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PolíticaItália

A prisão que pode levar Itália a limpar imagem de corrupção

19 de janeiro de 2023

O crime organizado quase não foi mencionado nas eleições italianas de 2022. Mas a prisão do chefe da máfia Cosa Nostra pode ajudar seu novo governo a limpar a imagem de corrupção e garantir fundos pós-pandemia da UE.

Polícia italiana prende Matteo Messina Denaro, um dos mafiosos mais procurados do paísFoto: Carabinieri/REUTERS

Após 30 anos, Matteo Messina Denaro – considerado o último chefe conhecido da Cosa Nostra, a máfia siciliana – foi preso nesta segunda-feira (16/01) pela polícia durante a visita a uma clínica para tratamento de câncer. Ele estaria esperando na fila para uma consulta médica quando um policial pediu sua identificação.

A polícia sabia que Denaro teria uma consulta no local. "Tudo levou [ao dia] que ele teria que vir para realizar alguns exames e tratamento'', disse Pasquale Angelosanto, chefe da polícia, para repórteres locais.

Há algum tempo circulavam rumores na Itália que sugeriam que Denaro estava doente. A partir daí, vários investigadores passaram a vasculhar bancos de dados de saúde para procurar uma pessoa que correspondesse à descrição do mafioso.

Todo o crédito pela prisão de Denaro vai para os investigadores do crime organizado, disse Felia Allum, especialista sobre crime organizado e corrupção da Universidade de Bath, no Reino Unido.

"É tudo muito bom para [a primeira-ministra italiana] Giorgia Meloni ir agora a Palermo e reivindicar o crédito [pela captura], mas o plano político e vontade política são diferentes do trabalho árduo desses investigadores", contou Allum. 

Denaro fazia parte da história da Cosa Nostra

Após a prisão, Meloni tuitou que a prisão havia sido uma grande vitória para o país, aparentemente em referência a uma época da história da máfia quando a Cosa Nostra empreendeu uma campanha terrorista contra o Estado italiano.

Allum afirmou que, quando o Muro de Berlim caiu, a Itália ficou sob pressão da União Europeia e partidos de protesto, e o sistema político começou a desmoronar. A máfia conseguiu evitar a maioria das repercussões legais por causa de acordos fechados anteriormente com certos patrocinadores políticos, segundo algumas evidências que surgiram em julgamentos. Mas, quando esses patrocinadores não conseguiram mais cumprir com esses pactos, a Cosa Nostra se vingou no início dos anos 1990.

Antonio Balsamo, chefe do Judiciário em Palermo, disse a repórteres na semana da prisão que Denaro havia liderado uma "estratégia terrorista de ataque ao Estado" principalmente em seu auge nos anos de 1992 e 1993.

A Cosa Nostra cometeu uma série de assassinatos e atentados de alto nível: assassinou o político Salvo Lima, os magistrados Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, e detonou bombas em espaços públicos de Milão.

"As pessoas falam de encerrar uma era. Mas Denaro mudou a máfia: a Cosa Nostra ficou muito mais camuflada e submersa que, até mesmo, chegou a desaparecer, porque ele entendeu que a melhor forma de fazer dinheiro era se tornando invisível", explicou Allum. "Se você está matando pessoas violentamente, como fizeram as máfias tradicionais, você então tem a atenção da polícia. Se você desaparece, pode fazer acordos com intermediários e facilitadores que irão lavar seu dinheiro etc."

Mas Denaro é apenas o último chefe conhecido da Cosa Nostra – e a máfia e o crime organizado na Itália e na Europa não são o que eram há 30 anos. Especialistas suspeitam que muitos outros chefes surgiram e desapareceram desde então, e oa submersão da Cosa Nostra significa que a prisão de Denaro pode não ser tão significativa quanto supõem.

O ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi (esq.) é suspeito de ter ligações históricas com a máfiaFoto: Alessandra Tarantino/AP Photo/picture alliance

O último dos antigos chefes da máfia tradicional

No entanto, a socidade italiana se preocupa com esses crimes cometidos no passado.

"Há vítimas daquele período que precisam ser reconhecidas", disse Anna Sergi, professora de criminologia da Universidade de Essex, no Reino Unido. "O nome de Matteo Messina Denaro será lembrado para sempre: ele é o último padrinho da Cosa Nostra tradicional de uma época em que tudo se resumia ainda ao seu chefe."

Naquele tempo, o chefe se transformava numa "superestrela", afirmou Sergi. "Isso, porém, não ocorre mais e nem acontecerá novamente".

"Eles aprenderam uma lição e submergiram. A nível administrativo na máfia, Denaro provavelmente não significava muito [mais]", contou Sergi. "Cada família em cada cidade e vilarejo seguiu seu próprio caminho. Eles têm atualmente uma atuação muito mais local."

Algumas, disse Sergi, estão envolvidas na distribuição de drogas na Itália, mas não na importação delas – que é principalmente controlada pelas máfias 'Ndrangheta ou Camorra em outras partes da Itália. Portanto, a Cosa Nostra, da Sicília, não tem esse alcance internacional.

No entanto, a prisão de Denaro ainda pode ter repercussões fora do país, e isso ainda pode causar preocupações do Judiciário e governo italiano.

"Denaro tem muito dinheiro e fez investimentos em outros países. Ele [criou] uma rede de facilitadores na Itália e Europa para lavar seu dinheiro. E outros membros da Cosa Nostra certamente devem estar usando essa rede", acrescentou Sergi.

Meloni (esq.), na foto com Ursula von der Leyen, quer apresentar uma Itália limpa e livre de corrupçãoFoto: Yves Herman/REUTERS

Por que Denaro foi preso só agora?

Ainda há uma pergunta intrigante: "por que a polícia prendeu Denaro só agora?"

Tudo leva a crer que investigadores sabiam que Denaro vivia no oeste da Sicília, perto de sua cidade natal, Trapani, e que estava realizando tratamento médico na capital, Palermo.

Mas por que as autoridades prenderam o mafioso apenas nesta segunda-feira, poucos meses depois de a Itália eleger um governo de extrema direita com Georgia Meloni na liderança? A coalizão de Meloni inclui o partido do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, um homem suspeito de ter ligações históricas com a máfia.

"Meloni é dura. Se Berlusconi espera uma garantia de proteção contra a máfia, não acho que ele conseguirá isso da primeira-ministra. Ela não está interessada nesse tipo de coisa", contou Ernesto Savona, diretor da Transcrime, um centro de pesquisa em Milão.

Mas a Itália precisa garantir sua economia "legítima" e protegê-la de ser "infiltrada" pela economia criminosa, acrescentou Savona. E sua prosperidade depende de bilhões de euros em fundos pós-pandemia da União Europeia.

"Eles estão preocupados que pelo menos parte desse dinheiro vá para os bolsos de organizações criminosas, aumentando o nível de corrupção", disse Savona. "Hoje, o crime organizado e a corrupção estão muito bem conectados e são a ligação entre advogados, contadores, políticos e criminosos."

Portanto, Giorgia Meloni teria o interesse de fazer a Itália parecer limpa. "Mas Meloni também deve levar em conta que as pessoas em seu partido podem ter ligações com o crime organizado, como muitas outras pessoas em partidos políticos", concluiu Savona. "Faz parte do negócio." E, com a máfia italiana, o tráfico de influência sempre foi profundo no país.

Zulfikar Abbany Ciência, com interesse especial por inteligência artificial e a relação entre tecnologia e pessoas.
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