Enquanto Moscou busca contornar as sanções impostas por EUA e Europa, giro de ministro russo na América Latina buscou reforçar laços com países que, ao menos retoricamente, têm postura neutra sobre a invasão da Ucrânia.
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O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, encerrou em Cuba nesta sexta-feira (21/04) uma viagem de uma semana na América Latina, depois de se reunir com seus homólogos e chefes de Estado na Nicarágua, Venezuela e Brasil. A missão do representante de Vladimir Putin a uma região geograficamente dentro da esfera de influência dos Estados Unidos mas tradicionalmente considerada "secundária" pelos governos russos, tem objetivos econômicos e políticos.
Enquanto Moscou busca maneiras de contornar as sanções impostas pelos EUA e pela Europa, que bloquearam 300 bilhões de euros em reservas centrais russas e mais de 1.500 indivíduos e entidades desde o início da invasão da Ucrânia, a "ofensiva de charme" de Lavrov na América Latina também procurou reforçar a força diplomática com países que, pelo menos retoricamente, assumiram uma posição neutra em relação ao conflito europeu.
Regimes de esquerda em Cuba, Venezuela e Nicarágua também enfrentam sanções dos EUA e contam com a Rússia como parceira estratégica de longa data. Em março, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução exigindo que a Rússia deixe a Ucrânia. A Nicarágua votou contra, Cuba esteve ausente e a Venezuela não votou por causa de suas dívidas com a ONU. O Brasil, por outro lado, ficou entre os 137 países favoráveis à Ucrânia.
Mas as recentes declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia foram criticadas por Washington. Depois de uma viagem à China neste mês, o presidente brasileiro disse que "os EUA precisam parar de incentivar a guerra" e pediu que o país comece a "falar em paz". Em resposta, o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Kirby, reagiu dizendo que Lula estava "papagueando a propaganda russa e chinesa". No Brasil, Lavrov não deixou passar a oportunidade. Ele agradeceu aos "amigos brasileiros" pela "compreensão". Mas o chanceler russo, que teve encontro particular com Lula, ouviu de seu colega brasileiro, Mauro Viera, que o maior país da América do Sul é contra sanções unilaterais e a favor de um cessar-fogo na Ucrânia.
A jogada de Lavrov de colocar o Brasil no mesmo grupo de Nicarágua, Venezuela e Cuba foi "esperta", segundo Angelo Segrillo, professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Rússia. "Ele pegou seus amigos e botou o Brasil no mesmo saco. Ele não tem tanto tempo para viajar, tem coisas urgentes para lidar, mas ele sente um Lula susceptível e tenta atrai-lo para o campo dele", disse Segrillo.
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Laços econômicos
A guerra e as consequentes sanções prejudicaram a economia russa. Conforme relatado pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia caiu 2,1% em 2022.
Em Caracas, Lavrov anunciou cooperações russo-venezuelanas na produção de petróleo, gás, agricultura e novas tecnologias. Em Brasília, a agenda econômica concentrou-se nos acordos de exportação de carne brasileira para a Rússia e na importação de fertilizantes russos para o Brasil. O país sul-americano, que importa 80% desses insumos agrícolas, compra 20% deles na Rússia. No geral, os negócios entre os dois países atingiram recorde histórico de US$ 9,8 bilhões em 2022. Atualmente, a Rússia é o 13º parceiro comercial do Brasil, com a China (150 bilhões de dólares) em primeiro lugar e os EUA (US$ 88,7 bilhões) em segundo. Além disso, Brasil e Rússia são membros do grupo Brics, juntamente com China, Índia e África do Sul.
Segundo Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), embora não haja "dependência” entre as duas partes, a relação russo-brasileira tem sido historicamente boa. "Nesse momento, o Brasil tem tido uma postura de país nao alinhado frente à guerra russo-ucranianam o que o transforma quase automaticamente em um porto seguro na América do Sul para Vladimir Putin", explica Lopes.
China e Estados Unidos
Dadas as crescentes tensões entre os Estados Unidos e a China, a presença russa na América do Sul ainda é muito pequena para ser considerada uma ameaça econômica ou mesmo política. Como aponta Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, o comércio russo na região é complementar para a China, por exemplo no caso de fertilizantes, e complementa o comércio de commodities. "É mais um esforço conjunto", diz Holzhacker.
Mas a aliança entre a Rússia e a China não pode ser dada como certa e é temporária devido a interesses geopolíticos, de acordo com Serguillo. ""Historicamente, sempre houve um desconforto por parte da Rússia com a China, por causa das fronteiras entre os dois países. Não existe nenhuma aliança formal entre eles, como a OTAN, por exemplo - há uma desconfiança entre os dois", diz o historiador.
