"A Ronda Noturna", de Rembrandt, ganha dimensões originais
24 de junho de 2021
Com ajuda da inteligência artificial, pesquisadores reconstroem partes da famosa obra do pintor holandês que foram cortadas fora em 1715.
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Pela primeira vez em 300 anos, visitantes do Rijksmuseum, em Amsterdã, poderão apreciar a famosa ARonda Noturna, de Rembrandt, no seu tamanho original. Com base em uma pequena cópia do século 17 e a ajuda de inteligência artificial, cientistas conseguiram reproduzir as partes que faltavam, que foram então impressas e montadas em torno da famosa obra de arte.
O minucioso trabalho de reconstrução revelou o verdadeiro dinamismo da composição original, com os dois personagens centrais da pintura, o capitão Frans Banninck Cocq e o tenente Willem van Ruytenburch, agora posicionados mais à direita. Também foram recuperadas as figuras perdidas de dois homens e um menino que se encontravam na parte esquerda do quadro, onde foi cortada uma tira de 60 cm.
Inteligência Artificial encontra a Arte
Embora seja hoje considerada uma das maiores obras-primas da Idade de Ouro Holandesa, a tela sofreu cortes em todos os seus quatro lados durante uma mudança feita em 1715 para caber em uma parede entre duas portas. As tiras retiradas jamais foram encontradas, mas a versão original foi registrada numa cópia feita por outro artista da época. Restauradores e cientistas da computação a usaram então, combinada com o estilo de Rembrandt, para recriar as partes que faltavam.
A solução foi "enviar inteligência artificial para a escola de arte", disse Robert Erdmann, especialista do Rijksmuseum, responsável pelo projeto.
Para isso, o primeiro passo foi fotografar de forma minuciosa tanto a pintura de Rembrandt quanto a cópia, atribuída à Gerrit Lundens e datada de cerca de 1655. Em seguida, os pesquisadores redimensionaram as imagens para que ficassem do mesmo tamanho e removeram distorções de perspectiva presentes na cópia de Lundens, pois o artista estava sentado em um canto enquanto pintava a pintura de Rembrandt.
Com a ajuda da inteligência artificial, os computadores então "aprenderam" quais foram as cores utilizadas por Rembrandt e como eram suas pinceladas. Por fim, a imagem foi impressa em tela, envernizada e, em seguida, colocada em quatro armações de metal localizadas ao redor da pintura de forma a sobrepor a tela original sem tocá-la.
"Foi um verdadeiro prazer ver a pintura restaurada. Isso realmente muda toda a composição", enfatizou Erdmann.
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Alvo de vandalismo
Rembrandt pintou A Ronda Noturna em 1642, sob encomenda de Cocq, o prefeito e líder da guarda cívica de Amsterdã, para representar os oficiais e outros membros do grupo.
A amputação da pintura não foi o único ato de vandalismo cometido na grande obra do mestre do claro-escuro. Ao longo dos anos, a tela já teve a camada de verniz riscada por um homem em 1911, foi atacada com uma faca por um desequilibrado mental em 1975 e borrifada com ácido em 1990.
O Rijksmuseum, que recentemente reabriu suas portas após a flexibilização das medidas contra o coronavírus, exibirá agora a obra completa, como parte de um amplo projeto de restauração da tela lançado em 2019 e batizado de "Operação Ronda Noturna".
ip/as (AFP, AP, Reuters)
A fase tardia de Rembrandt
É difícil de acreditar, mas as lendárias obras tardias de Rembrandt nunca foram expostas. Em Amsterdã, o Rijksmuseum inaugura a mostra das telas pintadas em 1669, ano da morte do pintor holandês.
Foto: Rijksmuseum
O observador está na tela
No século 17, os retratos em grupo eram um gênero comum na Holanda. Mas a tela "A Gilda dos Tecelões" de 1662 se diferencia das demais. Rembrandt foi muito bem-sucedido ao retratar cada membro do sindicato de tecelões, mas também ao fazer o observador se sentir como se participasse da cena.
Foto: Rijksmuseum
Silêncio e intimidade
Rembrandt foi um pintor requisitado na época de ouro da Holanda. Em 1642, porém, seu trabalho e sua vida sofreram um baque: a morte de sua mulher e uma crise financeira o tiraram dos eixos. O estilo tardio do pintor, que começou por volta de 1651, revela pinceladas mais largas e figuras que parecem varridas, o que deixa a cena mais intimista, como se pode ver em "A noiva judia" (foto).
Foto: Rijksmuseum
A arte acima de tudo
Rembrandt criava um laço de proximidade com seus modelos, mesmo quando se tratava de uma tela encomendada, como se pode ver no caso de "A noiva Judia" e "Retrato de família", ambas pintadas em 1665, que retratam provavelmente as mesmas pessoas. O gesto entre o homem e sua mulher demonstra a relação de confiança com o pintor e mostra como Rembrandt dava importância aos detalhes.
Foto: Erik Smits
Fase tardia propensa à experimentação
Certos experimentos observados em telas, estampas e gravuras aparecem apenas na fase tardia de Rembrandt. Ele utilizou uma espátula para raspar as cores da paleta e criar uma estrutura com camadas pastosas de tinta. Na tela "Retrato de Família" pode-se ver algumas dessas técnicas, que são provas de alta modernidade.
Foto: Herzog Anton Ulrich Museum, Braunschweig
Ilusão de um momento
A pintura "Titus van Rijn escrevendo" mostra claramente do filho de Rembrandt, Titus. O pintor captura o olhar compenetrado do menino: por um momento, o sonhador Titus desvia os olhos da escrivaninha. Rembrandt mais uma vez chega muito próximo de seu modelo e nos mostra um lado terno do personagem.
Foto: Museum Boijmans van Beuningen, Rotterdam
Coragem para deixar inacabado
O amigo de Rembrandt Jan Six contempla direta e atentamente o observador. Na tela, Jan aparece tirando as luvas no momento em que o pintor dá de mão no pincel e captura a cena. Curiosamente, Rembrandt retrata o rosto com riqueza de detalhes, enquanto o casaco e as luvas parecem que não foram acabados. Assim, o observador se sente motivado a terminar de pintar o quadro com a própria imaginação.
Foto: Collection Six, Amsterdam
Efeito dramático
A habilidade de Rembrandt não se restringia à pintura. Principalmente na fase tardia ele começou a experimentar outros processos de arte. Ele arranhava placas de cobre com uma ponta-seca. Em vez de retirar a tinta das partes sem qualquer indentação, ele a espalhava. Essa técnica criou um efeito dramático na gravura "As três cruzes" de 1653.
Foto: Rijksmuseum
Fuga à norma
Na época de Rembrandt, a pintura era regida por fortes convenções, como o melhor momento para se representar uma história. Rembrandt não se prendia a elas. Um exemplo disso é a tela "A bênção de Jacó aos filhos de José", de 1656. A cena mostra o momento em que Jacó abençoa seu neto mais novo, e não o mais velho. José aparece contente, diferente da interpretação de outros artistas.
Foto: Gemäldegalerie Alte Meister, Staatliche Museen, Kassel