Culto a ex-presidente Lula tem ares de sebastianismo, a espera do retorno do governante para libertar o povo. Será que os eleitores do petista se absterão, viabilizando uma vitória de Jair Bolsonaro?
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O dólar ultrapassou a marca de 4 reais. O motivo seriam as pesquisas eleitorais mais recentes que mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com até 39% das intenções de voto.
Isso me lembra as semanas antes da eleição de 2002, quando o dólar também superou a marca de 4 reais por causa do "comunista Lula". Mas Lula governou mais como Angela Merkel do que como Fidel Castro e, em 2010, deixou o poder com 87% de aprovação. Eram tempos mais harmoniosos do que os atuais.
Será que esse medo estranho do "comunista Lula" voltou de repente? Dificilmente, já que, de qualquer jeito, Lula está preso e nem poderá concorrer, segundo afirma a Justiça brasileira. Ou será que os temores são relativos a Jair Bolsonaro, segundo colocado nas pesquisas, com 19%? Especialistas dizem que ele não tem chance no segundo turno. A ver.
As eleições deste ano são as mais imprevisíveis desde 1989. Atrás dos dois "populistas", de cuja vitória se duvida, seguem Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin, três candidatos de quem ninguém precisa ter medo. Eles pertencem a um espectro social-democrata às vezes orientado politicamente mais à esquerda, às vezes à direita. Nesse contexto, é bem provável que Alckmin tenha as maiores possibilidades de conquistar uma maioria estável no Congresso. E Fernando Haddad, substituto de Lula, é um político sensato, que vai procurar o diálogo com as forças da oposição para formar um governo capaz de funcionar.
Então, devemos ficar preocupados com o Brasil?
O pior cenário provavelmente seria uma grande quantidade de votos brancos ou nulos. Nesse caso, faltaria legitimidade ao novo presidente. Algo de que o Brasil não precisa depois de quase quatro anos sem um governo operacional. Além disso, é exatamente Jair Bolsonaro que pode tirar proveito da "abstenção" de muitos eleitores.
Essa resposta também dependerá do fato de Lula conseguir ou não transferir sua alta aprovação para Haddad. Afinal, este terá muito tempo de transmissão na campanha eleitoral na TV que começa no dia 31 de agosto. Exatamente como Geraldo Alckmin, que aposta na propaganda televisiva para ultrapassar o campo da direita. Assim, o segundo turno no dia 28 de outubro poderia acabar sendo uma reedição do duelo entre o PT e o PSDB – o cenário dominante das eleições desde 1994.
Um bom cenário. Nas eleições passadas, o Brasil sempre deu provas de sensatez. Depois de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, veio o petista Lula – foram 16 anos de governo que fizeram bem ao país.
Se Lula tivesse se candidatado em 2014 – conforme supostamente planejava –, ele talvez teria conseguido evitar a perda de governabilidade que se instalou em 2015 sob o governo de Dilma Rousseff.
Na última quarta-feira (15/08), milhares de seus correligionários compareceram diante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para exigir sua participação na eleição. Parcialmente, a manifestação parecia uma peregrinação. À frente da passeata, pessoas que fizeram greve de fome eram carregadas e havia pessoas beijando fotos de Lula. Um novo sebastianismo – com a diferença de que, em vez do corpo do rei D. Sebastião de Portugal, agora falta o corpo de Lula.
Diante do carisma incomparável de Lula e de seus ganhos para a população pobre, não é de se admirar que muitos o querem de volta. Mas, como aconteceu com D. Sebastião, provavelmente a espera de um retorno de Lula para salvar a nação será em vão. Agora, são os seus eleitores que precisam realizar esse resgate.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
1989: a primeira eleição direta da redemocratização
Os brasileiros voltaram a escolher diretamente um presidente depois de 27 anos. Um total de 22 candidatos se apresentou – até hoje um recorde. O pleito foi marcado por debates na TV e acusações de manipulação jornalística. Fernando Collor, filiado a um partido nanico, largou na frente ao se apresentar como “caçador de marajás”. No final, Collor derrotou o líder sindical Lula (PT) no 2° turno.