Quanto aos Estados Unidos, Holzhacker diz que, embora a política externa brasileira possa ser considerada independente, não há interesse em hostilidade com os americanos devido à relação econômica. Politicamente, avalia, as declarações de Lula sobre a guerra podem ser vistas como parte dos tradicionais governos de esquerda na América Latina, que desafiaram a influência americana na região.
"Mas há uma clara divisão dentro da esquerda latino-americana em relação à invasão da Ucrânia", enfatiza, lembrando que o presidente chileno, o esquerdista Gabriel Boric, condenou a guerra e ficou do lado do presidente ucraniano Zelenski.
Holzhacker lembra que, embora o governo brasileiro esteja conversando com a Rússia, também está se posicionando dentro da ONU claramente contra a guerra. Agora estamos numa fase de retórica diz ela. "ALula continua convidado para a reunião do G7, no mês que vem. Isso significa que esses países acham que é possível ter um diálogo com o Brasil", conclui.
Um ano de guerra da Ucrânia: uma linha do tempo em imagens
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia. Em um ano de combates, milhares de soldados e civis perderam a vida. Relembre os fatos mais marcantes nesta linha do tempo.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images
Um dia sombrio para milhões
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, os ucranianos foram acordados por explosões como esta na capital, Kiev. A Rússia havia iniciado uma invasão em grande escala, marcando o maior ataque de um país contra outro desde a Segunda Guerra Mundial. A Ucrânia imediatamente declarou a lei marcial. Estruturas civis passaram a ser atacadas e logo começaram a ser relatadas as primeiras mortes.
Foto: Ukrainian President s Office/Zuma/imago images
Bombardeios impiedosos
O presidente russo, Vladimir Putin, insiste ainda hoje tratar-se de uma "operação militar especial" e que o objetivo é tomar as regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia. Moradores de Mariupol se abrigaram em porões por semanas. Muitos morreram sob os escombros. Um ataque aéreo russo em março a um teatro da cidade onde centenas se refugiavam foi condenado por grupos de direitos humanos.
Foto: Nikolai Trishin/TASS/dpa/picture alliance
Êxodo em massa
A guerra na Ucrânia forçou uma emigração nunca vista na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a Acnur, a agência de refugiados da ONU, mais de 8 milhões de pessoas fugiram do país. Só a Polônia acolheu 1,5 milhão de pessoas, mais do que qualquer outro Estado da UE. Milhões de pessoas, principalmente do leste e do sul da Ucrânia, foram forçadas a fugir.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP
Cenas de horror em Bucha
Após algumas semanas, o exército ucraniano conseguiu expulsar as forças russas de áreas no norte e nordeste do país. O plano da Rússia de sitiar Kiev fracassou. Depois que as regiões foram libertadas, a extensão das atrocidades tornou-se aparente. Imagens de civis torturados e assassinados em Bucha, perto de Kiev, deram a volta ao mundo. As autoridades relataram 461 mortes.
Foto: Carol Guzy/ZUMA PRESS/dpa/picture alliance
Devastação e morte em Kramatorsk
O número de vítimas civis em Donbass aumentou rapidamente. As autoridades pediram à população civil para recuar para áreas mais seguras, mas os mísseis russos também atingiram as pessoas enquanto tentavam escapar, inclusive em Kramatorsk. Mais de 61 foram mortos e 120 ficaram feridos na estação ferroviária da cidade em abril, quando milhares esperavam para fugir para um local mais seguro.
Durante os ataques aéreos russos, milhões de ucranianos buscaram refúgio em algum tipo de abrigo. Para as pessoas próximas às linhas de frente dentro do alcance da artilharia, os porões se tornaram segundos lares. Moradores de grandes cidades também buscaram abrigo dos mísseis. Em Kiev (foto) e em Kharkiv, as estações de metrô funcionam como locais seguros.
Foto: Dimitar Dilkoff/AFP/Getty Images
Alto risco nuclear em Zaporíjia
Nas primeiras semanas após a invasão, a Rússia ocupou uma grande área das regiões sul e leste da Ucrânia, inclusive as proximidades de Kiev. Os combates se espalharam para as instalações do complexo nuclear de Zaporíjia, no sudeste, que está sob controle russo desde então. A Agência Internacional de Energia Atômica enviou especialistas para a usina e pediu uma zona segura ao redor da instalação.
