"A revolução dos bichos" de Orwell: quem são os porcos?
Stefan Dege ip
17 de agosto de 2020
Obra do jornalista e escritor britânico aborda a revolução soviética de forma satírica. Apesar de ter sido escrito nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial, romance segue mais atual do que nunca, 75 anos depois.
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A fábula de George Orwell se passa numa fazenda: "O Sr. Jones, proprietário da Granja do Solar, fechou o galinheiro à noite, mas estava bêbado demais para lembrar-se de fechar também as vigias".
É com palavras simples que o britânico George Orwell (1903-1950), cujo nome verdadeiro era Eric Arthur Blair, começa sua narrativa sobre os animais de uma fazenda que planejam uma revolução contra o proprietário explorador. O mestre da crítica social jamais poderia imaginar que A revolução dos bichos se tornaria um clássico da literatura política.
Orwell escreveu o livro entre fins de 1943 e 1944. Em seu país natal, porém, ele não encontrou nenhuma editora que o publicasse, pois o que a princípio parecia uma história infantil inofensiva era, na verdade, uma sátira sombria e uma dura acusação contra a ditadura de Stalin na União Soviética.
E como a URSS era aliada do Reino Unido contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial ainda em curso, a publicação de tal história não parecia nada oportuna. Em 1945, Animal Farm foi finalmente lançada pela Secker & Warburg.
Alguns são mais iguais que os outros
E de que trata a fábula? Com um discurso impressionante, o idoso e respeitado javali Velho Major abre os olhos dos animais da fazenda para a incompetência do proprietário Sr. Jones, um fazendeiro constantemente bêbado, e classifica os humanos como exploradores que precisavam ser expulsos por uma revolução. Mas ele também adverte sobre o risco de se tornar igual aos humanos: "Todos os animais são iguais, independentemente de sua força ou inteligência."
Quando o Velho Major morre logo após o discurso, os animais aproveitam a oportunidade para expulsar o fazendeiro Jones da fazenda, sob a liderança dos porcos Napoleão e Bola de Neve. No começo, todos os animais governam juntos e tudo fica melhor: eles trabalham duro porque trabalham para si próprios e são solidários uns com os outros.
A Granja do Solar é então rebatizada Granja dos Bichos. Os espertos porcos, porém, logo assumem o comando e gradualmente transformam sua supremacia em ditadura, ofuscando tudo aquilo de que os animais queriam se livrar. Os porcos justificam seu poder com o slogan: "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros".
As diferenças entre humanos e porcos como governantes se diluem no final do romance – também de forma visual. Os outros animais da fazenda não conseguem mais reconhecer quem é gente e quem é porco, ou quem é capitalista e quem é socialista.
A revolução dos bichos descreve o curso de uma revolução condenada ao fracasso. Orwell acreditava que as revoluções são capazes de mudar o poder de mãos. As estruturas sociais básicas, entretanto, permanecem intocadas: os poucos poderosos continuam a explorar uma maioria sem direitos.
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CIA compra direitos do filme
A revolução dos bichos foi estritamente proibida na União Soviética e seus Estados-satélites. E no entanto George Orwell era um esquerdista convicto: membro do Partido Trabalhista Independente inglês, que na Guerra Civil Espanhola chegou a lutar nas fileiras do Partido Operário de Unificação Marxista (POUM), um grupo comunista visto como concorrência pelo stalinismo soviético.
A primeira tradução alemã do livro apareceu em 1946. Na República Democrática da Alemanha (RDA), no entanto, o livro extremamente desconfortável permaneceu censurado até a queda do Muro de Berlim e a dissolução da Alemanha Oriental, em 1989, assim como outra obra de Orwell, 1984.
Após a morte de Orwell, em 1950, o serviço americano de inteligência CIA comprou os direitos do filme para ganhar vantagem contra a União Soviética na Guerra Fria. O desenho animado A revolução dos bichos foi produzido no Reino Unido entre 1951 e 1954 por John Halas e Joy Batchelor.
Embora guiando-se basicamente pelo original, o enredo desemboca numa segunda revolução contra o domínio dos porcos. Afinal, em plena Guerra Fria, a CIA dificilmente deixaria capitalistas e socialistas em condição de pé de igualdade, como Orwell fez no final do romance.
Na adaptação cinematográfica de 1999, John Stephenson mudou o enredo consideravelmente ao incorporar o colapso da União Soviética em 1989 e terminar com um final feliz próprio para crianças: após anos sob o domínio dos porcos, novos humanos reassumem o controle da fazenda. Os animais gritam: "... e finalmente ficamos livres!"
Com seus livros, o jornalista e escritor britânico George Orwell queria chamar a atenção para as mazelas políticas, muitas vezes empregando para tal a forma de sátira. A revolução dos bichos e 1984, publicado em 1949, estão entre suas obras mais famosas. Neste último, ele também demonstrou o que significa viver num Estado autoritário em que há vigilância total e onde os cidadãos são manipulados pela propaganda.
A revolução dos bichos é uma fábula que se encaixa em qualquer sistema totalitário. E que, apesar de seus 75 anos de existência, permanece tristemente atual.
13 livros famosos – e vítimas da censura
O que têm em comum os Irmãos Grimm, George Orwell, Paulo Coelho, Anne Frank e o dicionário Webster's? Todos eles foram, algum dia, censurados em alguma parte do mundo. Os motivos, por vezes, desafiam a imaginação.
Foto: picture-alliance/dpa/PA I. Nicholson
"O alquimista", Paulo Coelho
O "fenômeno entre os best-sellers" era popular também no Irã até ser banido pelo governo em 2011, junto com os demais livros do brasileiro. Nunca houve uma justificativa oficial, mas muitos atribuem a interdição a um vídeo de 2009 em que o editor iraniano de Coelho, Arash Hejazi, tenta salvar a vida de uma jovem baleada em Teerã durante os protestos pós-eleições.
