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A surf music berlinense de Kid Simius

Marco Sanchez22 de abril de 2014

Entre o hip hop, o punk e a música eletrônica, o espanhol é um dos mais empolgantes nomes da híbrida cena musical da capital alemã. Em "Wet Sounds", seu novo disco, ele cria um novo estilo musical: a surf'n'bass.

Foto: Georg Roske

A vida do espanhol José Garcia Soler parece um labirinto de fantásticas contradições. O prolífico músico divide seu tempo entre os grandes palcos e festivais da Alemanha e da Europa, como tecladista da banda do rapper Marteria, e os pequenos palcos e clubes alternativos de Berlim como Kid Simius, seu projeto solo.

Sons e influências contraditórias são a principal matéria-prima do músico para criar uma sonoridade própria e original. Algo que fica evidente no mais recente disco, Wet Sounds, que surpreendentemente entrou nas paradas alemãs.

"Tudo isso é muito louco porque lancei meu disco pelo meu próprio selo, e é um álbum de surf music instrumental! Mas é a mesma sensação que tenho ao tocar para 5 mil pessoas com o Marteria e, no dia seguinte, estar num palco na frente de 200 pessoas. São sensações distintas, mas ambas são muito boas", disse Kid Simius à DW Brasil.

Surpreendentemente, o ensolarado Wet Sounds nasceu no estúdio do músico no cinzento bairro de Lichtenberg, no leste de Berlim. "Queria fazer um disco conceitual que criasse uma sonoridade só minha, um som próprio que refletisse quem eu sou. Não sou alemão, sou de outra cultura, queria adaptar isso à minha música eletrônica", conta o espanhol.

De Granada Punk City a Berlim Eletronic City

Kid Simius nasceu em Granada, no sul da Espanha. Aos 15 anos começou a tocar violão e pouco tempo depois começou a ouvir intensamente música eletrônica. "Era difícil encontrar gente que gostava da mesma música que eu. Então decidi tocar sozinho, e a música eletrônica é a melhor maneira de se fazer música sem alguém", explica o músico, que começou a aprender outros instrumentos para incrementar sua sonoridade. "Aprendi a tocar guitarra e piano porque sempre gostei de música orgânica."

O espanhol trocou Granada por BerlimFoto: Georg Roske

A atitude punk sempre o acompanhou. "O importante é ter algo a dizer. A filosofia é que a técnica tem que estar a serviço da ideia, e não ao contrario. Não precisa saber tocar ou cantar bem para fazer música. Se as ideias são boas, você encontra uma maneira. O importante é que a música seja uma forma de se expressar", completa.

O espanhol explica que Granada tem uma tradição punk. "Havia muitos shows na cidade. Quando adolescente vi Lou Reed, Patti Smith e Michael Stipe. Aprendi que o importante não é como se canta ou toca, mas o resultado final. Sou um fã de Sex Pistols e The Clash. Joe Strummer viveu em Granada, produziu uma banda local e se apresentou diversas vezes por lá. Tem até uma praça com o nome dele na cidade", conta.

Simius foi estudar psicologia, mas sentia que a música era seu caminho. Sua fascinação por Berlim começou depois que ele viu um documentário sobre a cena musical da cidade. "Vi todos os meus ídolos de infância: Ellen Allien, Modeselektor, Apparat, Alexander Kowalski. Eles também mostravam programas que eram desenvolvidos na cidade, como o Ableton Live, além de clubes como Watergate, Berghain e Maria. Berlim era o paraíso da música eletrônica", relembra.

"Wet Sounds" entrou nas paradas alemãs na 61º posiçãoFoto: Jirafa Records

Enquanto fazia um intercâmbio na Noruega, ele visitou um amigo na capital alemã. E resolveu ficar.

Surf'n'bass

Logo que chegou, ele já começou a tocar com o rapper Marteria e a produzir faixas para o projeto Marsimoto. Paralelamente, começou a criar suas próprias canções como Kid Simius, uma intensa música eletrônica entre o techno, o electro e o rock.

"Eu nunca ouvi rap, mas era fã de artistas eletrônicos que flertavam com o gênero." Uma de suas grandes influências foi o americano DJ Shadow, que em seu disco de estreia, Endtroducing... (1996), criou, somente com samples, um som híbrido de eletrônica e hip hop. Ele usou meio que a mesma lógica em busca de sua sonoridade própria.

Aos 18 anos, entrou em contato, através de uma namorada, com a banda de surf music russa Messer Chups e criou a faixa Surf'n'Bass. Anos depois, em busca de uma nova sonoridade, reencontrou a música e, assim, Wet Sounds começou a tomar forma.

O músico em seus estúdio em Lichtenberg, no leste de BerlimFoto: Georg Roske

"Não há nada muito contextual entre a música eletrônica e a surf music, exceto que as duas são músicas de baile. Encontrei muito do flamenco e música mexicana na surf music, mas com o uso de guitarra elétrica, o que tem muito que ver comigo. Queria usar a guitarra na eletrônica de uma nova forma. Sou um espanhol em Berlim, então queria misturar tudo isso", conta.

O espanhol mergulhou então no universo da surf music, através de discos antigos, filmes e documentários. Outra inspiração para criar as canções do álbum foi o compositor italiano Ennio Morriconne. "A imagem é muito importante quando se faz música instrumental. Como você não tem palavras, tem que criar uma espécie de sentimentos nos primeiros segundos. Quando escuto a faixa e uma imagem vem à minha cabeça, sei que estou no caminho certo."

Praias imaginárias

Wet Sounds é uma jornada por caminhos que podem parecer familiares, mas que nunca foram colocados lado a lado de uma maneira tão natural e festiva. Uma viagem que começa com a surf music californiana, passa pela costa espanhola e pela cultura da música eletrônica das últimas duas décadas.

As canções em Wet Sounds são variadas, mas criam um passeio, meio retrô, meio futurista, pela surf'n'bass. Recorded in Hawaii é um viajante e psicodélico rock eletrônico. Hola Chica é uma electro-cumbia romântica, que ganhou um vídeo inspirado nos dramas latinos da televisão. A hipnótica El Pastor é a música ideal para um western spaguetti futurista. Já a contagiante Costa do Sol cria uma rave apocalíptica com guitarras e um tempero brasileiro, o vocal da cantora brasileira Odara Sol.

Kid Simius homenageia o clássico "Pet Sounds", dos Beach BoysFoto: Georg Roske

Com uma surpresa atrás da outra, o espanhol criou a trilha sonora para uma imaginária praia ensolarada em Berlim, ou para aquelas que existem em clubes e bares na beira do rio Spree, onde o calor e as cores não são gerados pela natureza, mas artificialmente.

O nome do álbum é uma homenagem ao clássico Pet Sounds, dos Beach Boys, mas também remete a diferentes aspectos do disco. "Eles eram uma banda que não faziam surf music, mas falavam dessa cultura. O nome também tem um lado erótico que eu gosto muito". Outra referência foi a própria sonoridade da surf music, que "evoca o som das ondas, como se as guitarras estivessem molhadas".

"Cada canção tem a sua história e sua maneira de entender a surf music. Não queria que fosse um disco monótono, queria fazer coisas diferentes. Diferentes vertentes da surf music. Quero fazer música eletrônica, mas sem regras. Posso fazer o que quiser. Isso é muito importante para mim", diz o músico.

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