A morte lenta das geleiras nos Alpes
21 de abril de 2017"Está quase na hora de dizer adeus às nossas geleiras", diz o agricultor austríaco Siggi Ellmauer, enquanto observa os cumes escarpados ao longo do vale de Pyhrn. Após um giro pela colônia de férias que está construindo para crianças, ele fala sobre como a mudança climática global altera o mundo dele.
"Quando criança, eu nunca teria imaginado que elas poderiam desaparecer. Mesmo 20 anos atrás, ainda havia faixas de gelo naquelas encostas voltadas para o norte. Eu observei, todos nós observamos as geleiras minguarem aqui e em todo o país."
Segundo os cientistas, até o ano 2100 a maioria das formações de gelo nas montanhas da Áustria e por todos os Alpes terão desaparecido. Mesmo que todas as emissões de gases causadores do efeito estufa fossem zeradas imediatamente, já há suficiente poluição na atmosfera para derreter quase todo o gelo, afirma o climatologista Carl-Friedrich Schleussner.
Caso se limitasse o aquecimento global a 1,5 grau centígrado, parte dos futuros impactos climáticos poderia ser mitigada, mas não o sumiço das geleiras alpinas, complementa Schleussner, que trabalha como assessor científico da ONG Climate Analytics, sediada em Berlim.
Alguns resquícios de gelo sobreviverão nas escarpas mais elevadas e protegidas do sol, mas os poderosos rios gelados que, apenas 150 anos atrás, atravessavam os vales, terão sumido. E, segundo o climatologista alemão, o clima estará provavelmente quente demais para permitir que novas geleiras se formem nos próximos séculos.
Perdas de até 65 metros em um ano
Com base nos dados mais recentes, divulgados neste mês de abril, Andrea Fischer confirma que o derretimento extremo prosseguiu nos Alpes em 2016. Ela dirige a equipe de cientistas e voluntários da associação austríaca Österreichischer Alpenverein, que elabora relatórios anuais sobre as geleiras.
Entre outubro de 2015 e setembro de 2016, as geleiras da Áustria retrocederam 14,2 metros, em média, com um recorde de menos 65 metros sendo registrado na geleira de Hornkees, nos Alpes de Zillertal, no oeste do país. Entre as 90 formações monitoradas, 87 retrocederam, dez das quais em mais de 30 metros.
Única exceção, Landeck Kees ganhou um metro. Acredita-se que isso se deva a circunstâncias topográficas: se a geleira voltar a derreter até um ponto em que o terreno seja ligeiramente íngreme, ela poderá se precipitar montanha abaixo mais rapidamente. A água resultante da fusão também lubrifica a base, acelerando o movimento da geleira.
Desde 1870 o Alpenverein compila dados sobre as massas de gelo alpinas, e as cifras mais recentes confirmam que o derretimento se intensificou dramaticamente no século 21, quando as temperaturas globais batem novos recordes a cada ano. De 1900 até agora, seu volume total se reduziu à metade.
Inundações: efeitos colaterais
As geleiras são o maior reservatório de água doce do planeta, contendo mais líquido do que todos os lagos, rios, terrenos e plantas juntos. As reduções de fluxo ou alterações de volume sazonais resultante das geleiras minguantes poderão se fazer notar mais nos cursos d'água menores dos vales mais elevados.
Lá, terão impacto tanto sobre a fauna fluvial, incluindo insetos e peixes, como sobre os habitats ribeirinhos, cujas árvores e arbustos, por sua vez, são cruciais para a vida das aves. Os pesquisadores estão estudando esses efeitos, mas ainda não chegaram a conclusões definitivas.
Por outro lado, as geleiras fora das regiões polares contêm água suficiente para elevar o nível do mar de 30 a 60 centímetros. Isso inundaria algumas ilhas mais baixas e agravaria as enchentes litorâneas durante tempestades e furacões, afetando cerca de 670 milhões de seres humanos.
"Está morrendo, se desfazendo"
O derretimento excessivo registrado no último relatório da Österreichischer Alpenverein merece ainda mais atenção por ter ocorrido em condições relativamente boas. Como aponta Andrea Fischer, a neve da primavera formou uma camada refletora. e a temporada sem neve foi mais breve do que em anos anteriores, ajudando a evitar uma fusão ainda maior: em 2015, três geleiras chegaram a diminuir mais de 90 metros.
As massas geladas austríacas não estão perdendo apenas área – ou seja, sua extensão vale abaixo –, mas também espessura, aponta Anton Neureiter, glaciólogo do Instituto Central de Meteorologia e Geodinâmica (ZAMG) da Áustria, que monitora 12 geleiras ao norte e ao sul do cume principal dos Alpes.
Próximo à borda da geleira Pasterze, Neureiter se prepara para perfurar o gelo até atingir a rocha abaixo. Ele confere o mesmo ponto todos os anos, a fim de documentar quão mais delgada a camada está. Na realidade, contudo, o especialista sequer precisa de equipamento para confirmar a rapidez do derretimento glacial.
"É tão tangível. Podem-se observar as mudanças de ano a ano, mesmo a cada mês, toda vez que se visita a geleira: ela está morrendo, está se desfazendo", comenta, antes de começar a perfuração, apontando para as pilhas cinzentas e marrons de gelo semiderretido na área da borda.
A espessura da Pasterze – maior geleira da Áustria, próxima a seu ponto mais alto, o Grossglockner – vem diminuindo, em média, um metro por ano, e a perda chega a nove metros, perto das bordas inferiores.
Segundo a atualização mais recente do Serviço Mundial de Monitoração de Geleiras, o declínio na Áustria correspondente às atuais médias globais. Dados coletados em 130 geleiras do planeta apontam uma perda média anual de 1,1 metro: em relação a 1980 as formações de gelo estão 20 metros menos profundas.