A vingança do Talibã contra ex-agentes de segurança
Ahmad Hakimi
6 de dezembro de 2021
ONG Human Rights Watch diz que mais de cem ex-funcionários das forças de segurança do Afeganistão desapareceram ou foram mortos pelo Talibã desde que o grupo voltou ao poder. O número real, porém, pode ser muito maior.
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Após a queda do antigo governo do Afeganistão, milhares de ex-agentes das forças de segurança enfrentam o perigo iminente do Talibã, que agora governa o país. Organizações de direitos humanos relatam que dezenas deles se tornaram vítimas de assassinatos seletivos e que há muitos outros cujos destinos são desconhecidos.
A Human Rights Watch (HRW) evidenciou tais incidentes em seu relatório de 25 páginas publicado no final de novembro, documentando as mortes e desaparecimentos de ex-membros do Exército afegão, polícia, serviços de inteligência e milícias pró-governo, que se renderam ao Talibã entre 15 de agosto e 31 de outubro.
A organização de direitos humanos afirma ter coletado informações confiáveis sobre mais de 100 assassinatos ou desaparecimentos forçados nas províncias de Ghazni, Helmand, Kandahar e Kunduz. O Talibã rejeita o relatório e o classifica como "sem fundamento".
A DW contatou muitos ex-soldados e oficiais afegãos e questionou sobre os incidentes, mas eles se abstiveram de comentar sobre o assunto. Alguns confirmaram assassinatos e desaparecimentos forçados em todo o Afeganistão, mas, no entanto, pediram para não serem identificados.
Um jornalista afegão na província de Balkh, no norte do país, disse à DW, sob condição de anonimato, que muitos ex-oficiais de segurança afegãos foram mortos em Mazar-e-Sharif nas últimas semanas.
"Mais recentemente, um ex-oficial da Diretoria Nacional de Segurança foi sequestrado em sua casa e, mais tarde, seu corpo foi descoberto em outro lugar", afirmou.
O jornalista acrescentou que os seguranças de dois ex-ministros de Balkh, bem como algumas ativistas da sociedade civil, foram encontradas mortas nos arredores de Mazar-e-Sharif nas últimas semanas.
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Qual é a credibilidade da anistia dada pelo Talibã?
Após derrubar o governo de Ashraf Ghani em agosto, o Talibã ofereceu uma anistia geral a todos os ex-funcionários e soldados do governo.
A Human Rights Watch diz que o Talibã obteve acesso aos registros de ex-funcionários do governo e os está usando para prendê-los e executá-los.
"A anistia prometida pela liderança do Talibã não impediu que os comandantes locais executassem sumariamente ou fizessem desaparecer ex-membros das forças de segurança afegãs", disse Patricia Gossman, diretora para a Ásia na HRW.
Autoridades locais do Talibã negam qualquer envolvimento nos assassinatos, alegando que esses incidentes são resultado de rixas pessoais. Os talibãs também afirmam que estão investigando esses incidentes.
Em resposta ao relatório da HRW, as autoridades do Talibã disseram ter demitido 755 membros que consideraram culpados de assassinato, tortura e detenção ilegal. Mas a HRW diz que o grupo não lhes deu nenhuma prova para corroborar sua afirmação.
Sayeed Khosti, um porta-voz do ministério do Interior do Talibã, disse à DW numa mensagem de vídeo que o relatório da HRW "carece de fontes confiáveis".
"Centenas de ex-funcionários e soldados afegãos que mataram muitos afegãos estão vivendo em Cabul e em outras partes do país sem medo", acrescentou.
Ex-pilotos de drones sob ameaça
Jamal Hussain (nome alterado devido a preocupações com segurança), que era piloto de drone das forças dos EUA no Afeganistão, confirmou quatro assassinatos seletivos e desaparecimentos forçados de ex-militares.
"Tenho vivido separado de minha família desde que o Talibã chegou ao poder. Não tenho contato com minha família", disse ele à DW por telefone, de um local desconhecido em Cabul.
Ex-pilotos de drones afegãos, que foram treinados pelas forças da Otan, dizem que se sentem abandonados na atual situação.
"Dois dos meus colegas foram mortos pelo Talibã e outros dois estão desaparecidos. Estamos numa situação miserável", disse Hussain, acrescentando que ex-pilotos de drones não entram em contato um com o outro por medo de que o Talibã possa grampear suas ligações e acessar seus dados.
Hussain disse que a anistia do Talibã tem o objetivo de enganar a comunidade internacional e esconder seus crimes.
Ativistas e juízes enfrentam retaliação
Ex-funcionários do governo e militares não são os únicos que enfrentam retaliação do Talibã. Ativistas de direitos humanos e jornalistas dizem que suas vidas também estão em risco.
Uma juíza do antigo governo afegão fugiu para a Grécia com seus outros seis colegas e suas famílias. No final de outubro, eles se mudaram para o Brasil.
Ela disse à agência de notícias AP que ela e os outros juízes ainda temem o Talibã, pois condenaram alguns de seus membros por vários crimes em seus tribunais.
A mulher, que foi juíza por quase dez anos antes de o Talibã derrubar o governo do ex-presidente Ghani, disse que o Talibã vasculhou recentemente sua casa em Cabul.
Sob o antigo governo apoiado pelo Ocidente, o Afeganistão tinha cerca de 300 juízas. Agora, a maioria delas está escondida. "Sabíamos que eles [o Talibã] não permitiriam o trabalho de juízas. Eles libertaram todos os criminosos que mandamos para as prisões", frisou.
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.