A polêmica entre série alemã "1899" e quadrinista brasileira
22 de novembro de 2022
Ilustradora acusa criadores da nova produção da Netflix de plagiarem uma de suas obras, publicada em 2016. Criadores da série negam, mas artista afirma que “caso já está sendo tratado legalmente”.
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O recente caso envolvendo a série alemã 1899, acusada de plágio por uma quadrinista brasileira, "já está sendo tratado legalmente”, comunicou nesta segunda-feira (21/11) a ilustradora Mary Cagnin através de seus perfis nas redes sociais.
No domingo (20/11), Cagnin, de 32 anos, usou o Twitter para apontar diversas semelhanças entre 1899, da Netflix, e seu trabalho Black silence, publicado em 2016.
"Está tudo lá: a pirâmide negra. As mortes dentro do navio/nave. A tripulação multinacional. As coisas aparentemente estranhas e sem explicação. Os símbolos nos olhos e quando eles aparecem", escreveu a brasileira, que já fez trabalhos ilustrados para editoras como Globo, Abril e Mol.
E acrescenta: "As escritas em códigos. As vozes chamando por eles. Detalhes sutis da trama, como dramas pessoais dos personagens, incluindo as mortes misteriosas.”
As alegações de Cagnin já foram compartilhadas dezenas de milhares de vezes, com diversas mensagens de apoio à brasileira — e outras em defesa dos criadores da série. Muitos viram semelhança entre as duas obras, enquanto outros identificaram apenas o uso de referências comuns no mundo da ficção-científica.
Criadores de 1899 negam plágio
A repercussão do assunto foi tão grande que viralizou até chegar aos criadores da nova produção, que, por sua vez, negaram as acusações."Infelizmente não conhecemos a artista, seja seu trabalho ou o quadrinho.”, escreveu o roteirista Baran bo Odar em sua conta no Instagram.
"Jamais roubaríamos de outros artistas, já que nós mesmos nos sentimos artistas. Também entramos em contato com ela na esperança de que ela retire essas acusações. A internet se tornou um lugar estranho. Por favor, mais amor em vez de ódio”, acrescentou.
Os produtores da série também se manifestaram em defesa dos criadores:
"Gostaria de ficar calado, mas ver os próprios criadores recebendo mensagens ofensivas, que basicamente os forçaram a dizer algo, está indo longe demais. Eles são duas pessoas incrivelmente talentosas e trabalham muito para criar suas próprias histórias originais", afirmou o perfil oficial da série por meio do Twitter.
A série mais cara da Alemanha
"O ano é 1899 e eventos misteriosos mudaram o rumo de um navio de imigrantes a caminho de Nova York. Agora, os passageiros terão que desvendar um enigma alucinante”, afirma a sinopse oficial de 1899. Com custos estimados em 50 milhões de euros para a primeira temporada, a série já é considerada a mais cara da história da Alemanha.
Criada por Jantje Friese e Baran bo Odar (autores também de Dark, que fez sucesso no Brasil), a série conta a história de uma embarcação com imigrantes de diferentes nacionalidades que vão da Europa para o Novo Mundo em busca de melhores condições de vida. A viagem toma um rumo sinistro quando eles encontram o Prometheus, um navio que desaparecera alguns meses antes sem deixar rastro.
Pouco antes da polêmica viralizar, os criadores de 1899 concederam uma entrevista à publicaçāo Hollywood Reporter, em que diziam de onde tiraram a inspiração para a série:
"Na verdade, a ideia surgiu há anos”, disse Friese, relembrando ter visto a foto de um homem em cima de algo que parecia ser um barco antigo. "Imediatamente, tive a ideia de que poderia ser um migrante em um navio. Mas o que aconteceu naquele navio? Essa era a grande questão”.
Ela prossegue: "Ao mesmo tempo, a crise dos refugiados estava acontecendo na Europa [por volta de 2015/2016] e era uma fase muito instável. […] Queríamos falar sobre a Europa, […] colocá-la em um navio, em um espaço confinado, com muito oceano ao redor, de onde não se pode escapar […]. Como as pessoas lidam com situações em que não conseguem falar a mesma língua? O que acontece quando você tem todas essas origens culturais diferentes, que são colocadas em um espaço como este? Foi isso que desencadeou o processo”, conta.
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O enredo de Black Silence
Black Silence, de Cagnin, é ambientada num futuro distópico pós-apocalíptico. A obra foi financiada pelo Catarse e recebeu o Troféu Angelo Agostini (Melhor Desenhista), além de 3 indicações ao Prêmio HQMix.
Na trama, "uma equipe de astronautas é convocada para fazer reconhecimento de um planeta que pode ser a única chance de sobrevivência dos seres humanos”, diz a sinopse do quadrinho na página da autora.
"Obviamente, Black Silence é uma obra curta, quase um conto.”, escore vou Cagnin no Twitter. "É muito fácil, em 12h de projeção da série, diluir todas essas ‘referências', mas a essência do que eu criei está lá.”
O mercado alemão de séries floresce, e não só com produções de emissoras locais. Gigantes como Sky, Amazon e Netflix apostam na estratégia de oferecer obras alemãs a um público internacional.
Foto: Netflix
"Dark", a primeira série alemã da Netflix
Em dezembro de 2017 estreou a primeira série alemã da Netflix para o mercado mundial. A temporada, de dez episódios, trata dos destinos de quatro famílias no interior da Alemanha: o sumiço de duas crianças desencadeia investigações que remontam até a década de 1950. A segunda temporada estreou em junho de 2019, e a terceira foi confirmada para 2020. Foi dublada e legendada em português brasileiro.
