A capital alemã foi palco de uma série de protestos ambientalistas, que paralisaram o trânsito por dias. A atitude pacífica dos policiais, que chegaram a trocar elogios com manifestantes na internet, foi um ponto alto.
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Durante a última semana, Berlim foi palco de diversos protestos do movimento ambientalista Extinction Rebellion (Rebelião da Extinção), com bloqueios de importantes cruzamentos e pontes que duraram dias. As manifestações pelo clima visam chamar atenção para o problema do aquecimento global, paralisando sobretudo os meios de transportes mais poluentes.
Bloqueios interromperam, por exemplo, o trânsito por 58 horas no cruzamento da Grosser Stern, por 24 horas na Potsdamer Platz, e por mais de 50 horas na ponte Marschall, próximo ao Parlamento alemão. Para mim, o que mais chamou atenção durante essa semana foi a atitude da polícia diante dos protestos ambientais.
Diferente do que esperavam alguns comentaristas de redes sociais, em nenhum momento a polícia berlinense fez uso da violência para acabar com os bloqueios. Serenidade foi a ordem dada a policiais para agir diante dos manifestantes. Houve algumas ações de desocupação durante a semana. A primeira foi na Potsdamer Platz ainda na segunda-feira passada, quando policiais carregaram, um a um, 480 ativistas que estavam sentados no cruzamento. A ação, porém, foi interrompida, pois havia mais de mil pessoas no protesto.
Na maioria dos casos, os bloqueios foram terminados após um consenso entre policiais e manifestantes. Os poucos que ficavam, alguns que haviam se colado com cola instantânea na rua ou pontes, eram retirados por policiais e bombeiros. Nas ações, não foi disparada nenhuma bala de borracha ou gás lacrimogêneo.
Em outros casos, policiais faziam vista grossa para iminentes bloqueios, como no caso da avenida Kurfürstendamm. O protesto foi autorizado numa pequena praça, que foi cercada por agentes de segurança. Um tempo depois, vários ativistas começaram a se juntar do outro lado da rua. Era óbvio que, em algum momento, o cruzamento seria bloqueado. Os policiais presentes pareciam não ver o movimento dos manifestantes. Quando o trânsito foi paralisado, três policiais que estavam perto de onde eu estava comemoraram a ação dos ativistas.
Durante toda a semana, ativistas do Extinction Rebellion e policiais trocaram elogios nas redes sociais e demonstraram respeito mútuo. O principal responsável por essa atitude da polícia foi o secretário do Interior de Berlim, Andreas Geisel, que comanda a instituição. No primeiro dia das manifestações, ele afirmou que bloqueios espontâneos seriam tolerados, se não houvesse atos de violência.
Depois, em entrevista à emissora de televisão local RBB, Geisel, do Partido Social-Democrata (SPD), defendeu a atitude pacífica da polícia, que vinha sendo criticada por integrantes do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que nega as mudanças climáticas, e pelos liberais. As duas legendas queriam uma "abordagem mais rigorosa" contra os manifestantes.
Geisel afirmou que a polícia estava protegendo o direito de protestar e que deveria agir com serenidade profissional para evitar a escalada das manifestações. O secretário destacou que medidas mais fortes poderiam ter deixado feridos. "Os anos 1980 acabaram. Na época, o cassetete era uma resposta, que mostrou que deixava muitos feridos nas ruas, inclusive policiais. Quis evitar isso", disse, acrescentando que a democracia deve suportar manifestações.
A serenidade profissional adotada por Geisel se revelou, no fim, a atitude mais correta diante dos protestos. O uso da violência contra manifestantes poderia ter escalado a situação de uma maneira sem precedentes, levando para as ruas não somente os ativistas ambientais e deixando dezenas de feridos. Berlim poderia voltar a ser palco de protestos violentos como os de Primeiro de Maio registrados na década de 1980 ou 1990, algo que ficou para trás há muito tempo.
Além disso, a violência contra os manifestantes poderia inclusive causar o colapso do governo de coalizão berlinense, pois o Partido Verde e a legenda A Esquerda, que governam ao lado do SPD, apoiam as causas defendidas pelo Extinction Rebellion.
Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.
Quando a música se envolve na política
Concerto na fronteira da Venezuela angaria doações para o país em crise. Mas astros da música se empenharem por causas humanitárias e políticas é uma prática de longa tradição. Alguns casos que fizeram história.