Foto: Radiobras/Roosewelt Pinheiro
1994: o início da era tucana
No início de 94, o pleito tinha um favorito: Lula. No entanto, alguns meses antes da eleição foi lançado o Plano Real, bem-sucedido em conter a inflação. A popularidade de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um dos autores do plano, disparou. Lula, que havia criticado o real, afundou nas pesquisas. FHC acabou vencendo a eleição ainda no 1° turno. Era o início de oito anos de hegemonia do PSDB.
Foto: Acervo FHC
1998: a reeleição entra em cena
Em 1997, foi aprovada a emenda da reeleição– com denúncias de compra de votos –, abrindo caminho para FHC disputar mais um mandato. Mais uma vez seu adversário foi Lula, que indicou Leonel Brizola, seu antigo rival na esquerda, como vice. Durante a campanha, o governo omitiu que o real estava sobrevalorizado. FHC foi eleito no 1° turno. Depois da posse, o real sofreu uma desvalorização recorde.
Foto: Acervo FHC/Secretaria de Imprensa
2002: o início da hegemonia petista
Lula chegou à eleição com uma nova imagem: se comprometeu a apoiar o plano real, nomeou um empresário como vice e recorreu a marqueteiros. A estratégia para acalmar o mercado deu certo. Ciro Gomes chegou a despontar em segundo lugar, mas afundou após uma série de declarações que repercutiram mal. No final, Lula derrotou o candidato do governo FHC, José Serra, no segundo turno, com 61% dos votos.
Foto: Agência Brasil/M. Casal Jr.
2006: escândalos não impedem reeleição de Lula
Lula se candidatou novamente após a eclosão do escândalo do Mensalão. Parecia destinado a vencer no 1° turno, mas a prisão de assessores do PT na reta final abalou sua campanha. No 2° turno, os petistas contra-atacaram. Rotularam o tucano Geraldo Alckmin de privatista e de ser contra o Bolsa Família. Alckmin acabou recebendo menos votos no 2° turno do que na primeira rodada, e Lula foi reeleito.
Foto: Instituto Lula/R. Stuckert
2010: a primeira presidente mulher
Com alto índice de popularidade, Lula apresentou Dilma Rousseff como candidata à sucessão. Os tucanos voltaram a lançar José Serra, e a ex-ministra Marina Silva disputou pela primeira vez. A campanha de Serra tentou encurralar Dilma ao acusá-la de ser favorável ao aborto. No final, pesou a popularidade de Lula, e a petista ganhou no 2° turno, se tornando a primeira mulher a chegar à Presidência.
Foto: Agência Brasil/W. Dias
2014: a campanha mais cara e acirrada
Nova polarização entre PSDB e PT: Dilma disputou um novo mandato com Aécio Neves. Após a morte de Eduardo Campos (PSB), Marina Silva entrou na corrida, mas desabou nas pesquisas após ataques do PT. Dilma foi reeleita com apenas 3,28 pontos percentuais a mais que Aécio no 2° turno. A petista e o tucano gastaram R$ 570 milhões - com muitas doações de empresas acusadas de corrupção na Lava Jato.
Foto: Reuters/R. Moraes
2018: polarização entre PT e Bolsonaro
Após uma campanha que acirrou ânimos e dividiu o país, Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito com 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). A vitória do ex-capitão defensor do regime militar marcou a volta da extrema direita brasileira ao poder e representou um fracasso para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nesse pleito estava preso por corrupção e impedido de se candidatar.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
2022: inédita disputa entre presidente e ex-presidente
Os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas são o presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que recuperou os direitos políticos. Bolsonaro ampliou benefícios sociais às vésperas da campanha e vem questionando o sistema eleitoral. Já Lula busca aliança ampla contra extrema direita e capitalizar sua experiência anterior no governo.