A pesada herança da ditadura militar para a economia
5 de outubro de 2018
Se eleito presidente, Bolsonaro, que vem entusiasmando o mercado, quer que militares componham seu gabinete. Mas apesar do chamado "milagre", o balanço econômico dos 21 anos de ditadura foi modesto.
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Na última terça-feira (02/10) foi divulgada uma pesquisa Datafolha que indicou que o candidato Jair Bolsonaro (PSL) ampliou sua vantagem em relação ao segundo colocado, Fernando Haddad (PT). Segundo o levantamento, o populista de direita liderava com 32% das intenções de voto, à frente do ex-prefeito de São Paulo, com 21%. Antes mesmo da mais recente pesquisa Datafolha, divulgada nesta quinta e na qual Bolsonaro alcançou 35%, e Haddad ficou com 22%, surgiram rumores de que o capitão reformado poderia ganhar as eleições já no primeiro turno.
Para os mercados, a ascensão de Bolsonaro foi um sinal positivo: investidores começaram imediatamente a apostar no Brasil. A bolsa de São Paulo chegou a subir quase 8%. O dólar caiu 5% em relação ao real. Sobretudo investidores estrangeiros compraram ações e títulos no Brasil.
A agência de classificação de risco Standard & Poor's considera que Bolsonaro como presidente representaria um maior risco à economia que Haddad. Bolsonaro é um outsider político e poderia ter mais dificuldades em implementar seu programa econômico, aponta a agência.
No entanto, investidores não parecem compartilhar de tais preocupações. Para eles, é certo que, como presidente, Bolsonaro vai promover as reformas econômicas necessárias.
Tal euforia dos investidores soa irracional. Por um lado, devido ao programa econômico neoliberal difícil de implementar de Paulo Guedes, conselheiro de Bolsonaro. Mas também porque Bolsonaro quer que militares ocupem cargos ministeriais.
Uma série de militares já faz parte de seu círculo de conselheiros mais próximos, também para questões econômicas. E a confiança deles dentro das casernas aumenta proporcionalmente em relação à ascensão de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais. O que parece valer é a ideia de que quem tem condições de organizar o abastecimento e a logística do Exército também tem condições de contribuir para o desenvolvimento do país como ministro da Infraestrutura, por exemplo.
Tenho dúvidas quanto à competência dos militares para as reformas necessárias na economia do Brasil. Na última vez que os militares comandaram a economia, o balanço foi negativo. Foram 21 anos, de 1964 a 1985.
O chamado milagre econômico – termo usado ainda hoje pelos nostálgicos da ditadura – ocorreu somente durante quatro anos, de 1969 a 1973. Nesse período, o Brasil cresceu mais de 10% ao ano. Os militares tinham grandes projetos para a industrialização e o desenvolvimento do país: a Transamazônica; hidrelétricas como as de Itaipu e Balbina; a usina nuclear de Angra, incluindo um programa de enriquecimento de urânio; a ponte Rio-Niterói; o programa do etanol; uma empresa nacional petroquímica e de construção naval; uma indústria de aço e minério sob o comando da Companhia Vale do Rio Doce; a Zona Franca de Manaus; a fabricante de aviões Embraer; o instituo de pesquisa agrária Embrapa. Alguns desses projetos tiveram sucesso, e outros fracassaram.
Os custos gerados por tais projetos "faraônicos", como foram chamados, sobrecarregaram o Brasil por muito tempo. Eles eram financiados sobretudo com créditos estrangeiros. E então, nos anos 1970, subiram os preços do petróleo e depois, nos anos 1980, os juros. O Brasil logo foi à falência. O país precisou de uma década e meia, até 1995, para deixar para trás o caos dos planos econômicos fracassados, da hiperinflação e das crises monetárias. Os militares haviam se recolhido nos quartéis. Eles deixaram o trabalho de arrumar o país para seus sucessores democráticos.
A herança das políticas econômicas equivocadas dos militares pesa sobre a sociedade até hoje: durante a ditadura, construtoras coma a Odebrecht e outras empresas em torno da estatal Petrobras, com seus modelos de negócio baseados na corrupção, se transformaram em grandes players. Até recentemente, elas dividiam todos os contratos públicos entre si sem serem perturbadas.
Além disso, nos 21 anos de ditadura militar, as diferenças salariais aumentaram significativamente no Brasil. O Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, piorou de 50 para 60 – o que é muito. Na escala de Gini, zero significa que todos têm a mesma renda. Quanto maior o coeficiente, mais desigual é a distribuição de renda. Hoje, após quase três décadas de democracia, o Coeficiente de Gini voltou a ficar em cerca de 51. Isso faz com que o Brasil seja o número nove entre aqueles com distribuição de renda mais injusta do mundo.
A questão não é se um governo civil teria conduzido melhor a economia. Os militares mostraram que não conseguiram.
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Cliqueaquipara ler suas colunas.
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Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.