Foto: picture-alliance/MediaPunch/P. Tarnoff
1969: Woodstock, hippies e rebeldia
O Festival Woodstock, nos EUA, definiu o espírito de uma época entre "flower power" e protesto político. O show com que Jimi Hendrix encerrou o evento, com grande atraso, ficou inesquecível para muitos: com selvagens distorções em sua guitarra, microfonia e outros efeitos, o roqueiro acompanhou o hino nacional americano com sons de bombardeios e metralhadoras, numa crítica à guerra do Vietnã.
Foto: picture-alliance/MediaPunch/P. Tarnoff
1985: Ajuda para a África
O maior evento de rock de todos os tempos foi por uma excelente causa: o Live Aid realizou-se em parte no Estádio de Wembley, em Londres, tendo como clímax um show da banda Queen. Ao mesmo tempo transcorria um outro concerto na Filadélfia, nos Estados Unidos. Ao todo, os organizadores Bob Geldof e Midge Ure arrecadaram mais de 100 milhões de euros para as vítimas da fome na África.
Foto: picture-alliance/dpa/N. Försterling
1987: Um concerto para Berlim
No Concert for Berlin, apresentaram-se, diante do prédio do Reichstag, superstars como David Bowie e os grupos Eurythmics e Genesis. A metrópole completava os 750 anos de sua fundação: por relativamente modestos 50 marcos (cerca de 25 euros), os fãs puderam assistir durante três dias alguns dos maiores nomes da música pop. Enquanto isso, um outro espetáculo transcorria do outro lado do Muro.
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1987: Cassetetes contra Bowie
A música da Alemanha Ocidental soava para além do Muro de Berlim, pelo Leste adentro, onde muitos jovens não queriam perder de jeito nenhum a apresentação de David Bowie. A intenção dos promotores do evento fora mesmo unir com o rock as duas metades da cidade. Porém, o governo comunista da Alemanha Oriental não gostou nem um pouco, e a polícia investiu de cassetete em punho contra os jovens.
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1988: Concerto e "anticoncerto"
No ano seguinte, o "rei do pop" Michael Jackson apresentou-se em Berlim Ocidental. Mas desta vez o governo da RDA havia se preparado: para evitar um novo escândalo, realizou-se paralelamente em Berlim-Weissensee um grande concerto com Joe Cocker e Bryan Adams, entre outros. A tática de distração funcionou, e os eventos transcorreram basicamente tranquilos.
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1988: Liberdade para Mandela
Em 11 de junho de 1988, o Estádio de Wembley, em Londres, foi palco de dez horas de músicas de rock em homenagem ao 70º aniversário de Nelson Mandela. A essa altura, o ativista sul-africano já passara 25 anos encarcerado, e só seria libertado em 1990. Os shows de Sting, Phil Collins, Peter Gabriel e Whitney Houston foram transmitidos para 60 países – a África do Sul não estava incluída.
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2003: Música contra o HIV
Para alertar sobre os efeitos do vírus HIV e da aids, a Fundação Nelson Mandela promoveu a campanha "46664" – o número do ativista sul-africano na prisão. O próprio Mandela (esq.) esteve presente no primeiro e maior concerto da campanha em 2003, na Cidade do Cabo. Astros de porte mundial, como Bono, do U2 (no centro), Anastacia e Beyoncé, cantaram para mais de 40 mil espectadores.
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2005: Combatendo a pobreza
Vinte anos após os espetaculares shows beneficentes do Live Aid, em Londres e Filadélfia, Bob Geldof promoveu mais um evento, pouco antes da cúpula do G8, na Escócia, cujo tema era a ajuda humanitária para os países africanos. Nos concertos do Live 8, em 11 locações espalhadas por quatro continentes, ele clamava: "Make Poverty History" (Faça a pobreza virar história).
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2010: Esperança para o Haiti
Após um terremoto que devastou o Haiti, numerosos artistas recolheram doações para os sobreviventes. Entre os que participaram do evento A Song of Hope for Haiti, na República Dominicana, esteve Luis Fonsi (foto). Mas também em Los Angeles e Londres apresentaram-se pop-stars como Coldplay, Rihanna e Justin Timberlake.
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2018: "Nós somos mais"
Poucos dias após os graves choques na cidade alemã de Chemnitz, na Saxônia, em que extremistas de direita atacaram imigrantes, diversos músicos alemães levantaram a bandeira contra a ultradireita num grande concerto. Sob o slogan #wirsindmehr (Nós somos mais), bandas como Feine Sahne Fischfilet (foto), Die Toten Hosen e K.I.Z. levaram mais de 65 mil espectadores até a cidade no leste alemão.