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A persistência da violência contra a mulher na Alemanha

Ralf Bosen
25 de novembro de 2021

Números apresentados no Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher mostram que país registra um feminicídio a cada dois dias e meio. Violência aumentou 5% durante a pandemia.

Foto: Frank Hoermann/SVEN SIMON/imago images

Algumas manchetes recentes de jornais alemães apresentam frases chocantes: "Espancada e estrangulada pelo parceiro." "Severamente abusada pelo marido". "Ex-parceiro esfaqueia médica 18 vezes.”

Essas notícias exibem apenas uma fração do crescente problema da violência doméstica na Alemanha, um fenômeno que torna o cotidiano de muitas mulheres um inferno. Estatísticas apontam para um aumento constante de agressões e mortes nos últimos anos.

Pessoas de todos os gêneros podem ser vítimas. No entanto, as mulheres são desproporcionalmente mais afetadas, sendo alvos de criminosos em quatro a cada cinco casos. De acordo com os últimos números da Polícia Federal Criminal Alemã (BKA), 119.164 mulheres e 28.867 homens foram vítimas em 2020. Isso representa um aumento de cerca de 5% em relação ao ano anterior.

A violência do parceiro íntimo pode incluir agressão sexual, perseguição e privação de liberdade, assim como assassinato e homicídio involuntário.

Um ato de violência, não uma tragédia

Em média, a Alemanha registra ao menos uma tentativa de homicídio a uma mulher todos os dias. E de acordo com as mais recentes estatísticas, a cada dois dias e meio uma mulher morre nas mãos do parceiro ou ex-companheiro. Em 2020, 139 mulheres foram mortas.

"Não podemos mais permitir que isso aconteça. Devemos ter uma linha mais dura", declarou a Ministra da Família, Christine Lambrecht, na apresentação do relatório da BKA sobre violência doméstica, na terça-feira, em Berlim.

Ela foi muito crítica ao fato de que muitos crimes são simplesmente banalizados.

"Ao ouvir que quando um parceiro ou ex-parceiro mata a esposa e os filhos é uma tragédia familiar, eu fico de cabelos em pé. Para mim, tragédia familiar é quando uma mãe de três filhos morre de câncer. Mas quando um parceiro ou ex-parceiro mata a esposa e os filhos ou usa violência contra eles, isso não é nada mais do que um ato de violência. E deve ser rotulado como tal", afirmou Lambrecht.

Para atos em que as mulheres são mortas por causa de seu gênero, o termo "feminicídio" tem sido cada vez mais utilizado na Alemanha. Os feminicidas, entretanto, não entram nas estatísticas em uma categoria separada dos demais delitos criminais. Desde 2015, a BKA tem avaliado todos os anos os chamados "assassinatos conectados com relacionamentos" - como são chamados de maneira oficial.

E os números têm mudado pouco nos últimos anos. Os mais altos foram registrados em 2016, quando ocorreram 155 mortes de mulheres. A BKA, no entanto, não rastreia a motivação por trás desses crimes.

Na Espanha, casos de feminicídio são tratados de maneira específica pelo poder judiciárioFoto: DW

Pandemia pode ter aumentado casos não registrados

Os casos de violência contra mulheres que não foram denunciados são quase impossíveis de se calcular. Muitas mulheres têm medo de ir à polícia porque temem que os agentes não acreditem nelas. Há estudos que apontam para um "mundo à parte", no qual mais de 90% dos casos, entre todos os tipos de crimes, simplesmente não são relatados.

"É claro que este número é menor no caso de assassinato ou homicídio, mas é significativamente maior, por exemplo, no caso de lesões corporais e privação de liberdade e também no caso de ofensas psicológicas", explicou o presidente da BKA, Holger Münch.

Em relação aos lockdowns que ocorreram devido à pandemia do coronavírus, Münch disse que não houve aumento perceptível nos delitos registrados pela polícia. No entanto, ele ainda acredita que há um grande número de casos não relatados. A linha de ajuda "Violência contra a Mulher" também relatou um aumento significativo de pedidos de aconselhamento durante a pandemia.

"A situação é grave", diz Lina Stotz, da repartição alemã da organização de direitos da mulher Terre des Femmes. Ela comentou que muitas vezes as pessoas se esquecem de "que a violência doméstica é uma parte intensa da vida de muitas mulheres. Ela existe em todos os círculos sociais, independentemente da renda, profissão ou origem".

