Anexação da península ucraniana em 2014 proporcionou ao governo russo índices de popularidade recordes. Cinco anos depois, a euforia desapareceu, e o apoio a Putin vai encolhendo entre o eleitorado.
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Quando círculos russos de especialistas falam num "efeito Crimeia" ou "bônus da Crimeia", usam o pretérito. O índice de popularidade do presidente russo, Vladimir Putin, voltou ao nível que tinha antes da anexação da península ucraniana. Chamada de "ocupação" por Kiev e "reunificação" por Moscou, a anexação está completando seu quinto aniversário.
Cinco anos atrás, homens mascarados e fortemente armados, sem distintivos, assumiram o poder na Crimeia. Então, em 16 de março de 2014, o governo russo realizou um referendo ilegal sobre a secessão daquele território da Ucrânia. Os resultados não foram reconhecidos internacionalmente. Em 18 de março de 2014, o líder do Kremlin selou unilateralmente a "adesão" da Crimeia à Rússia.
Isso provocou uma rara onda de euforia na Rússia. O índice de popularidade de Putin disparou, ultrapassando os 80%. Antes disso, ficava em torno dos 60%.
"Posso comparar isso a um frenesi", diz Nikolai Petrov, da Escola Superior de Economia, em Moscou. "Naquela época, em 2014, as pessoas tinham a sensação de que podiam tudo, de que tudo era permitido, e as pessoas estavam inebriadas com a própria grandeza recuperada, e o sentimento de preocupação diminuiu em igual proporção."
Konstantin Gaase, do Centro Carnegie de Moscou, acredita que o "efeito Crimeia" foi único e não é comparável a nenhum outro evento da história russa.
"Uma tentativa de repetir este efeito iria fracassar", diz Gaase. "Ele não se limita à propaganda. O ocorrido na Crimeia deu a muitos a chance de expressar abertamente o que não ousavam antes."
Desilusão entre pragmáticos
Alexey Titkov, da ONG Comitê de Iniciativas da Sociedade Civil, distingue dois grupos de russos que na época apoiaram as ações de Putin na Crimeia. Juntos, eles formam cerca de dois terços da população.
"Alguns são muito fortes na questão bélica, tendem a ter visões radicais, como interferência militar ou uma ruptura completa com o Ocidente", diz. Segundo o especialista, os outros são mais cautelosos e pragmáticos. Neste último grupo é que houve as maiores mudanças nos últimos anos.
O enfraquecimento do "bônus da Crimeia" começou a ser evidente, no mais tardar, em meados de 2018. Após o anúncio da reforma previdenciária, determinando um aumento na idade de aposentadoria, os índices de Putin caíram. Agora eles estão em torno de 64%.
Mas analistas afirmam que a desilusão já começou antes. "O número de pessoas que acreditam que as sanções [internacionais contra Rússia, aplicadas após a anexação da Crimeia] são prejudiciais já começou a crescer no final de 2014", afirma Titkov.
Quando as autoridades russas destruíram publicamente alimentos estrangeiros importados ilegalmente em 2015, muitos russos ficaram escandalizados. Eles continuaram apoiando a política externa do Kremlin, mas sentiam que a situação estava piorando cada vez mais.
A Crimeia não é mais um problema
A nova etapa no desenvolvimento da sociedade russa ainda não tem nome, mas as seguintes características: decepção, reavaliação, frustração. Até agora, o Kremlin ainda não encontrou nada que possa substituir o "efeito Crimeia". Uma maneira de aumentar o apoio popular seria uma luta dura contra a corrupção.
"Seria um cenário como o de Cingapura ou China", diz Titkov. "Mas os governantes atuais não podem implementá-lo, por várias razões, e estão limitados a casos individuais e a figuras políticas que são pouco importantes a nível nacional, como governadores ou prefeitos."
Juntamente com o "efeito da Crimeia", o debate social na Rússia sobre a quem pertence a península morreu completamente. Entretanto, ele nunca foi realmente incentivado. A maioria dos russos aceitou a anexação como um fato.
"Até mesmo a oposição quase parou de falar sobre isso", diz Gaase. Um dos críticos mais proeminentes da anexação da Crimeia era o ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov, que foi morto em 2015.
"Mas a questão territorial da Crimeia ainda é relevante e dolorosa para o sistema legal internacional", diz Gaase. Esse campo de tensão provavelmente será um dos maiores problemas da sociedade e do Estado russos nos próximos dez a vinte anos.
Em março de 2014, a Rússia anexou a Crimeia. Três anos depois, como está a península? O que mudou na vida das pessoas? E Putin cumpriu suas promessas?
