Alemão radicado no Brasil, Hans-Joachim Dieter Struck nasceu em Berlim em 1941 e testemunhou a tomada da cidade pelos russos, episódio que marcou o fim do conflito mundial na Europa, em 8 de maio de 1945.
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"Ao longo de 1944, eu e meus dois irmãos moramos na fazenda da minha avó na Pomerânia, nos antigos territórios do leste da Alemanha. Havíamos sido evacuados de Berlim para escapar dos bombardeios. Foi uma época feliz. Eu não sabia o que era a guerra.
Só fui começar a entender o que era isso a partir de fevereiro de 1945, quando minha mãe nos trouxe de volta a Berlim para que escapássemos dos russos, que começavam a se aproximar do leste. Meu pai era só uma lembrança apagada. Eu o havia visto poucas vezes antes da sua captura pelos americanos em 1944, na Itália.
Quando chegamos à antiga estação de Anhalter, na região central de Berlim, a cidade havia acabado de ser bombardeada mais uma vez. Lembro-me de ver uma pilha enorme de malas ao lado dos trilhos. Em cima havia uma criança da minha idade. Ela estava sozinha e não parava de chorar. Provavelmente seus pais a haviam deixado ali em cima para que ela não se perdesse.
Não havia nenhum transporte funcionado nas redondezas da estação. Tivemos que percorrer a pé quase 15 quilômetros. No caminho, todos os prédios estavam em chamas. Meu irmão mais velho chorava porque não aguentava mais caminhar.
Quando chegamos em casa, minha mãe ficou radiante. Nosso prédio não havia sido destruído. Morávamos no segundo andar. Pelas próximas semanas, nossa rotina só era interrompida quando tínhamos que descer até o porão durante os bombardeios. Depois, quando os russos se aproximaram, a luta começou nas ruas do bairro. Acabamos mudando permanentemente para o porão com todos os vizinhos.
Durante os combates, patrulhas da SS buscavam por desertores escondidos. Todas as pessoas no porão ficavam apreensivas quando elas apareciam e sussurravam "SS! SS!". Na época, eu não sabia o que isso significava, mas a palavra parecia assustadora. Em uma das noites, uma das patrulhas arrancou à força um homem que havia se escondido no nosso porão. Depois, os adultos disseram que ele foi enforcado num poste em frente ao prédio.
No auge dos combates nas ruas, chegamos a ficar no porão por três semanas. Nos primeiros dias de maio, depois de muitas horas de silêncio, alguns adultos afirmaram que o pior parecia ter passado. As crianças, que tinham todas entre três e seis anos de idade, receberam permissão para brincar no jardim por alguns minutos. Ficamos felizes. Quando eu estava correndo com as outras crianças pela grama, ouvi um estrondo. Um morteiro havia atingido um dos meus amiguinhos. Eu estava a poucos metros e fiquei coberto com o sangue dele. O corpo ficou destroçado. A bomba o partiu praticamente em dois. Os adultos o levaram e nos mandaram voltar ao porão.
Só saímos novamente alguns dias depois, quando os russos ocuparam o bairro. Eram centenas. Uma tropa montou uma cozinha de campanha em um parque próximo. Eu e outras crianças íamos até lá de vez em quando para pedir comida. Os soldados russos eram simpáticos e riam bastante quando nos davam uma sopa ou um pedaço de pão. Eles nos obrigavam a comer na frente deles, para que ninguém pudesse levar qualquer alimento para os adultos.
Um dia, os russos ordenaram que saíssemos dos apartamentos para que eles fossem ocupados por oficiais. Passamos a acampar no jardim do prédio. Eu fiquei animado. Aquilo parecia uma colônia de férias para uma criança.
Um dia, minha mãe entrou no apartamento ocupado para buscar uma panela na cozinha. Ela voltou minutos mais tarde chorando. Ela contou muito depois que um soldado russo havia tentado estuprá-la. Ele só parou quando um oficial que havia escutado os gritos ordenou que ele deixasse minha mãe em paz. O soldado não queria obedecer, e então o oficial acabou disparando um tiro nele. Depois, o oficial disse, em alemão, segundo minha mãe: "Desculpe, senhora, nem todos os russos são porcos". Enquanto isso, outros soldados arrastaram o soldado ferido.
No fim de junho, os russos foram embora. Pela divisão da cidade estabelecida pelos Aliados, nosso bairro passou a ser ocupado por tropas francesas. Pudemos voltar para nosso apartamento. Entre os franceses, havia soldados africanos. Eles também eram simpáticos, e deram o primeiro pedaço de chocolate que comi na vida.
Parece estranho, mas nunca passávamos fome durante a guerra. Só depois dos combates é que a comida começou a faltar – e se tornou nossa obsessão diária. De vez em quando, íamos até a região rural de Berlim ou de Brandemburgo para pedir comida nas fazendas. Minha mãe me mandava na frente, imaginando que os fazendeiros fossem sentir mais pena de uma criança. Eu detestava ter que mendigar.
No final de 1945, meu pai voltou do campo de prisioneiros nos Estados Unidos. Nesse período, também começamos a abrigar nossos parentes que haviam sido expulsos das terras do leste da Alemanha que foram entregues aos poloneses. Eles eram os sobreviventes.
Em abril, os russos haviam matado dois tios e uma tia quando tomaram a fazenda da minha avó, aquela que eu havia deixado em fevereiro. Nem mesmo os prisioneiros ucranianos que trabalhavam nos campos foram poupados, já que eram considerados traidores por terem trabalhado para os alemães.
Nosso apartamento de quatro peças passou a ser ocupado por 11 pessoas, entre elas seis crianças – eu, meus irmãos e três primos (dois deles órfãos). Foi assim por quase quatro anos. A fome acabava gerando paranoia. Algumas vezes, tínhamos raiva dos adultos quando eles nos mandavam cedo para a cama e ficavam reunidos na cozinha. Achávamos que eles estavam escondendo comida.
Eu não me lembrava de como havia sido Berlim antes da guerra. Só conhecia suas ruínas. Por muito tempo a cidade foi apenas isso: montanhas de escombros repletas de pessoas procurando comida."
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Hans-Joachim Dieter Struck, ex-oficial da marinha mercante da Alemanha Ocidental e ex-empresário, se mudou para o Brasil em 1975. Vive hoje em Curitiba e dá aulas particulares de alemão. Ele concedeu esse depoimento para seu filho Jean-Philip Struck, jornalista da DW Brasil.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
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1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
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1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
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1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
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1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.