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A música pop e o que ela diz de nós

Renate Heilmeier (av)25 de julho de 2014

Antes pesquisadores se ocupavam apenas das letras e das melodias cantaroladas pelo povo. Hoje eles olham também para a imagem e o consumo da música. Em Freiburg, o arquivo alemão da canção popular completa cem anos.

Kastelruther Spatzen
Foto: picture-alliance/dpa

Existem coisas que parecem totalmente vedadas a uma abordagem científica. Cantarolar os últimos sucessos da parada, escutar música no caminho do trabalho ou ir a um concerto pop aparentemente pertencem a essa categoria. Mas há pesquisadores de diferentes campos cujo interesse é exatamente este: o conteúdo das canções populares ou como, ao longo dos anos, a maneira como as percebemos se transformou.

O Zentrum für Populäre Kultur und Musik (Centro de Cultura e Música Popular) em Freiburg, no sul da Alemanha, se dedica a essa tarefa. Ele foi fundado em abril de 2014, a partir do tradicional Deutsches Volksliedarchiv (Arquivo Alemão da Canção Folclórica), cuja criação data do ano de 1914.

Coletânea de antigos "schlager" alemãesFoto: Zentrum für Populäre Kultur und Musik

O nome atual do instituto é bem mais adequado, pois, por um lado, suas funções vão muito além da mera coleta de partituras e textos. Além disso, o conceito de volkslied (literalmente "canção do povo", ou canção folclórica) traz associações que não se aplicam mais à música popular contemporânea.

Durante décadas na Alemanha, o canto acontecia por comando superior, por exemplo em escolas, igrejas ou instituições militares. Hoje, a definição não é tomada tão ao pé da letra: ao lado da tradicionais canções folclóricas também são objeto de estudo as músicas pop norte-americanas ou os schlager – nome dado aos sucessos europeus de easy listening, muitas vezes de estética "brega".

Para além da letra e música

Enquanto, para a pesquisa clássica antes de 1950, uma canção folclórica se compunha unicamente de melodia e texto, a massificação da música popular forçou os pesquisadores a atentarem para outros aspectos. "Quando se assiste a um show de talentos na televisão, o foco está na encenação, na cultura juvenil e na comercialização da música, e não na melodia e no texto de uma canção", exemplifica Michael Fischer, um dos diretores do arquivo que pertence à Universidade Albert Ludwig, de Freiburg.

Assim, a pesquisa contemporânea se ocupa também dos desafios à indústria musical propostos pela internet e o streaming, ou da encenação de uma imagem como fator de sucesso. Quer se trate do duo folclórico bávaro Maria e Margot Hellwig, da atriz francesa Brigitte Bardot ou da vencedora do Eurovisão 2014, a drag-queen Conchita Wurst: nenhuma delas se tornou famosa apenas por seu canto, mas também por sua apresentação cênica e por uma aparência inconfundível.

Os Beatles fazem parte da memória coletiva e são definidores de toda uma geraçãoFoto: picture-alliance/dpa

"Música dos muitos"

O fundador do arquivo, o germanista e etnólogo John Meier, começou a colecionar volkslieder há cerca de cem anos. Na época, o núcleo da coleção eram canções de guerra e de soldados, manuscritos com textos musicados e as primeiras transcrições de versos transmitidos oralmente.

Meier se engajou para que essa coleção fosse sistematicamente ampliada e disponibilizada a todos. Ele defendia uma noção bem definida de canção folclórica, como algo transmitido oralmente. Contudo, mesmo um século atrás, essa definição já era um tanto antiquada.

Pois, paralelamente ao repertório tradicional, havia a música comercial, popular. Discos com melodias de operetas e schlager, song-books e, pouco mais tarde, o rádio, cuidavam para que, mal uma canção fosse composta, todos já conhecessem o texto e cantassem junto. É o que hoje se denomina mainstream.

Fischer e os especialistas das mais diferentes áreas que trabalham no Centro de Cultura e Música Popular se interessam justamente por essa música que todo mundo escuta, pois nela se revelam tendências sociais. Por isso para os pesquisadores também são de grande valor os mais de 20 mil compactos de vinil que a biblioteca recebeu de diversos legados.

"Não temos nada contra objetos raros e fora do comum, mas, para a pesquisa, os produtos do mainstream são muito mais elucidativos. E nesse ponto vejo a continuidade em relação a John Meier, que falava de uma 'música dos muitos'."

Pop como expressão de moda e tendências com a banda Boney M.Foto: Zentrum für Populäre Kultur und Musik

Material em constante evolução

Desde sempre "todos os setores da vida foram musicados e transformados em canção. E desde sempre houve os evergreens, os sucessos imortais. Mas o fenômeno mais comum é que cada geração quer cantar suas próprias, novas canções", analisa Fischer.

E assim, também nos próximos cem anos o centro em Freiburg continuará tendo suficiente material para colecionar. Nenhum gênero fica de fora, do schlager ao pop. No banco de dados encontram-se canções para todas as ocasiões, de canções de taverna a cantos de protesto. Desde 2010, a biblioteca em Freiburg comporta também o Arquivo Alemão de Musicais, cujo acervo é constantemente ampliado com doações particulares e de teatros.

A música também é parte de uma cultura coletiva da memória. A biblioteca inclui o repertório de diversas gerações na forma de compilações de compactos de sucesso: do volkslied e a breguice semifolclórica de um Heino ou Heintje, até os Beatles, Boney M., Madonna e Michael Jackson.

"Hoje em dia, música é veiculada, sobretudo, através da mídia", observa Fischer. Ela é difundida em CDs, smartphones, vinil, downloads ou na televisão e no rádio. É claro que ainda se pratica música ativamente, mas o repertório mudou. Além disso, canta-se também junto com o rádio do carro ou em festas de karaokê.

E, para a pesquisa da canção em determinados campos, o contexto em que a música acontece é pelo menos tão importante quanto seus conteúdos. Não só os acadêmicos de musicologia, filologia, estudos alemães ou americanos fazem uso da nova biblioteca do Centro de Cultura e Música Popular: também sociólogos, psicólogos, historiógrafos e teólogos encontram nela material abundante para suas descobertas.

Conchita Wurst não é famosa só pela música, mas também pela aparência inconfundívelFoto: AFP/Getty Images
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