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Entrevista

5 de julho de 2011

Para Leonam dos Santos Guimarães, assistente da presidência da Eletronuclear, é contraditório fechar usinas nucleares e manter armas atômicas da Otan no próprio território.

Usinas atômicas serão fechadas até 2020 na Alemanha
Usinas atômicas serão fechadas até 2020 na AlemanhaFoto: SIGI TISCHLER / APA / picturedesk.com
Sobre a energia atômica, o engenheiro Leonam dos Santos Guimarães diz ter uma convicção: é totalmente contrário ao uso dessa fonte para produção de armas.
Em meio ao debate mundial aquecido pela decisão alemã de abrir mão de suas usinas nucleares, o assistente da presidência da Eletronuclear, que opera as centrais nucleares no Brasil, e assessor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) diz ver contradições na estratégia levada a cabo pela chanceler federal Angela Merkel.
"Essa decisão tem uma forte motivação política interna alemã. A motivação política também está muito ligada ao emocional despertado por Fukushima", diz Guimarães. Em artigo intitulado Perguntas à Alemanha, o especialista puxa a discussão para o lado militar.
Deutsche Welle: O senhor escreveu um artigo no qual questiona o abandono da energia nuclear na Alemanha, e pergunta ao país por que ele permite a presença de centenas de armas nucleares norte-americanas no seu território...
Guimarães é assessor da AIEAFoto: Eletronuclear
Leonam dos Santos Guimarães
: Sim, esse é outro problema. Essas duas coisas convivem e esse tema, "usinas nucleares na Alemanha", pelo ponto de vista do Partido Verde é muito forte. E na minha opinião, ocorreu um certo mimetismo nuclear. O movimento ambientalista mundial, do qual o Partido Verde alemão é uma ponta de lança muito forte, nasce na década de 1970 como uma consequência do movimento pacifista, que surgiu contra as armas nucleares.
Em especial quando um conjunto de cientistas, liderados por Carl Sagan, demonstrou que uma guerra nuclear não traria só os efeitos de destruição decorrentes diretamente do uso das armas nucleares, mas teria efeitos globais, por meio do "inverno nuclear", como foi chamado.
Naquela época, houve a crise dos mísseis Pershing norte-americanos, e a Alemanha era um dos países que receberia esse tipo de míssil. E houve no país uma mobilização popular muito forte contra essas armas nucleares. Observando de fora e com base histórica, eu vejo que o movimento pacifista e ambientalista da época mimetizou as armas nucleares nas usinas. E é muito difícil se manifestar contra uma coisa invisível, porque a arma nuclear é praticamente invisível, fora do alcance das massas.
Agora, a usina nuclear é muito visível. Então toda aquela posição contrária às armas acabou sendo focada, transferida para as usinas. Eu vejo esse mimetismo: a arma se mimetizando em usina, e esse é o berço do movimento ambientalista. E isso parte de um equívoco fundamental porque arma é uma coisa, usina é outra, completamente diferente.
O senhor vê, então, um movimento ambientalista equivocado na Alemanha?
Sim. Eu acredito que a posse e a manipulação de armas nucleares é uma atividade de muitíssimo risco, muito maior do que a operação de usinas nucleares. Ainda existe, no caso das armas, um aspecto ético e moral muito importante também.
Considerando que o foco da Alemanha é banir as centrais nucleares, mas ao mesmo tempo o país continua mantendo uma quantidade muito significativa de armas nucleares no seu território, das quais a maior parte é operada pelos norte-americanos e uma parte pela própria Força Aérea alemã – dentro do contexto do comando da Otan, isso é algo, no mínimo, contraditório.
Ou seja, arma nuclear não tem o poder de mobilização que a usina nuclear tem. Então, olhando essa atitude da política alemã [de fechar as centrais nucleares], deduz-se que as usinas nucleares representam um risco à sociedade muito maior do que as armas nucleares. O manuseio, armazenagem de armas nucleares é uma atividade muito mais arriscada do que as usinas nucleares. As usinas são uma atividade econômica. As armas nucleares não são uma atividade econômica.
Qual a ressonância que a decisão alemã pode ter no resto do mundo?
O impacto negativo dessa decisão já vem ocorrendo desde 2001. É uma decisão estranha para um país que foi líder tecnológico no setor, que está bastante ligado ao próprio desenvolvimento da indústria mundial, e que, de repente, por uma decisão de caráter estritamente político, abandona e perde essa vanguarda tecnológica que tinha. Esse talvez seja um caso único na história de um país que abandona uma tecnologia que, às duras penas, obteve, desenvolveu e chegou a ser um dos líderes mundiais.
E os impactos disso já aconteceram. A decisão recente só teve a repercussão muito mais midiática do que na prática. Agora, sem dúvida, essa decisão joga lenha na fogueira da discussão que existe em todos os países que seguem esse mesmo credo, essa mesma convicção, que as usinas nucleares são um terrível risco para a sociedade. E grupos com essa visão política existem em todo mundo. E a decisão da Alemanha reforça a posição desses grupos.
O senhor fala bastante de um movimento ambientalista equivocado, mas houve recentemente o caso de Fukushima...
Fukushima causa uma reflexão, discussão e argumentação muito forte para esses grupos antinucleares. Agora, se você for fazer um balanço racional e objetivo das consequências de Fukushima, das consequências diretas à saúde da população e dos impactos no meio ambiente no Japão, vamos ver que foram muito limitadas.
Por exemplo, logo depois disso, por uma infeliz coincidência, vivemos no mundo um acidente biológico de grandes proporções na própria Alemanha, onde 34 pessoas morreram e mais de 4 mil foram hospitalizadas. Essas estatísticas são muito superiores a qualquer coisa ligada ao acidente em Fukushima, por exemplo. E a gente dificilmente vê alguém defendendo o fim da agricultura orgânica, que parece estar na origem deste acidente biológico.
Isso não tem paralelo com o acidente de Fukushima, onde morreram três pessoas, das quais nenhuma delas por causa radiológica, mas por consequências diretas do terremoto e do tsunami – uma pessoa que estava operando o guindaste e duas morreram afogadas. Seis trabalhadores sofreram contaminação, não gravíssima, mas preocupante, e eles estão sendo acompanhados. E a população foi evacuada em tempo hábil, de forma que não houve nenhum impacto direto ao público.
Quando se compara o caso de Fukushima com o caso da contaminação dos brotos de feijão, a gente vê que a sociedade, às vezes, usa dois pesos e duas medidas para julgar uma consequência contra ela mesma.
Também tivemos, recentemente, um grande acidente com o petróleo no Golfo do México. Nenhum pais decidiu proscrever a exploração de petróleo offshore. E os efeitos foram muito severos lá no Golfo, especialmente para o meio ambiente. Nenhum premiê de nenhum país decidiu acabar com esse tipo de exploração.
A posição que a chanceler federal Merkel adotou é populismo, germânico, mas populismo. O que caracteriza o populismo? Tomar decisões de grande impacto para satisfazer, de uma forma emocional, uma parcela da população. Foi isso que ela fez. A gente associa o populismo à América Latina, mas o populismo também aparece à germânica.
Entrevista: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque
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