Foto: Str./AFP/Getty Images
Resistência desesperada em Mariupol
O exército russo manteve Mariupol sob cerco por três meses, impedindo o envio de munição e outros suprimentos. O complexo siderúrgico Asovstal era o último reduto ucraniano na cidade, abrigando milhares de soldados e civis. Depois de um ataque prolongado, em maio de 2022 milhares de soldados russos assumiram o controle da usina, capturando mais de 2 mil pessoas.
Foto: Dmytro 'Orest' Kozatskyi/AFP
Um símbolo de resistência
A Rússia conquistou a Ilha das Cobras, no Mar Negro, no primeiro dia da guerra. Um diálogo entre militares ucranianos e russos, na qual os ucranianos se recusaram a se render, se tornou viral. Em abril, os ucranianos afirmaram ter afundado o navio de guerra russo Moskva, uma das duas embarcações envolvidas no ataque à ilha. Em junho, a Ucrânia disse ter expulsado os russos da ilha.
Foto: Ukraine's border guard service/AFP
Número de mortos incerto
O número exato de mortos na guerra permanece incerto. Segundo a ONU, pelo menos 7.200 civis foram mortos e outros 12 mil, feridos – mas os números reais podem ser muito maiores. A quantidade exata de soldados ucranianos tombados também é incerta. Em dezembro, o conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, estimou o número em até 13 mil. Estatísticas imparciais não estão disponíveis.
Foto: Raphael Lafargue/abaca/picture alliance
Divisor de águas para a Ucrânia
O envio de armas ocidentais à Ucrânia tem sido um assunto polêmico desde o começo da guerra, mas elas demoraram a chegar a Kiev. Os lançadores de foguetes Himars, fabricados nos EUA, foram uma ajuda decisiva. Eles permitiram que os militares ucranianos cortassem o abastecimento de munição para a artilharia russa e provavelmente também contribuíram para as contraofensivas bem-sucedidas da Ucrânia.
Foto: James Lefty Larimer/US Army/Zuma Wire/IMAGO
Alívio a cada libertação
No início de setembro, os militares ucranianos conduziram uma contraofensiva bem-sucedida em Kharkiv, no nordeste do país. Os russos, surpreendidos, recuaram rapidamente, deixando para trás equipamentos, munições e até evidências de supostos crimes de guerra. Os militares ucranianos também conseguiram libertar Kherson, no sul, e seus moradores comemoraram a chegada dos soldados ucranianos.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Explosão na ponte da Crimeia
No início de outubro, ocorreu uma grande explosão na ponte que a Rússia construiu sobre o Estreito de Kerch, ligando à Crimeia, península ucraniana que Moscou ocupa desde 2014. A ponte foi parcialmente destruída. A Rússia afirma que um caminhão da Ucrânia carregado de explosivos causou os danos, mas as autoridades em Kiev não assumiram a responsabilidade pelo ataque.
Foto: AFP/Getty Images
Ataques maciços à infraestrutura de energia
Poucos dias após a explosão na ponte da Crimeia, a Rússia começou a atacar em grande escala a infraestrutura de energia da Ucrânia. Quedas de energia ocorreram de Lviv a Kharkiv. Desde então, esses ataques se tornaram rotina. Devido aos enormes danos às usinas de energia e outras infraestruturas civis, as pessoas na Ucrânia enfrentam quedas de energia e escassez de água quase diariamente.
Foto: Genya Savilov/AFP/Getty Images
Apoio do mundo ocidental
Mensagens diárias por vídeo do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em que ele relata a situação no país e sobre a guerra em andamento, são vistas por milhões de pessoas. Zelenski não só conseguiu unificar a população de seu país, mas também ganhou o apoio do Ocidente. A integração europeia progrediu muito sob a sua liderança, e a Ucrânia está a caminho da adesão à UE.
Foto: Kenzo Tribouillard/AFP
Esperando por tanques Leopard 2
A defesa da Ucrânia depende muito da ajuda externa. Um grupo de países liderado pelos EUA ofereceu um pacote de bilhões de dólares em ajuda humanitária, financeira e militar. O envio de artilharia pesada foi muito debatido no Ocidente, em grande parte devido a preocupações com a reação da Rússia. Mas a Ucrânia acabará recebendo tanques ocidentais, em sua maioria Leopard 2, de fabricação alemã.
Foto: Ina Fassbender/AFP/Getty Images
Uma cidade em ruínas
Há meses, batalhas sangrentas acontecem em Bakhmut, na região de Donetsk. Desde que as tropas ucranianas perderam o controle do vilarejo de Soledar no início de 2023, defender a cidade tornou-se ainda mais difícil. Em janeiro, o serviço secreto da Alemanha relatou perdas diárias de três dígitos do lado ucraniano. Mas acredita-se que o número de mortos na Rússia seja ainda maior.