Joenia Wapichana, primeira deputada federal indígena do país, foi eleita por Roraima. Advogada, ela se prepara para barrar propostas que querem até vender terras indígenas.
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Dias depois de ser eleita a primeira deputada federal indígena do país, por Roraima, Joenia Wapichana está focada na prestação de contas. Os R$ 150 mil que recebeu do fundo partidário foram usados para visitar aldeias do estado, em que quase metade da área é indígena.
"É urgente termos representantes eleitos no Congresso Nacional. O cenário político não é nada favorável e estão tentando tomar o que temos de mais importante e o que conquistamos com muita luta: a nossa terra", disse à DW Brasil sobre o tema principal que debateu nas aldeias.
Dos cerca de 40 mil eleitores indígenas em Roraima - metade vive nas florestas - Joênia recebeu pouco mais de 8 mil votos. Sua ida a Brasília marca uma série de estreias: em sua primeira candidatura, inaugura a chegada de uma mulher indígena à Câmara dos Deputados em 194 anos de história da Casa, iniciada ainda no Império.
"Até há pouco tempo, sentíamos que éramos barrados de candidaturas assim por acharem que nós não tínhamos capacidade", diz Joenia. Formada em Direito pela Universidade Federal de Roraima, ela concluiu um mestrado na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, em Direito Internacional e Políticas Indígenas.
A vitória nas urnas repercute fora do país. "O mundo precisa de mais políticos que apoiem os povos indígenas e parem a marginalização que vem ocorrendo", opina Victoria Tauli-Corpus, Comissária da Nações Unidas para os Direitos Indígenas, em entrevista para a DW Brasil.
Tauli-Corpuz trabalha há anos em parceria com Joenia, que, como advogada brasileira, acompanha as discussões na ONU voltadas para a questão indígena. "Tenho certeza de que ela vai continuar lutando pela proteção dos territórios e respeito aos direitos", disse a comissária.
Com 20 anos de atuação em organizações indígenas, a candidata eleita pela Rede diz que, para vencer, foi preciso combater o costume da compra de votos em aldeias. "Em troca dos votos, muitos candidatos têm o ‘hábito' de oferecer R$ 100, cesta básica, bebida alcoólica, bola de futebol. É um roubo", denuncia Joenia.
Para a advogada, um dos maiores desafios em Brasília será a discussão da PEC 215, que tenta dar ao Congresso a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. A proposta, pronta para votação no plenário, foi feita em 2000 pelo deputado Almir Morais de Sá - eleito também por Roraima.
Por outro lado, Joenia já viveu batalhas difíceis em tribunais. Ela atuou no processo da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, concluído em 2009. Discutida desde 1917, a demarcação teve episódios de conflitos violentos desde o decreto que reconheceu o território, assinado em 1996.
"É inesquecível para nós que acompanhamos os conflitos, a violência, o choro das mulheres quando foram atacadas, quando colocaram fogo nas comunidades, passaram por cima com trator, quando balearam os indígenas, quando obrigaram as crianças pequenas a carregar sacos de feijão", recorda Joênia algumas cenas.
Com a demora na conclusão do processo, a terra passou por vários ciclos de invasão - garimpeiros, criadores de gado e, mais recentemente, arrozeiros.
Para as lideranças indígenas da Amazônia, o conflito não terminou. Foi depois da Raposa Serra do Sol que a interpretação que ficou conhecida como marco temporal ganhou força, alegam. Segundo essa ideia, a Constituição de 1988 funcionaria como um "marco": só poderiam reivindicar terras os povos indígenas que as ocupassem até essa data. No entanto, muitos dizem ter sido expulsos de seus territórios originais bem antes.
"No Congresso, temos que lembrar os valores que defendemos no caso Raposa Serra do Sol, os argumentos jurídicos, os posicionamento", diz Joenia. "Não podemos esquecer a nossa história. É isso que nos faz fortes para defender as nossas garantias institucionais."
Desde que concluiu a faculdade, em 1997, a deputada eleita abandonou o nome de batismo e adotou a etnia como sobrenome. Naquela época, Joênia Batista de Carvalho ficou conhecida como Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena formada em Direito.
"Para nós, na Amazônia, nossa identidade está na cara. Mas valorizar isso frente aos outros, aos não indígenas, é diferente. Quando eu digo que sou Joenia Wapichana, valorizo o povo, a identidade indígena", afirma.
Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.