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EsporteAfeganistão

A perseguição a atletas femininas no Afeganistão

26 de abril de 2022

Após a tomada de poder pelo Talibã, esportistas são alvos de intimidação e ataques no país. Muitas se tornaram prisioneiras em suas próprias casas e temem por suas vidas.

Mulheres treinam judô feminino no Afeganistão
Treino da equipe de judô feminino do Afeganistão pouco antes da tomada de poder pelo talibã Foto: Friba Rezayee

Suas palavras são cheias de desespero. "Eu gostaria de nunca ter existido", escreveu Amira (nome alterado pela redação). "Eu não fiz nada de errado. O único crime que cometi foi praticar esporte." Antes do Talibã assumir o poderem Cabul em agosto de 2021, Amira era uma das melhores judocas do Afeganistão. Há poucas semanas, o Talibã vasculhou sua casa em busca de documentos que deveriam comprovar que a jovem fazia parte da equipe nacional afegã.

"Por sorte, ela conseguiu fugir. Ela se escondeu o dia todo num cemitério local e rezou para que o talibã não a encontrasse", conta à DW Friba Rezayee, que foi uma judoca de sucesso no Afeganistão. "Se tivessem encontrado esse documento, ela teria sido julgada num tribunal de xaria. O que significa que ela seria condenada a 100 chibatadas ou até mesmo a execução pública".

Em Atenas, em 2004, Rezayee e a velocista Robina Muqim Yaar se tornaram as primeiras mulheres a competir pelo Afeganistão nos Jogos Olímpicos. "Foi uma revolução esportiva", lembra a judoca de 36 anos. Em 2011, a atleta fugiu do país para o Canadá, onde fundou a organização de ajuda Mulheres Líderes do Amanhã (WLT), que possibilita a refugiadas afegãs o acesso à universidade.

Com o programa esportivo GOAL (Girls of Afghanistan Lead), a organização apoia afegãs que praticam artes marciais, como judô e taekwondo. Rezayee mantém contato com cerca de 130 atletas que não tiveram a sorte de conseguir deixar o país após a tomada de poder pelo Talibã. Segundo a judoca, essas mulheres estão escondidas em suas casas e "esperam, em certa medida, que o talibã bata em suas portas e as prenda".

"O Talibã as enviou cartas com ameaças. Elas foram intimadas e não podem mais sair, não podem mais se identificar", conta Rezayee.

Ataque violento

"Não precisamos mais de penitenciárias femininas no Afeganistão. Nossas casas se tornaram uma prisão", afirma Amira. Para a judoca Mina (nome alterado pela redação), que também permaneceu no país, o Afeganistão se tornou "um país sem pai, onde crianças violentas podem fazer tudo o que quiserem com mulheres e meninas".

O Talibã ainda não proibiu oficialmente mulheres de praticarem esportes – provavelmente por razões táticas. Eles evidentemente aprenderam com o passado. Durante o regime talibã entre 1996 e 2002, o Comitê Olímpico Internacional (COI) excluiu o país dos Jogos Olímpicos de 2000, em Sidney, devido, entre outros, à discriminação das atletas femininas pelos islamistas radicais.

Rezayee foi uma das primeiras mulheres a competir pelo Afeganistão nos Jogos Olímpicos, em 2004Foto: Darryl Dyck/empics/picture alliance

Rezayee afirma que nada mudou nesta postura. "Na sua intepretação da xaria, esportes femininos são um pecado. Eles acreditam que sinais sexuais são enviados aos homens porque o corpo da mulher e sua atividade corporal ficam visíveis. Mulheres não podem nem mesmo treinar num ginásio".

Um clima de intimidação e medo domina o Afeganistão. Rezayee conta que uma jogadora da seleção de vôlei foi presa recentemente. "O Talibã a espancou brutalmente. Ela ficou com hematomas horríveis no corpo todo. O Talibã a deixou viva porque queria mostrar a outras atletas o que acontece quando elas praticam esportes."

Foco na Ucrânia

Rezayee e seus colegas da WLT continuam tentando tirar do país atletas afegãs. E quando conseguem, se deparam com a dificuldade de encontrar um país onde essas mulheres possam receber refúgio permanente. O governo do Canadá, por exemplo, concentrou sua política de refugiados nas antigas forças de segurança locais do Exército canadense e seus familiares. Segundo a judoca, atletas ficaram de fora. "Mesmo na Europa é tremendamente difícil conseguir um visto de entrada para elas".

Segundo Rezayee, a guerra na Ucrânia agravou a situação. "A atenção do mundo está voltada para os refugiados ucranianos. E o mundo esqueceu o Afeganistão".

A pioneira afegã se sente abandonada pelas grandes organizações esportivas. Rezayee considera errado o caminho da "diplomacia silenciosa" com o Talibã, propagada por federações como o COI. "Se eles a legitimarem, o talibã vence. Isso abrirá um precedente histórico: o mal ganhará. Nós queremos que os princípios dos esportes, da educação e dos direitos humanos saiam vitoriosos sobre os homens com armas", ressalta Rezayee.

Pressão pode ter efeito

Após a tomada de poder há oito meses, a federação mundial de críquete ICC ameaçou excluir o Afeganistão devido à posição sobre o esporte feminino. Por último, a ICC voltou atrás. Agora, a federação joga com o tempo: "será mantido o apoio a equipe masculina afegã em jogos de críquete internacionais e, ao mesmo tempo, será observada a condução dos esportes no país, inclusive, o desenvolvimento do esporte feminino", afirmou a presidência da ICC em Dubai, no início de abril.

Rezayee não compreende o comportamento hesitante das federações esportivas. "Agora é o momento ideal para pressionar: sem educação de meninas e sem o esporte feminino, não há legitimidade", pede.

Em setembro de 2021, mulheres protestaram em Cabul por direitos após talibã assumir o poder no Afeganistão Foto: AP/picture alliance

Pressão internacional pode fazer a diferença entre o governo radical afegão, opina. "Embora os talibãs sejam casados com sua ideologia, eles são vulneráveis a opinião pública sobre eles. Eles são brutais, são maus, mas não são bobos. Eles sabem que o mundo os observa especialmente nas redes sociais".

Desistir não é uma opção para a pioneira afegã, apesar das ameaças constantes que recebe de seu país. "Já estou acostumada com isso", diz Rezayee. "Sempre que elas me ligam ou mandam mensagem do Afeganistão, elas choram e ficam inconsoláveis. Elas estão perdendo a vontade de viver", conta.

"Quando uma atleta perde sua motivação é como tirar um filho de uma mãe. O trabalho que fazemos, e o que peço a comunidade internacional, não é apenas para salvar as vidas das atletas, mas também manter viva a esperança, que é a última lâmpada ainda acesa. Não devemos deixar essa luz apagar", completa Rezayee.

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