"Harry Potter", J.K. Rowling
A série de as aventuras do jovem mago no combate às forças obscuras liderou as listas de best-sellers de 2000 a 2009. Mas também enfrentou apelos frequentes de censura por grupos religiosos. Muitos leitores cristãos dos EUA os tacharam de "satânicos"; um certo reverendo de Pittsburgh chegou a queimar exemplares em público. "Harry Potter" foi também banido das escolas nos Emirados Árabes.
Foto: picture-alliance/dpa/dpa-Film Warner
"Contos", dos Irmãos Grimm
Grande parte dos livros banidos em diversas partes do mundo, pelas mais variadas razões, são histórias para crianças. Os famosos "Contos infantis e caseiros" coletados por Jacob e Wilhelm Grimm não são exceção: em 1989, por exemplo, uma escola da Califórnia proibiu uma versão de "Chapeuzinho Vermelho" – culpa do vinho que ela leva para confortar a Vovozinha.
Foto: Imago/United Archives
"James e o pêssego gigante", Roald Dahl
Também este clássico da língua inglesa publicado em 1961 foi vítima da liga dos moralistas. Nos anos 90, as aventuras mágicas de um pequeno órfão nas nuvens foram atacadas por empregar o termo "ass" ("asno" em inglês, mas também "traseiro" nos EUA), assim como por referências a tabaco e uísque. Um livreiro de Toledo, Ohio, chegou a afirmar que o autor britânico propagava o comunismo.
"Onde vivem os monstros", Maurice Sendak
O pequeno Max se comporta mal, é mandado para a cama sem jantar e vê seu quarto se transformar numa misteriosa selva cheia de criaturas maliciosas. A versão original em inglês do livro ilustrado contém só 338 palavras – o que não o impediu de ser criticado por seu "conteúdo obscuro". Na década de 60 o psicólogo Bruno Bettelheim o rotulou de "psicologicamente danoso para crianças de 3 e 4 anos".
Foto: picture alliance/dpa/Newscom
"O maravilhoso Mágico de Oz", L. Frank Baum
Publicado em 1900, mais de uma vez o romance fantástico americano enfrentou problemas nos EUA. Em 1928 foi banido das bibliotecas de Chicago por "retratar mulheres em papéis de liderança forte", e de 1957 a 1972 em Detroit, por alegações semelhantes. Até hoje certos grupos sustentam que ele promove a bruxaria.
"Mefisto", Klaus Mann
A história do ambicioso ator Hendrik Höfgen, que se filia aos nazistas que acabam de tomar o poder, foi lançada em 1936 na Holanda, mas só 20 anos mais tarde encontraria editor na Alemanha. Nos anos 60 e 70 o romance foi objeto de processos, por se basear na vida de Gustaf Gründgens, o ator mais influente da República de Weimar.
"Coração das trevas", Joseph Conrad
O livro de 1902 do autor anglo-polonês expõe o lado atroz da colonização belga no Congo. Em parte autobiográfico e abordando racismo e imperialismo, ele foi banido de diversas escolas nos EUA devido a seu conteúdo violento e o emprego da palavra "nigger" ("crioulo"). Entre as diversas adaptações que inspirou, a mais famosa é "Apocalypse Now", de Francis Coppola, ambientada na guerra do Vietnam.
Foto: picture-alliance / KPA Honorar & Belege
"Revolução dos bichos", George Orwell
A famosa sátira publicada em 1945 reflete sobre a Revolução Russa e o regime soviético. Como não é de espantar, foi proibida pelos soviéticos e entusiasticamente promovida pela CIA durante a Guerra Fria. Hoje, o romance breve é leitura obrigatória em muitas escolas e foi adaptado para o rádio, teatro e em filmes com atores e de animação.
"O diário de Anne Frank", Anne Frank
No "livro que deu um rosto humano ao Holocausto", a jovem alemã confidencia ao diário suas experiências em dois anos escondida dos nazistas com a família no anexo secreto de uma casa de Amsterdã. Em 1945, ela morreria de tifo no campo de concentração de Bergen-Belsen. Passagens de conteúdo sexual da versão integral geraram protestos em 2010, em Virgínia, e três anos mais tarde em Michigan.
Foto: Internationales Auschwitz Komitee
"Lolita", Vladimir Nabokov
O romance do autor anglo-russo sobre um professor de meia-idade obcecado por uma adolescente de 12 anos desencadeou polêmica internacional. "Lolila" foi banido não só na França, seu país de lançamento em 1955, mas também na Austrália. E contribuiu para o fim da carreira do político britânico conservador Nigel Nicolson, cuja casa editora o publicou no Reino Unido.
"Frankenstein", Mary Shelley
Unindo ficção científica, horror e filosofia, o romance gótico inglês de 1818 transcende os gêneros, e dividiu opiniões com suas referências a Deus. Depois de controvérsias religiosas dos EUA, a saga do cientista Dr. Victor Frankenstein – um "Prometeu moderno" que cria um ser vivo de partes de cadáveres – foi banida pelo regime de apartheid da África do Sul, tachada de "objetável e obscena".
Dicionário de inglês
"Zyzzyva", gênero de um besouro tropical americano, é a última palavra em muitos dicionários ingleses e, diz-se, o verdadeiro assassino deste livro. Por trás da piada, porém, há histórias verdadeiras de proibição: a 10ª edição do Merriam Webster's foi retirada em 2010 de diversas salas de aula da Califórnia por conter definições explícitas de práticas sexuais.