Além da ameaça de impeachment, presidente terá que enfrentar processo também no Tribunal Superior Eleitoral para preservar mandato. Segundo especialista, ação não pode ser subestimada.
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Enquanto o processo de impeachment começa a ser desenhado na Câmara dos Deputados, a presidente Dilma Rousseff também terá que se preparar para defender o seu mandato em outra frente: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na última sexta-feira (04/12), o tribunal publicou o acórdão proferido pelo ministro Gilmar Mendes que decidiu pela continuidade de uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime). A ação foi proposta pelo PSDB para pedir a cassação do mandato de Dilma e de seu vice, Michel Temer (PMDB). O efeito prático da publicação é dar início ao prazo para que a presidente apresente sua defesa – a previsão é de sete dias úteis a partir da notificação.
O PSDB acusa a chapa de Dilma de abuso de poder econômico e fraude no pleito, apontando, entre outras suspeitas, que dinheiro desviado da Petrobras ajudou a financiar a campanha da presidente. Além da Aime, outras duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) e uma representação contra Dilma também tramitam no TSE.
O presidente do TSE, Dias Toffoli, ainda não definiu se as ações vão tramitar em conjunto. Segundo Toffoli, caberá ao plenário do TSE decidir, mas somente após a apresentação de defesa da presidente e do vice. Na prática, todas as ações podem resultar na cassação de Dilma e Temer.
Os tucanos pedem ainda que, caso a chapa da presidente seja condenada em algum dos processos, a chapa do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e de seu vice, Aloysio Nunes (PSDB-SP), assuma a Presidência. Nesse cenário, caberá ao TSE decidir se é o caso de a oposição assumir ou se serão realizadas novas eleições.
O TSE havia inicialmente arquivado a Aime, mas em 6 de outubro, após o PSDB recorrer, decidiu aceitá-la. Foi a primeira vez na história do tribunal que uma ação desse tipo contra um presidente eleito foi aceita.
Enquanto o início do processo de impeachment concentrou as atenções na semana passada, a publicação do acórdão do TSE, quase dois meses depois da decisão do tribunal, ainda não provocou nenhuma tempestade política.
Ação inédita
Segundo o especialista em direito eleitoral João Fernando Lopes de Carvalho, as ações que correm no TSE não devem ser subestimadas. "Essa tramitação no TSE tem que ser levada a sério. É algo inédito. Esse tipo de ação é relativamente comum quando se trata de mandatos que envolvam governadores, prefeitos e parlamentares, mas no caso de um presidente, nunca algo do tipo havia avançado tanto", afirma.
De acordo com Lopes, ainda é cedo para especular sobre a possibilidade de a Aime ou outras ações prosperarem. Mesmo com o prazo de apresentação da defesa, tal como o impeachment, qualquer decisão sobre a cassação pelo tribunal deve ficar para 2016. Somente a partir de fevereiro, quando a Justiça voltar do recesso, é que a ação deve voltar a andar.
"O processo ainda não iniciou a fase de coleta de provas, de oitivas, etc. E, mesmo que apareçam indícios de fraude, os ministros vão ter que avaliar a proporcionalidade dos crimes. Não basta que dinheiro irregular tenha alimentando a campanha, é preciso provar de que esses crimes influenciaram decisivamente no resultado eleitoral. Caso isso seja comprovado, a chapa poderá ser cassada e serão convocadas novas eleições", afirma.
Ainda de acordo com Carvalho, mesmo que o processo ainda demore a chegar a uma fase decisiva, a presidente deve enfrentar dificuldades no tribunal, caso apareçam indícios contra ela.
"O rito do TSE é puramente jurídico. Enquanto no processo de impeachment do Congresso os métodos são, digamos, mais políticos, o TSE se guia por critérios puramente jurídicos. Se espera mais imparcialidade e que seja mais difícil de influir no processo. A qualidade da defesa vai desempenhar um papel mais importante do que acordos e alianças políticas", afirma Lopes.
Essa natureza "técnica" do TSE tem sido vista como uma opção por alguns políticos da oposição, que não querem se associar ao processo de impeachment na Câmara, iniciado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Suas motivações estão sendo interpretadas como uma vingança pessoal contra o Planalto.
No último fim de semana, a ex-senadora Marina Silva, fundadora da Rede Sustentabilidade, afirmou que não vê indícios suficientes para um impeachment, mas orientou o seu partido a reforçar o apoio às ações no TSE.
"Temos que apoiar as investigações para não ter nenhum pacto para livrar a cara de quem quer que seja", afirmou. "O processo do TSE abarcará as denúncias dos dois lados (PT e PMDB). O problema é que a investigação no Congresso é marcada o tempo todo pela barganha", disse Marina ao jornal Valor.
A posição também foi partilhada pelo coordenador nacional da Rede, Pedro Ivo Batista. "O caminho da Justiça é mais isento que este caminho que está no Congresso, marcado por acusações de chantagem", disse.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.