Para Stotz, a violência doméstica é, frequentemente, uma tentativa de demonstrar poder: "Isso significa que existe o desejo de um parceiro, geralmente masculino, de controlar sua parceira, de governá-la", reforça Stotz. Ela também lembra que muitos feminicídios ocorrem diretamente após uma separação ou "quando as mulheres querem se retirar de um relacionamento, e, então, seus parceiros as atacam, às vezes com consequências fatais, porque sentem-se privados do que acreditam ter à disposição".

Na Guatemala, performance artística marcou o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a MulherFoto: Moises Castillo/AP Photo/picture alliance

Melhora por meio da Convenção de Istambul

Em fevereiro de 2018, a Alemanha colocou em prática a Convenção de Istambul - convenção do Conselho da Europa sobre prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica -, assim chamada porque foi assinada na cidade turca, em 2011. Este foi o primeiro tratado juridicamente vinculado para prevenir a violência doméstica na Europa. Exige igualdade de gênero nas constituições e visa melhorar a situação das mulheres com prevenção, educação, serviços de apoio e aplicação das leis.

Desde então, Stotz, da Terre des Femmes, diz que percebeu alguns progressos.

"Após a ratificação, o governo federal criou uma linha de ajuda nacional para as vítimas que está disponível 24 horas por dia em muitos idiomas", diz.

Além disso, a BKA coleta anualmente números sobre a violência dos parceiros íntimos. "Mas, infelizmente, muitos aspectos da convenção foram absolutamente inadequados, ou não foram implementados de forma alguma", acrescenta Stotz.

Ela agora espera mais empenho e iniciativas da nova coalizão governamental alemã, formada por social-democratas, verdes e liberais. Uma delas é a criação de ao menos 14 mil abrigos para mulheres que precisam ser protegidas.

Além disso, ela acredita que treinamentos extras para o judiciário e a polícia, assim como protocolos de proteção para as mulheres, devem ser introduzidos de acordo com a Convenção de Istambul.

"Isso é muito importante para que as vítimas sintam que podem ir à polícia e receber um tratamento justo. Infelizmente, o que ainda experimentamos com frequência é que elas não são atendidas de maneira adequada", critica Stotz.

Para ela, também deveria haver um direito legal de ajuda em casos de violência, de acordo com a convenção: "Isso significa que a proteção contra a violência pode ser reivindicada no tribunal."

Cartaz em manifestação em El Salvador: "Suas políticas 'justas' seguem nos matando"Foto: AFP

Desigualdade de gênero

Segundo a cientista social Monika Schröttle, do Instituto de Sociologia Empírica (IfeS) de Nuremberg, apesar do progresso nos últimos 20 anos, ainda não foi possível reduzir a violência contra as mulheres de forma pertinente.

"A razão pela qual ainda experimentamos tanta violência é porque as relações de gênero ainda não mudaram de fato. Embora tenhamos uma chanceler há tanto tempo (Angela Merkel está há 16 anos no poder e deve deixar o cargo ao fim deste ano), mulheres e homens ainda não são tratados de maneira igual", diz Schröttle à DW.

Ela é co-fundadora do Observatório Europeu de Feminicídio, que coleta e analisa dados de vários países. Schröttle cita a Espanha como o único país da Europa onde houve um "leve declínio nos feminicídios".

E isso se deve, possivelmente, a uma mudança na situação legal no país: "A violência contra as mulheres, na Espanha, é julgada contra um pano de fundo de abuso de poder e controle, e é conceituada pelo judiciário espanhol como violência baseada no gênero. Isso está tendo um impacto nas percepções da sociedade", reforça Schröttle.

Protesto contra a violência contra a mulher e feminicídios ocorreu no dia 20 de novembro em ParisFoto: Adrienne Surprenant/AP/picture alliance

Esperança para as gerações mais jovens

Se medidas políticas e legais ajudarem a condicionar a forma como as sociedades avaliam e julgam a violência, é possível que as futuras gerações possam acelerar a ruptura de estruturas patriarcais ultrapassadas?

"Há um pouco de esperança entre homens e mulheres mais jovens em meios alternativos", em movimentos como as Sextas-feiras do Futuro, por exemplo, em que "meninos e homens, juntamente com seus colegas ativistas políticos, expressam que querem relações de gênero diferentes. Acredito que há potencial para mudanças", conclui Schröttle.

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