Foto: Netflix
Êxito artístico com "Im Angesicht des Verbrechens"
Muitos consideram "Im Angesicht des Verbrechens" (Diante do crime) a melhor série alemã da década: o épico de dois policiais investigando os círculos da máfia russa em Berlim. Contudo as vertiginosas sequências de cenas, enquadramentos sombrios e experimentos formais do diretor Dominik Graf foram ousados demais para parte do público, e a produção teve baixa audiência em 2010.
Foto: ARD/Julia von Vietinghoff
"Parfum", uma série criminal brutal e surpreendente
Em 2018, o canal alemão ZDFneo exibiu a série criminal Parfum (O Perfume), de seis episódios. Na trama, a brutal morte de uma antiga amiga leva um grupo a se reunir. Características específicas no cadáver fazem os amigos pensarem que somente um deles poderia ter cometido o crime. Fora da Alemanha, a produção foi disponibilizada pela Netflix, incluindo no Brasil, legendada e dublada em português.
Foto: Filmfest München 2018
How to Sell Drugs Online (Fast), tom de comédia para assunto sério
Em “How to Sell Drugs Online (Fast)”, que estreou em junho na Netflix, um estudante de uma pequena cidade da Alemanha, filho de um policial, decide vender drogas pela internet para se reaproximar da ex-namorada e arrasta o melhor amigo para o negócio. A série, em tom de comédia, foi dublada e legendada em português brasileiro e o título traduzido para "Como Vender Drogas Online (Rápido)".
Foto: picture-alliance/dpa/Netflix
"Weissensee": Berlim Oriental dos anos 80
Lançada em 2010, "Weissensee" é uma vitória da televisão alemã ao abordar temas da história recente. Tratando de duas famílias de Berlim Oriental na década de 1980, a produção da TV ARD teve boa audiência, já está caminhando para a quarta temporada e foi vendida para a Itália e a Rússia, entre outros mercados.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen
"Deutschland 83" e mais
"Deutschland 83" foi exibida em 2015 na Alemanha pelo canal privado RTL. Apesar de premiada no exterior, ela teve baixa audiência na TV comercial e, a sequência, “Deutschland 86”, foi disponibilizada apenas na Amazon Prime, em 2018. No Brasil, a série foi transmitida pelo +Globosat, com o título “Deutschland - Espião Novato” e segue disponível no Globoplay. Os autores já prometem “Deutschland 89”.
Foto: picture alliance/dpa/R. Hirschberger
"Cães de Berlim" e o submundo da capital alemã
Produzida pela Netflix, "Dogs of Berlin" (Cães de Berlim) estreou em dezembro de 2018. A trama mergulha na face sombria da capital alemã e tem como protagonistas dois policiais não convencionais: Kurt Grimmer, um ex-neonazista, e Erol Birkan, homossexual e de ascendência turca. A dupla investiga o assassinato do jogador de futebol turco-alemão Orkan Erdem. É dublada e legendada em português.
Foto: Netflix
"You are wanted" na Amazon
Antecipando-se por alguns meses à rival Netflix, a gigante americana do streaming Amazon Prime lançou em março de 2017 sua primeira série alemça, "You are wanted" (Você é procurado), protagonizada por Matthias Schweighöfer. Focando vigilância digital e teorias da conspiração, a série não encontrou aprovação unânime do público e crítica. Ainda assim, sua segunda temporada já está em preparação.
Foto: picture alliance / Stephan Rabold/Amazon/dpa
Clãs de Berlim em "4 Blocks"
A produção do diretor Marvin Kren pode ser considerada um sucesso entre as séries alemãs e entrará em sua segunda temporada. Tratando dos conflitos entre os clãs familiares rivais do bairro berlinense de Neukölln, ela foi lançada em maio de 2017, em seis episódios, pelo canal de TV a cabo TNT Serie. "4 Blocks" recebeu críticas entusiásticas, chegando a ser comparada à americana "Os Sopranos".
Foto: picture-alliance/dpa/Handout/2017 Turner Broadcasting System Europe Limited & Wiedemann & Berg Television GmbH & Co.
Opulência dos anos 20 em "Babylon Berlin"
Série mais cara da TV alemã, "Babylon Berlin", de 2017, exibida pela Sky, é a prova de que os roteiristas e cineastas alemães são especialmente bons ao abordar temas históricos. Com grande minúcia e em imagens opulentas, três cineastas, entre os quais Tom Tykwer, evocaram a Berlim dos anos 1920. A série já foi vendida para diversos países.
Foto: 2017 X Filme/Frédéric Batier
"Das Verschwinden": drama psicológico
As emissoras de direito público da Alemanha também têm se lançado com sucesso no universo das séries. Em outubro de 2017, a ARD apresentou "Das Verschwinden" (O desaparecimento), uma sinistra história passada na Alemanha, dirigida por Hans-Christian Schmid. Como em "Dark", o tema aqui é o sumiço de uma jovem, e o drama psicológico resultante.
Na trilha das rivais Amazon e Sky, a Netflix conseguiu ampliar com "Dark" a sua parcela no mercado alemão: ao lado de seu enorme sucesso global, a plataforma de streaming persegue a estratégia de aproximar-se ainda mais das plateias nacionais encomendando especialmente séries para os mercados específicos.
Foto: Netflix
Mundos obscuros
O suíço Baran bo Odar dirigiu a série "Dark", escrita a quatro mãos com sua esposa, Jantje Friese. Em 2010, ele levara às telas uma história semelhante: também "Das letzte Schweigen" (O silêncio) é um drama familiar em torno de um desaparecimento, que conecta duas diferentes gerações. "Dark", porém, é bem mais sombrio, numa encenação quase sufocante.