Foto: DW/R. Richter
A ocupação da Crimeia
O presidente russo, Vladimir Putin, é comemorado como herói, e bandeiras russas substituíram as ucranianas. A transformação começou em fevereiro de 2014, quando pessoas de uniforme, mas sem insígnias, ocuparam os prédios do governo e do Parlamento em Simferopol, capital da República Autônoma da Crimeia, parte da Ucrânia. Mais tarde, também os quartéis ucranianos seriam ocupados.
Foto: DW/I. Worobjow
Referendo sobre a anexação
Apesar dos protestos e, contornando a Constituição da Ucrânia, em 16 de março de 2014, foi realizado um referendo sobre o estatuto da Crimeia. A entrega da Crimeia à Ucrânia pelo governo russo em 1954 não foi reconhecida, e decidiu-se pela anexação da península à Rússia.
Foto: Reuters
Tártaros da Crimeia
Quem rejeita a anexação pela Rússia, sofre perseguição. Isso acontece também com os líderes do Mejlis, o Congresso do Povo Tártaro da Crimea, que em 2016 foi considerado organização extremista. Buscas e detenções voltam a ser frequentes, tal qual em 1944, quando os tártaros da Crimeia foram deportados como "inimigos do povo" pelos soviéticos.
Foto: picture-alliance/dpa
Só programas russos
As transmissões das emissoras de televisão ucranianas foram interrompidas na Crimeia no começo de 2014. A população só tem acesso a programas russos. O ATR, canal independente dos tártaros da Crimeia, que defende a integridade territorial da Ucrânia, agora transmite a partir de Kiev. Muitos outros meios de comunicação também foram proibidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/A. Zemlianichenko
Difícil acesso
A lei ucraniana proíbe estrangeiros de entrar na Crimeia sem a permissão das autoridades de Kiev e que não seja pela área continental da Ucrânia. Ao infrator fica proibido viajar pelas demais partes da Ucrânia. Para chegar da Ucrânia à Crimeia, é preciso passar por postos de controle na fronteira administrativa, seja a pé ou de carro.
Foto: DW/L. Grishko
Sanções após a anexação
A União Europeia (UE) e os Estados Unidos não reconhecem a anexação. Eles até aconselham seus cidadãos a não comprar imóveis ou fazer negócios na Crimeia. Empresas da península não podem vender produtos à UE, nem aos EUA. Também foram impostas sanções a pessoas, empresas e organizações.
Foto: picture-alliance/Sputnik/A. Polegenko
Esperando o cumprimento de promessas
Quem votou a favor da anexação no referendo, esperava que Putin cumprisse suas promessas: uma ponte ligando a Crimeia à Rússia, um gasoduto e usinas de energia. Também problemas sociais seriam resolvidos. Os salários não acompanham a inflação. Mas relatos sobre o descontentamento e protestos localizados são divulgados apenas nas redes sociais e meios de comunicação independentes.
Foto: DW/R. Richter
Empreiteira de amigo de Putin
A construção de uma ponte no Estreito de Kertch até a Rússia está em pleno andamento. A obra, no valor de 3,7 bilhões de euros, está nas mãos do oligarca russo Arkady Rotenberg, amigo de Putin. Até o final de 2019, a ponte deverá estar pronta. Ela terá quatro pistas rodoviárias e duas faixas ferroviárias.
Foto: picture-alliance/Tass/V. Timkiv
Pequenos negócios
Empresas de pequeno porte da Crimeia sofrem com a redistribuição de propriedades em favor de empresários russos. A emissora Radio Liberty informou que o número de pequenas empresas na Crimeia diminuiu de 15 mil (2014) para 1 mil (2016). Também os proprietários de imóveis no litoral enfrentam problemas. Tribunais podem anular documentos emitidos antes da anexação.
Foto: DW/A. Karpenko
Grandes perdas no turismo
Na alta temporada, é tempo de praia na Crimeia. Mas o fluxo de turistas diminuiu quase 30% nos últimos três anos. As rotas ferroviárias estão interrompidas e os voos são caros. Devido às sanções impostas pela UE, navios de cruzeiro não atracam mais na Crimeia.
Foto: DW/A. Karpenko
Tesouros históricos
As joias arqueológicas e as armas dos citas, antigo povo de pastores nômades que povoaram a região na Antiguidade Clássica, não poderão mais retornar à Crimeia. No final de 2016, um tribunal holandês decidiu que a rara coleção de 550 artefatos de museus da Crimeia deveria ser dada a Kiev. Os tesouros são parte de uma mostra que estava na Europa Ocidental quando ocorreu a anexação da Crimeia.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Maat
Quem ganhou com a anexação
Desde a anexação, os moradores da Crimeia só podem comprar cartões para telefone, por exemplo, se portarem um passaporte russo. Quem ganhou com a anexação foram aposentados com passaporte russo. As aposentadorias foram equiparadas às vigentes na Rússia, e a idade da aposentadoria para mulheres baixou de 60 para 55 anos.