, é decisiva a questão: até onde vai nossa obrigação, como intérpretes, para com um ouvinte que ao primeiro acorde deseja perceber o espírito dessa música? Devo dizer: a Orquestra Nacional da França me deixa feliz. Nos preparativos, nos ensaios, estivemos à beira da exaustão, pois as sinfonias de Beethoven não são tão fáceis de tocar. Não se pode tocá-las com leveza, mas sim com seriedade. E é preciso levar o humor a sério, e possuir a rapidez com a qual Beethoven súbito muda o temperamento. Estas são coisas que queremos levar até o público. Senão é, enfim, "ah, o velho Beethoven, já conhecemos tudo mesmo".

O senhor descobre ainda hoje em dias coisas novas em Beethoven?

Sempre. Não sabemos mais como os grandes solistas introduziam os temas musicais. E hoje há poucas exceções. Um Yo-Yo Ma, Lisa Leonskaia, Anne Sofie Mutter, eles sentem algo, preparam-se internamente para executar o próximo tema. E é daí que vem o encantamento da plateia.

Como explicar hoje Beethoven às pessoas? Isto é sequer possível?

A música de Beethoven é tão rica. Na realidade, não há nenhum sentimento humano que ela não tenha expressado. Seja Die Wut über den verloren Groschen (A raiva pelo tostão perdido) ou Für Elise (Para Elise), ou todas essas pequenas peças que, sabe-se, foram obras de ocasião, para mostrar reverência a uma bela menina ou mulher – apaixonado ele esteve a vida toda, disso sabemos. A tragédia de sua vida foi, quando compunha a Segunda Sinfonia, perceber pela primeira vez que a audição falhava. Foi aí que ele escreveu o Testamento de Heiligenstadt: "Oh, homens, que me considerais incontrolável ou desagradável, só quero dizer que sofro".

Público vai às ruas em Bonn assistir a concerto sob a batuta de Kurt MasurFoto: Barbara Frommann

A outra chave é a Carta à Amada Imortal, despedida de uma das mulheres com que tivera contato nessa época, em Teblitz. Ela não foi enviada, mas existe como documento. Quando executei a Oitava agora em Paris com a minha orquestra, contei aos músicos: "Vejam, Beethoven escreveu as primeiras oito sinfonias no espaço de pouco mais de dez anos. E após a Carta à Amada Imortal ele não escreveu durante dez anos mais nenhuma outra grande obra orquestral. Só então a Missa solene e ainda mais tarde a Nona".

Precisamos imaginar como se sentia um homem que na época realmente não ouvia nada. Ele regeu a estreia [da Nona Sinfonia], porém atrás dele estava alguém que orquestra e coro pudessem seguir, pois ele mesmo estava totalmente confuso e não tinha o menor controle. Um homem que consegue a façanha de, no fim da vida, mais uma vez escrever uma mensagem para a humanidade. Ele se sentia importante o suficiente para acreditar haver recebido de Deus a missão para tal. Nada de sinfonia da despedida, como a Sexta Sinfonia de Tchaikovsky.

A última mensagem que esse homem doente, solitário e se sentindo miserável legou à humanidade foi: Alegria, bela centelha divina. Isto é grandeza. E dá força também àqueles que apenas escutam a música e que não sabem grandes coisas, pois eles percebem que esta música é plena de superação de dificuldades, melancolia e luto, e que reflete, realmente, sempre e até o fim, a vontade de viver.

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